Edição 115

Construindo mais conhecimento

Mindfulness e educação: desafios e possibilidades

Kelly Cartaxo

O mundo, nas últimas décadas, vem sofrendo com o aumento da competitividade e a diminuição de sensibilidade e respeito entre as pessoas. Por esses e outros motivos, a violência vem tomando forma e lugar cada vez mais fortes nas famílias, nas escolas e na sociedade como um todo. Percebe-se, desde então, que não é suficiente ensinar a ler, escrever e calcular; é preciso educar, também, na perspectiva emocional, na convicção de que “A inteligência precisa conversar com as emoções”. Goleman (2001, p. 276) ressalta que “Ser emocionalmente alfabetizado é tão importante na aprendizagem quanto a Matemática e a leitura”. Para tanto, é de suma importância estreitar os laços entre o ambiente escolar e o desenvolvimento de competências socioemocionais, abrindo espaço para uma aprendizagem mais completa, em que o aluno tem formação para além do mercado de trabalho, ou seja, para a vida.

Goleman (2001, p. 276) afirma que:

A ideia básica é elevar o nível de competência social e emocional nas crianças como parte de sua educação regular — não apenas uma coisa ensinada como paliativo para crianças que estão ficando para trás e que são “perturbadas”, mas um conjunto de aptidões e compreensões essenciais para cada criança. O aprendizado não ocorria de forma isolada dos sentimentos dos participantes.

Segundo o The Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (Casel):

O ensino das habilidades socioemocionais é uma das estratégias mais significativas disponíveis hoje para promover sucesso estudantil e reformas escolares eficazes. Pesquisas extensas apontam que a aprendizagem socioemocional melhora resultados acadêmicos, ajuda alunos a desenvolver autorregulação, melhora as relações da escola com a comunidade, reduz os conflitos entre alunos, melhora a disciplina da sala de aula e ajuda jovens a serem mais saudáveis e bem-sucedidos na escola e na vida.

A escola precisa compreender que sua função não é ensinar apenas a fazer, mas, principalmente, a ser e a conviver; a conectar-se consigo e com o outro; a ter consciência do valor que tem o sentir para depois agir; a saber pensar e viver o presente; a respeitar os sentimentos e a vida.

Sobre isso, Nunes (2018, p. 17) afirma que:

É importante que a escola ofereça uma experiência educativa que vise a criatividade existencial do ser humano, possibilitando o desenvolvimento de todo o seu potencial através de experiências educativas que sejam significativas, que façam sentido, que afetem e que atinjam a criança de modo que ocorra uma transformação nas várias dimensões pessoais.

Ao refletir sobre as palavras de Nunes, fica evidente a importância do equilíbrio emocional no contexto educacional, uma vez que auxilia a criança e o jovem a serem mais focados, centrados naquilo que fazem. A partir daí, traz-se uma prática que teve sua origem na década de 1960 e cuja vivência cotidiana regula as emoções e o controle da atenção, reduz o estresse e amplia a consciência do corpo. A essa prática, que contribui para a melhoria do ambiente social, dá-se o nome de mindfulness. Mas o que é mindfulness? Quais os seus benefícios para o âmbito escolar? O que muda na vida dos alunos, dos professores e das famílias com a prática do mindfulness?

Mindfulness é uma palavra vinda da língua inglesa que não tem uma tradução exata na língua portuguesa, mas que pode ser concebida como atenção plena, viver o agora, mente saudável. Mindfulness é “[…] uma forma de prestar atenção, de propósito, no momento presente e sem julgamento perante o que esteja a surgir no seu campo de experiência” (Jon Kabat-Zinn). Falar em mindfulness é também falar em parentalidade consciente, que se traduz em “viver o presente sem julgamentos”, numa atitude de autoaceitação que visa o educar de forma consciente, confiando em si (pai/mãe) e colocando-se no lugar do outro (crianças e jovens). É também saber que ninguém é perfeito, mas que é possível entender que se pode “ser perfeito na imperfeição”.

Magno (2017, s/p) diz que:

A parentalidade consciente possibilita um autoconhecimento dos pais, e estes, ao se conhecerem melhor, têm, depois, a possibilidade de poder partilhar com os seus filhos a melhor versão de si próprios.

A autora acrescenta ainda que:

Exercer uma parentalidade consciente é uma escolha que se faz por amor. Em primeiro lugar, amor por nós, pois só nos amando somos capazes de amar. Depois, alargando esse amor e estendendo-o aos filhos. Transformando-nos a nós próprios e fazendo o nosso percurso de desenvolvimento pessoal, estaremos, então, aptos para poder empoderar os nossos filhos (MAGNO, 2017, s/p).

Diante da reflexão posta até aqui, cabe-nos perguntar: “Por que tudo isso agora? Não será um modismo? Vamos ter tempo?”.

É evidente que o mundo tem se modificado muito rapidamente, principalmente em função das transformações tecnológicas e sociais. Na atualidade, cada vez mais, percebe-se que os pais focam no ter, e, por isso, o trabalho passa a ser a prioridade maior, ou seja, quanto mais ganham, mais querem ter para oferecer “uma melhor vida para eles e para os filhos”. Obviamente que o tempo para si mesmos e para os seus começa a inexistir ou, pelo menos, a ficar em um plano secundário. Começa aí um confuso ciclo nas relações familiares que se estende para as relações escolares e, consequentemente, para a sociedade como um todo. O que vemos hoje? Pais que se indispõem a conversar com o filho, a acompanhar o filho na escola, que não têm tempo para olhar a si mesmos e para dialogar com seus pares; a partir daí, vemos filhos emocionalmente instáveis, isto é, inquietos, introvertidos, mal-amados, impulsivos, intolerantes e estressados, que não sabem parar para ouvir, que não sabem respeitar o outro e que não sabem gerir seus sentimentos e emoções. Todo esse emaranhado reflete diretamente nas escolas, e o que se vê são professores cansados, inseguros, infelizes e desencantados com sua profissão, pois não têm apoio das famílias, que não se dispõem a ajudar porque não têm tempo e acham que, como os filhos passam uma grande parte do dia na escola, é responsabilidade daqueles que fazem a comunidade escolar educar e instruir.

Sobre isso, Moutinho (2019, s/p) afirma que:

A sociedade moderna habita numa bolha de emoções sem tempo: homens e mulheres vivem num tempo ilusório cuja equação de reagentes e produtos se compõe por fenômenos de ansiedade, escapismo, nostalgia de momentos passados e por fenômenos recheados de expectativas futuras.

Assim, percebe-se a confusão presente no meio familiar e escolar em virtude de uma clara dificuldade de crianças e jovens em gerir as emoções. Segundo Goleman (2001), “As crianças tornaram-se mais nervosas e irritáveis, mais rabugentas e caprichosas, mais deprimidas e solitárias, mais impulsivas e desobedientes”.

Diante dessa realidade, surge a necessidade de parar, de mudar, pois, do jeito que está, não pode continuar. É aqui onde começa a importância de compreender e vivenciar o mindfulness, uma prática que nos coloca no tempo presente e auxilia no desenvolvimento da inteligência emocional. São inúmeros os questionamentos que fazemos:

• Quem sou eu?

• O que faço e por que o faço?

• Qual o sentido da minha vida?

• Sou uma pessoa feliz? Por quê?

• Como está a minha família? Ela existe para mim? Quando e como?

• O que faço pelos filhos além de dar-lhes os bens materiais?

• Converso com os meus filhos? Sei o que eles sentem? O que realmente necessitam?

• Tenho tempo para estar presente na vida deles? Como e quando?

• Meus filhos são felizes? Quando e por quê? O que posso fazer para ajudá-los a ser pessoas felizes e respeitadoras?

A reflexão e resposta para os questionamentos anteriores nos conduzem diretamente à prática de mindfulness, a qual vislumbra, também, a gestão das emoções. Tal prática precisa ser implementada na vida de uma criança de maneira natural, no seu cotidiano familiar ou escolar, seja ao acordar, antes ou após as refeições, antes de dormir, no recreio ou após o mesmo, ao ouvir uma música, ao desenhar, ao pintar ou ao construir mandalas.

Nesse contexto, surge a necessidade de evidenciar o que o educador que trabalha com mindfulness deve fazer, segundo Oven (2015) apud Nunes (2017, p. 54):

1- Estar 100% presente, desligando o modo “piloto automático”, focando unicamente no momento presente, vivendo cada momento como se fosse o primeiro e o último.

2- Assumir o papel de detetive ativo como parte fundamental do processo educativo através da procura das necessidades que motivam os comportamentos das crianças ou das manifestações de sentimentos mais difíceis, como a tristeza, a raiva ou o medo.

3- Praticar o respeito pela integridade, tendo presente que a integridade corresponde aos limites e às necessidades psicológicas. A integridade da criança é a soma dos seus pensamentos, dos valores e das emoções, independentemente dos comportamentos menos desejáveis que ela manifesta.

4- Praticar a autenticidade, dando espaço para a manifestação de “bons” e “maus” comportamentos e permitindo à criança viver momentos de harmonia e de conflito.

5- Lidar com as próprias emoções, observando os sentimentos e evitando que eles controlem de forma menos positiva as minhas ações, reações e expectativas.

6- Distinguir objetivos de intenções, colocando o foco principal nas intenções, e não nos objetivos.

A prática de mindfulness promove a calma e a tranquilidade, aguça os nossos sentidos, estimula a sensibilidade e auxilia-nos a gerir melhor as emoções. Então, está mais do que na hora de as escolas se abrirem para essa realidade que se faz necessária nos dias atuais. É importante se preocupar com o QI (Quociente de Inteligência), mas é também necessário reconhecer e valorizar o QE (Quociente Emocional). Aristóteles nos diz que “Educar a mente sem educar o coração não é educação em absoluto”. As escolas hoje precisam se preocupar em desenvolver estratégias de como identificar e gerir as emoções, de como se colocar no lugar do outro e de como tomar decisões pensando no bem comum. Goleman (2001), no seu best-seller Inteligência emocional, faz-nos um grande questionamento: “Como trazer inteligência às emoções, civismo às ruas e solicitude à nossa vida em comunidade?”.

Está na hora de uma mudança nos currículos escolares. Está na hora de parar de pensar apenas no fazer e conhecer, em apenas ensinar conteúdos e fazer atividades, para começar a inserir, nesse contexto, o ser e o conviver, o apreciar a natureza e a si mesmo, o vivenciar o silêncio e as relações de afeto e, acima de tudo, a ser efetivamente humano, a dar valor à simplicidade da vida e a ser feliz.

É preciso sair do “piloto automático” do nosso cotidiano e aprender a redimensionar o nosso foco para experiências emocionais e sensoriais; a aquietar o corpo e alma; e a conectar-se com o seu interior, ou seja, projetar-se para o mundo mindfulness, mundo este que nos ajudará a edificar a humanidade. Mas quais os benefícios do mindfulness?

Segundo o site Mundo Mindfulness (2017),

Um estudo recente mostrou que participar de um programa de mindfulness pode ser tão útil quanto fazer uma terapia cognitiva comportamental individual para condições relacionadas ao estresse, como a ansiedade, por exemplo. Mindfulness pode mudar a nossa relação com a percepção de dor e sofrimento, nos manter mais focados em tarefas no trabalho e nos tornar mais resilientes. Tem se mostrado também como uma boa ferramenta para a regulação emocional, o que, consequentemente, pode melhorar nossa memória, atenção e motivação.

Para ratificar a importância do mindfulness, analisemos os versos de Vera Salvo.

Mindfulness é uma palavra vinda da língua inglesa que não tem uma tradução exata na língua portuguesa, mas que pode ser concebida como atenção plena, viver o agora, mente saudável.

Traduzem mindfulness

Traduzem mindfulness como atenção plena,

uma forma de no presente estar,

sair do piloto automático

e melhor seu corpo habitar.

Uma forma de estar na vida

De menos ruminar,

acolhendo com consciência,

sem ser reativo ou julgar!

Ferramenta que traz benefícios à saúde,

física, psicológica, mental,

ofertada de diferentes formas,

online ou presencial.

Eu acho que mindfulness é amor,

quando você começa a se enxergar,

a aceitar seu lado sombra

para depois se iluminar!

É alteridade que se expressa

nas asas da compaixão,

na empatia e no sorriso

da abertura do coração…

Conquistada a cada dia,

cada um a seu tempo e também em comunhão,

com disciplina e perseverança,

quebrando o ego,

caminhando pela vida com atenção […].

 

CASEL. The collaborative for academic, social and emotional
learning; www.Casel.org.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MAGNO, Joana. Afi nal, o que é parentalidade consciente? Portugal,
2017. Disponível em: http://amaeequesabeblog.blogspot.
com/2017/04/afi nal-o-que-e-parentalidade-consciente.html.
Acesso em: 06 de junho de 2019.
MOUTINHO, Mafalda G. Inteligência emocional, mindfulness e
educação. Portugal, 2019. Disponível em: http://observador.pt/
opiniao/inteligencia-emocional-mindfulness-e-educacao-uma-
-trilogia-com-futuro. Acesso em: 07 de junho de 2019.
MUNDO Mindfulness. 5 maneiras de inserir mindfulness em sua
rotina. Disponível em: https://www.mundomindfulness.com.
br/single-post/2017/07/26/5-maneiras-de-inserir-mindfulness-
-em-sua-rotina. Acesso em: 09 de junho de 2019.
NUNES, Sara. Prática de mindfulness na educação pré-
-escolar. Dissertação de mestrado. Instituto Piaget. Almada/
Portugal, 2018. Disponível em: https://comum.rcap.pt/bitstream/10400.26/24105/1/Sara%20Nunes%20%20SE.pdf. Acesso
em: 04 de junho de 2019.
OVEN, Mikaela. Educar com mindfulness. Porto: Porto, 2015.
SALVO, Vera. Traduzem mindfulness. Mundo Mindfulness — a
arte de viver no presente. Portugal. Disponível em: https://www.
mundomindfulness.com.br/poema-traduzem-mindfulness-vera-
-sal. Acesso em: 09 de junho de 2019.
SANCHES, L. Mindfulness para pais. Lisboa: Manuscrito, 2016.

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