Edição 66

Profissionalismo

Lição de casa sem dor

Derly Maciel de Camargo

aluna_escrevendoEm meio aos inúmeros comentários dos pais e professores sobre o verdadeiro “parto” na hora de realizar as tarefas escolares, passei a refletir sobre o tema.

Meus pensamentos passaram largamente sobre os grandes temas emblemáticos da Educação: sexualidade, significância de conteúdo, respeito ao modo de aprendizagem de cada um versus massificação do ensino, entre outros. A pergunta que queria responder era: “O que eu posso fazer para ajudar?”.

Lembrei-me do trabalho realizado pelo governo britânico, em que os alunos com rendimento ruim e que tenham cometido ilícitos são submetidos à vigilância por meio de câmeras de videomonitoramento. Nos horários estipulados, os “pedagogos-policiais” verificam se os alunos estão no quarto realizando seus deveres; caso não estejam, a polícia é acionada.

É bem verdade que o foco de tal mister é outro. Lá o objetivo é evitar que os jovens fiquem perambulando pelas ruas e cometam mais crimes. O nosso é fazer com que os alunos aprendam mais e, se possível, sem uma guerra doméstica.

Tal guerra decorre pela quase total incapacidade das famílias em gerenciar os questionamentos da escola e ajudar seus filhos perante uma gama cada vez maior de conteúdos que não são dominados pelos pais (Marçal & Silva, 2006). Ou seja, os estudantes precisam de ajuda, mas esta não está vindo e possivelmente não virá da maioria dos pais. Falta competência, portanto, no processo. Inspirados nessa temática, resolvemos conceber o projeto denominado de Professor em Casa, cujo foco é elevar o nível de competência e disciplina na realização das tarefas escolares.

A metodologia aplicada é bastante simples, nunca simplista, vez que a Educação se reveste da mais notória complexidade, basta ver os vultosos recursos gastos e os graves problemas decorrentes da sua falha.

Mediados por uma ferramenta de tecnologia da informação, em um ambiente controlado, aluno e professor se encontram de maneira síncrona para realização da tarefa escolar em horário previamente estabelecido, valendo-se de recursos de som, imagem, mensagem curtas (chat) e acesso aos cálculos e outros escritos realizados manualmente pelo professor durante a reunião.

O professor tem pleno conhecimento da agenda escolar do aluno: que aula teve no dia, quais tarefas foram solicitadas, prazos de entrega e — o mais importante — o objetivo de cada lição solicitada pelo professor da disciplina. Tal agenda é disponibilizada na rede de informática da escola, e os professores nela postam os deveres a serem realizados pelos discentes, constando os objetivos de cada lição.

No dia do encontro, o software envia um lembrete do compromisso ao aluno. Mas não só para o aluno, os pais também são avisados e podem, inclusive, participar da reunião. Caso o aluno não esteja on-line, os responsáveis pelo estudante são imediatamente comunicados por voz, SMS ou e-mail. Tal medida mostrou-se de grande valia, vez que os pais passaram a fazer parte do processo, concedendo a ele legitimidade e desmistificando a ideia de que lição de casa é problema do aluno e da escola.

Durante o tempo de encontro, o aluno pode tirar as suas dúvidas e avançar em outras áreas do conhecimento, saindo dos padrões do “antissaber” fomentado pela sociedade hodierna (Hubner, 1999).

Para lograrmos êxito no projeto ora descrito, algumas barreiras tiveram que ser vencidas. Porém, as principais foram as resistências da cultura organizacional potencializada pela falta de domínio dos recursos de tecnologia por parte dos docentes e a ideia preconcebida dos pais de supor que o projeto não passava de brinquedo pedagógico.

Por outro lado, o Professor em Casa acabou por oferecer à comunidade escolar pontos muito positivos que nos fazem acreditar ser este um caminho a ser trilhado. Alunos despertos e disciplinados com seus estudos; pais mais participativos e parceiros da escola; melhoria na autoestima dos alunos (sorrisos em crianças que antes eram mais retraídas), o que, em outras circunstâncias, poderia levar a casos mais extremados, como o bullying; maior participação em sala de aula, tanto quantitativa como qualitativa; professores com mais tempo para aprofundamento de conteúdos novos. Sem falar no tão idealizado índice de homogeneização das turmas, que aumentou, uma vez que as tarefas escolares têm a capacidade de nivelar os alunos, pois, na medida em que não conseguem compreender completamente os conteúdos durante a explicação de sala de aula, podem fazê-lo durante a realização das lições para casa.

Algumas etapas devem necessariamente ser cumpridas, a fim de se evitarem ineficiências, o que pode gerar descrédito ao trabalho. Entre elas, estão: capacitação dos professores, tanto os de sala de aula como os que irão participar da lição on-line, do pessoal de apoio pedagógico e de suporte técnico; criação de infraestrutura de tecnologia da informação; homologação de software que mais se adapte aos anseios da escola, aquisição de equipamentos compatíveis entre si e — a nosso ver, o mais importante — a concepção do sistema como um todo.

O estabelecimento de indicadores objetivos de participação no projeto, de qualidade e de quantidade, são elementos essenciais para que a iniciativa não se torne um simples modismo ou mais uma parafernália trazida para dentro da escola para dar um sentimento de que somos high tech.

Um rodízio de professores das mais diversas disciplinas e relatórios constantes aos pais oferecerão a todos uma visão mais holística do processo, bem como a ideia de que o trabalho não está segmentado, mas é fruto e sucesso de todos. Se lição de casa é um parto, que seja ao menos sem dor!

Derly Maciel de Camargo é diretor do Centro Educacional Evangélico e pós-graduado em Informática na Educação.

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