Edição 132

Matéria Âncora

Navegando pelos impactos do uso excessivo das telas

Isadora Altoé

As mudanças que envolvem as Tecnologias de Informação e Comunicação caminham em uma velocidade que, muitas vezes, não conseguimos acompanhar. Com esse desenvolvimento acelerado, estamos, a cada instante, imersos nas telas e nos estímulos que as mídias e redes sociais nos proporcionam. Esses aparelhos têm ocupado não apenas os lares, mas também os ambientes de aprendizagem. O problema parece se alastrar quando nos damos conta de que a nova geração está sendo exposta a celulares, tablets e outros dispositivos já nos primeiros anos de vida.

O vício na palma da mão

Segundo o Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos (NICHD, na sigla em inglês), há uma grande relação entre o comportamento das crianças e a utilização das telas. Ainda que as pesquisas não estejam finalizadas, em razão do acompanhamento completo das crianças, já foi possível identificar fatores como agressividade e desatenção pelo uso excessivo dos dispositivos móveis. Além dos transtornos psicológicos, também foi observado que as telas afetam o sono dos usuários. Segundo Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), “A luz emitida pelas telas inibe a produção da melatonina, um hormônio essencial para a indução do sono”. O cenário se configura mais perigoso quando falamos das primeiras infâncias, estágios da vida em que uma longa noite de sono é essencial para o desenvolvimento do cérebro e do corpo.

Aprofundando o tema, a psiquiatra norte-americana Anna Lembke compara o uso das telas com estímulos semelhantes aos recebidos a partir do uso de drogas e/ou outras práticas nocivas e viciantes. Salvo o sensacionalismo, em suas devidas proporções, a química que acontece no cérebro ao acessar as redes sociais, por exemplo, é comprovadamente viciante. Ao se utilizar o celular, o cérebro libera dopamina, um neurotransmissor que influencia as emoções, o prazer e o aprendizado; com isso, a busca incessante pelo estímulo imediato gera o vício. Em uma entrevista para a BBC News Brasil, Lembke afirma que o estilo de vida moderno tem contribuído ainda mais para essa busca. Isso demonstra o quanto a sociedade está adoecida e, na palma das mãos, tenta encontrar uma solução imediata para sanar problemas emocionais.

E qual seria o papel da família e da escola para diminuir as consequências do uso excessivo das telas e da tecnologia?

Além dos transtornos psicológicos, também foi observado que as telas afetam o sono dos usuários.”

O papel da família

Infelizmente, os dispositivos móveis, para os pais, têm funcionado como válvulas de escape. Muitas vezes, para distrair a criança, é oferecida a ela uma tela como forma de controlar o seu comportamento. Essa forma de compensação comportamental gera o vício. Entretanto, a criança não tem consciência de que essa prática causa um estímulo relacionado à sensação de prazer e recompensa que, a longo prazo, trará consequências. Diante disso, o principal papel da família é regular e monitorar o acesso das crianças às telas e às redes sociais para que essa prática não comprometa o seu desenvolvimento cerebral.

Muitas vezes, para distrair a criança, é oferecida a ela uma tela como forma de controlar o seu comportamento.”

O papel da escola

A utilização das telas dentro da sala de aula também é um fator a ser debatido, visto que, como parte da sociedade, a escola também está inserida em um contexto tecnológico. Por isso, quanto ao uso de dispositivos móveis, a escola tem o papel de propiciar atividades voltadas à educação digital. Em uma aula de Geografia, por exemplo, o professor pode pedir que o aluno use o celular para identificar determinada região por meio do GPS. Dessa forma, a tecnologia dentro da sala de aula se torna uma ferramenta pedagógica que aperfeiçoará a compreensão dos conteúdos, facilitando o processo de ensino-aprendizagem.

Qual caminho seguir?

O desenvolvimento tecnológico deve ser encorajado e explorado em todos os âmbitos, principalmente nos âmbitos familiar e educacional. Vilanizar os dispositivos móveis não é o melhor caminho para proteger a sociedade dos malefícios do excesso de uso. O caminho é unir a família e a escola para que, juntas, conscientizem-se de que a criança deve ser estimulada a pensar, a refletir e a vivenciar tantos outros aprendizados. E a tecnologia, quando alinhada a esse propósito, é muito bem-vinda.

O desenvolvimento tecnológico deve ser encorajado e explorado em todos os âmbitos, principalmente nos âmbitos familiar e educacional.”

Isadora Altoé é formada em Letras/Licenciatura pela Universidade Federal de Pernambuco e, atualmente, é coordenadora do suporte digital do Grupo Editorial Construir.

ABREU, Cristiano Nabuco; EISENSTEIN, Evelyn; ESTEFENON, Susana Graciela Bruno (Org.). Vivendo esse mundo digital: impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2013.

COYNE, Sarah M., et al. Colapsos e mídia: flutuações de momento a momento nas transições de uso da mídia infantil e o papel dos estados de humor das crianças. v. 136, 2022.

LEMBKE, Anna. Nação dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. Editora Vestígio, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61303597. Acesso em: 02/08/23.

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