Edição 128

Livro da vez

Mágoas da escola

Daniel Pennac

É no livro Mágoas da escola, uma espécie de biografia, que Daniel Pennac, um dos maiores especialistas do ensino da leitura, conta sua vida como aluno: “Esses anos foram terríveis”.

“Tudo nasce de uma primeira incompreensão, de um problema de inibição provocado pelo acanhamento, pela casualidade ou por qualquer outra causa. E se acumula e se interioriza. Você diz a si mesmo que é um idiota, um cretino, que não há nada que fazer com você. Se você se considera estúpido, então não há como fazer esforço. O seu fracasso é irreparável. A partir de 1969, comecei a trabalhar como professor de alunos de bacharelado e nunca me deparei com nenhum aluno estúpido. Os pais podem ser idiotas; a televisão, os livros, os grupos também o podem, porém os jovens não o são. São mais vivos, mais atrevidos, mais rápidos, mas nenhum jovem é estúpido”, disse Pennac, que relata, em primeira pessoa, a dura experiência de estar todos os dias em um lugar (na escola ou em casa) onde é visto como o que não pode, não sabe, o problemático, e mostra esse quadro como desolador.

Ao mesmo tempo, apresenta, como sua salvação, o fato de um professor ter lhe apresentado o prazer da escrita, tendo ali descoberto sua vocação, a partir da qual deixou de considerar a si mesmo como um “idiota”.

A chave da narrativa de Pennac passa por compreender o essencial: encontrar a “janela” de cada aluno. Todos temos alguma atividade na qual somos bons. No dia em que a encontramos, podemos vinculá-la, de um modo mais relaxado, àquelas nas quais somos “ruins”. Podemos desfrutar delas sem a pressão e a exigência de mostrar resultados. É muito estranho sentir que se é ruim em tudo, até compreender que se pode ser bom em algumas coisas e ruim em outras, como todos.

Às vezes, passamos a vida toda buscando a nossa “janela”, e é sumamente frustrante quando não a encontramos.
Todas as crianças merecem encontrar a sua, e nós, adultos, temos a obrigação de ajudá-las para que consigam. ”

Quando os pais buscam múltiplas atividades para as crianças, como gôndolas de supermercado, não constroem uma base para que, em cada uma delas, tenham a dedicação suficiente para descobrir a sua “janela”. Quando experimentam atividades que abandonam ante a exigência de realizar o menor esforço, quando algum exercício que lhes solicitam as cansa, não conseguem encontrar o verdadeiro prazer.

Desfrutamos da escrita depois do esforço de aprender a escrever; da música, depois de aprender a técnica para manejar um instrumento; da dança, quando conseguimos controlar e administrar nosso corpo. E todas essas aprendizagens requerem um tempo de esforço e dedicação, até que chega o momento da criatividade, do prazer, do desfrute. Se as crianças “entram e saem” das atividades diante da primeira frustração, não conseguem atravessar o limite, no qual descobrem que podem, que essa é sua “janela”.

Às vezes, passamos a vida toda buscando a nossa “janela”, e é sumamente frustrante quando não a encontramos. Todas as crianças merecem encontrar a sua, e nós, adultos, temos a obrigação de ajudá-las para que consigam. E isso não se faz enchendo-as de ofertas, mas, sim, ajudando-as a se aproximarem de cada uma das dificuldades nas condições adequadas, certificando-nos de que passem pela etapa do “esforço” para chegar à do “desfrute”.

Porém, fundamentalmente, devemos partir da convicção de que essa “janela” existe, porque, sim, existe, e é preciso transmitir essa convicção às crianças. O fato de estarmos convencidos disso magicamente ajudará as crianças a descobrirem-na. O apoio dos adultos tem uma maravilhosa capacidade motivadora e transformadora. Trata-se de usá-la com responsabilidade e afeto para abrir “janelas” mais do que para se conformar em vê-las fechadas.


Educação Infantil – O Guia da Professora. n. 57, abr. Rio de Janeiro: Ediba, 2011.

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