Edição 132

Professor Construir

O futuro chegou no presente a educação dos filhos na era digital: refletindo na escola e na vida

Rosangela Nieto de Albuquerque

A educação dos filhos na era digital: refletindo na escola e na vida

As tecnologias digitais avançaram de forma exponencial nas realidades social, econômica, política e cultural das sociedades, transformando as relações sociais, as atividades, os processos e as oportunidades de inclusão. São inquestionáveis os potenciais benefícios das inovações das tecnologias digitais; no entanto, além das oportunidades de desenvolvimento e bem-estar social, elas também são fonte de desigualdade histórica e estrutural.

Os níveis de acesso à tecnologia não só impactam de forma significativa os saberes e as capacidades de mudanças, mas intensificam as desigualdades preexistentes, dificultando, assim, o desenvolvimento das competências básicas para se participar plenamente na sociedade atual.

A era da tecnologia se faz presente na vida de todos nós; conhecemos os benefícios nas diversas áreas. Entretanto, especialistas em Educação ressaltam a importância de se estabelecerem limites às crianças e aos adolescentes quanto ao uso dessas ferramentas.

É importante ressaltar que, quando se trata de restringir, das crianças e dos adolescentes, o tempo de uso dos dispositivos eletrônicos, tão necessário na educação dos filhos, percebemos que não é algo muito fácil; afinal, cada vez mais, as crianças têm acesso a tablets, celulares e computadores.

Estabelecer regras e definir limites é uma grande dificuldade para os pais. Muitas vezes, a própria família acaba lançando mão desses recursos para entretê-las, assim como o videogame, a televisão e os dispositivos móveis, mas é preciso cautela no uso. Não se pretende impedir o acesso à tecnologia, pois a nova geração — os nativos da tecnologia — tem como normal o acesso aos dispositivos eletrônicos e já apresenta habilidades e competências naturais.

No século XXI, observa-se que as habilidades são um conjunto de competências que crianças e adolescentes precisam desenvolver para ter sucesso no mundo digital. Essas competências serão fundamentais para o futuro delas, mas é comum pais e educadores se questionarem se estão, realmente, incentivando corretamente o uso das tecnologias e propondo uma educação digital voltada para o desenvolvimento das crianças.

Segundo estudos da Unesco, o aprendizado na era moderna perpassa por desenvolver nos jovens as habilidades de liderança, resolução de problemas, pensamento crítico, colaboração, adaptabilidade, empreendedorismo, acesso e análise de informações, comunicação oral, escrita eficaz, criatividade, trabalho em equipe e tecnologias digitais.

As Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) estão presentes em diversos ambientes sociais, o que proporcionou novas experiências nesse meio. Pierre Lévy (2000) nos apresentou uma nova visão social sobre o uso des­sas tecnologias e nos forneceu um novo conceito de sociedade, a ci­bercultura. Segundo o autor, a cibercultura, como definição, remete aos espaços utilizados para a comunicação nos ciberespaços, que podemos considerar como ambientes virtuais de comunicação.

O advento da tecnologia promoveu transformações de comportamento social e cultural, e, com a chegada de instrumentos digitais, originou-se uma nova roupagem. As informações nos chegam em tempo real; com os acessos rápidos, o mundo passou a ter um novo paradigma do tempo. Para McLuhan (1974), as tecnologias são extensão do corpo humano, ou seja, tudo e qualquer objeto que facilite a vida das pessoas — como uma colher, que nos ajuda a comer melhor do que com a mão — é uma tecnologia.

As pessoas que não nasceram nessa era estão aprendendo, algumas foram — e ainda são — resistentes a essas mudanças, e outras conseguiram se adaptar.”

Os nascidos na era digital

A partir da década de 1970, as tecnologias invadiram nosso cotidiano transforman­do o modo de vida, os hábitos e as formas de nos relacionar. Essas mudanças tecnológicas foram acontecendo; as pessoas que não nasceram nessa era estão aprendendo, algumas foram — e ainda são — resistentes a essas mudanças, e outras conseguiram se adaptar. No entanto, as que nasceram nesse período — as nativas da tecnologia — manuseiam, com habilidade e competência, as ferramentas que se desenvolvem de forma cada vez mais veloz no mundo contemporâneo.

Vieira e Santarosa (2009, p. 2) enfatizam que

[…] os idosos contemporâneos, que nasceram e cresceram em uma so­ciedade com relativa estabilidade, convivem de forma mais confli­tuosa com a tecnologia, enquanto os jovens são introduzidos neste universo desde o nascimento.

Os pais e professores precisam aprender com os nativos digitais, trabalhando juntos e aceitando os novos desafios.”

Os nativos da era digital são pessoas que nasceram depois da década de 1980 e que se destacam por suas habilidades tecnológicas; em contrapartida, os pais ficam muito preocupados porque têm dificuldades de vigiar a utilização — ou porque trabalham o dia todo ou por dificuldade de acesso. Além disso, essa tecnologia promove o distanciamento nas interações presenciais. Outro aspecto preocupante para os pais é em relação à privacidade, à segurança e à exposição dos filhos, que são aspectos atualmente vulneráveis, sendo papel fundamental da família a sua proteção.

Palfrey e Gasser (2011) enfatizam que os pais e professores estão na linha de frente na educação das crianças; eles têm a maior responsabilidade e o papel mais importante nesse processo educativo, o que muitas vezes se torna complexo para os pais devido às barreiras culturais e da linguagem. “Eles se isolam de seus jovens nativos digitais por­que as barreiras de linguagem e culturais são muito gran­des” (PALFREY; GASSER, 2011, p. 20).

Desse modo, é necessária uma mudança de postura nas famílias, na práxis educativa e no processo de ensino-aprendizagem. Os pais e professores precisam aprender com os nativos digitais, trabalhando juntos e aceitando os novos desafios.

No modelo de educação atual, é imprescindível que não haja limitações no uso das tecnologias em sala de aula que impeçam os estudantes de utilizarem a Internet. Azevedo e Elia (2011, p. 465) afirmam que:

[…] Os alunos, nativos digitais, usam cada vez mais essas tecnologias, e a es­cola está longe de acompanhar essa evolução, seja por falta de conhe­cimento técnico dos professores ou recursos tecnológicos, criando uma verdadeira Babel educacional.

De acordo com Palfrey e Gasser (2011), as escolas preci­sam ir mais longe; os professores estão em descompasso com seus alunos no que tange aos métodos e às técnicas — práxis pedagógica —, pois a pedagogia utilizada não consegue acompanhar as evoluções tecnológicas e digitais; assim, muitas vezes a sala de aula se torna um espaço desinteressante.

A escola e as práticas educativas digitais

No contexto do ensino, a prática educativa é uma ação de “fazer ordenado” numa ação planejada, e cada momento é um espaço de reflexão crítica de cada etapa seguinte.

Libâneo (2005) enfatiza que a prática educativa é um fenômeno social para o processo de formação humana, não ficando restrito ao contexto escolar e familiar, ou seja, a prática educativa pode ser aplicada em diversas variáveis que se inter-relacionam. Para Freire (2009), as práticas educativas são mais do que uma mera lição de repetição, o aprender significa a ação de construir, reconstruir e constatar para mudar.

Portanto, as TDIC no ambiente escolar devem ser usadas como prática educativa digital. Segundo Takahashi (2000), a educação é o alicerce de uma sociedade, e a prática educativa digital precisa proporcionar a interação entre o ser humano e a tecnologia. Para isso, são necessárias políticas públicas de inclusão digital.
Nesse contexto, é importante enfatizar que, apesar de já existirem políticas públicas digitais na educação (entendendo as tecnologias digitais e a Internet como ferramentas para o acesso à informação), implantadas para o desenvolvimento de habilidades digitais, letramento e cidadania digital, ainda há muito a ser feito para fortalecer o papel das escolas e dos professores.

O desafio é grande, pois garantir um acesso equitativo traduzido em promoção de bem-estar e oportunidades de desenvolvimento, facilitando a aprendizagem e o acesso de crianças e adolescentes às tecnologias digitais, remete a um longo caminho a se trilhar, com ações efetivas nas diversas instâncias.

As práticas educativas são mais do que uma mera lição de repetição, o aprender significa a ação de construir, reconstruir e constatar para mudar.”

A família na era digital

O desafio das famílias de vigiar o acesso de seus filhos à Internet é grande. Em 1911, a Suécia já aprovava o primeiro regulamento para a proteção de crianças e adolescentes em relação ao cinema, um meio que acabara de nascer. Com o passar do tempo, os estudos e as pesquisas sobre o impacto do cinema nas crianças foram se intensificando, e parece-nos que, com quase um século de estudos, ainda há discussões sobre a relação entre crianças e mídia. Muitas regulamentações e estudos de especialistas quanto às famílias deixaram reflexões que hoje nos ajudam a pensar sobre a relação entre a infância e o mundo digital.

Os direitos acerca da relação com a mídia promoveram nesta discussão os artigos 13 (liberdade de expressão) e 17 (relacionamento com a mídia) da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), que enfatizam que não se trata apenas de riscos, mas também de oportunidades; não apenas de proteção, mas também de promoção de direitos das crianças e dos adolescentes no ambiente on-line.

Alguns autores trazem contribuições sobre a relação entre infância e mídia, são eles: Mario Kaplun, Ismar Soares, Adelaida Trujillo, Guillermo Orozco, Roxana Morduchowicz, Valerio Fuenzalida, Beth Almeida e Elza Pacheco. Para eles, a família, incluindo pais, irmãos e outros parentes, podem mediar a socialização das crianças em relação ao acesso à Internet e à experiência on-line. Certamente, os amigos também são parte importante no que tange à forma de crianças e adolescentes atuarem on-line e como vão construindo a proteção para lidar com os riscos, sem deixar de aproveitar as oportunidades.

Não há ne­cessidade de se abandonar o modelo já construído de educação tradicional, apenas adaptar a educação a outras ferramentas e métodos de aprendizagem.”

Considerações finais

Sabemos que estamos vivendo um período de transformações, e, certamente, não há ne­cessidade de se abandonar o modelo já construído de educação tradicional, apenas adaptar a educação a outras ferramentas e métodos de aprendizagem. É importante conciliar os saberes, apren­der com a geração dos nascidos na era digital e incentivar que eles utilizem suas habilidades, liderança e criatividade para resolver problemas da sociedade de forma colaborativa.

Pais e escola devem procurar se adaptar às ne­cessidades dessa geração, reconhecendo que as tecnologias digitais trazem contribuições signifi­cativas ao processo de ensino-aprendizagem e que vêm possibilitando cada vez mais espaços de interação. Esse processo é um desafio que exige mudança de posturas e de paradigmas, principal­mente em relação ao papel do professor.

Quanto à interatividade, o professor precisa sair da posição de um transmissor de saberes para se converter em formulador de problemas, coordenador de equipes de trabalho, provocador de interrogações, sistematizador de expe­riências e memória viva de uma educação que, em lugar de se prender à transmissão, valoriza e possibilita o diálogo e a colaboração (SILVA, 2005).
As mudanças precisam acontecer em nível pedagógico e estrutural, oportunizando uma formação continua­da aos profissionais que não nasceram nessa geração, mas que têm muito a contribuir com suas experiências de ensino, mudando sua práxis pedagógica e, consequentemente, a qualidade da educação.

As ferramentas digitais oferecem facilidades técnicas no modelo de vida contemporâneo, os computadores oportunizam um leque ilimitado de ações pedagógicas, permitindo uma ampla diversidade de ativi­dades para professores e alunos.

Educar na vida contemporânea é um desafio, as relações sociais, culturais, econômicas, políticas e antropológicas vêm se transformando velozmente, e a era digital tem um papel significante nessa mudança. Pais e educadores precisam se adequar e aprender a conviver com a era digital, pois é o futuro que está presente.

Rosangela Nieto de Albuquerque é ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia.

E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

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