Edição 13

Lendo e aprendendo

O cavaleiro Betinho

Era uma vez um lugar muito distante, onde havia muitas coisas boas, como rios de águas cristalinas, árvores que davam frutos deliciosos, florestas encantadas e muitos, muitos animais. Era um lugar delicioso!

O tempo foi passando, e o lugar foi descoberto pelos índios, que logo trataram de aprender a respeitar a natureza, vivendo em plena harmonia com ela.

Só que dias tenebrosos estavam por vir. O lugar foi descoberto por viajantes de grandes navegações. No início, iam apenas para roubar as riquezas do lugar. Mas, depois, começaram a dizer que eram donos das terras e partiram para construir um reino.

Foi muita gente para viver no novo reino. Mas tudo o que havia no lugar não dava para sustentar todas as pessoas que lá chegaram. A história do lugar começou a ser escrita de outra forma. Passaram a existir coisas antes inimagináveis, como exploração, trabalho escravo, violência e fome, muita fome.

Um dia, quando muita gente já tinha perdido as esperanças de reviver dias melhores, nasce, em 3 de novembro de 1935, numa região montanhosa do reino, em Bocaiúva, Minas Gerais, um cavaleiro muito valente, chamado Herbert José de Souza. Nosso herói era um cavaleiro muito sutil, calmo, inteligente e tinha um incrível senso de humor. Por isso, era chamado, carinhosamente, de Betinho.

Desde cedo, o corajoso cavaleiro se viu obrigado a lutar pela vida. Quinze dias após o seu nascimento, teve uma hemorragia no umbigo. Aos seis anos, foi internado com hemorragia nos dentes. Durante a infância, por exemplo, não podia brincar livremente ou jogar bola, por causa do perigo de um ferimento. Ele era hemofílico, sendo obrigado a, constantemente, receber transfusões de sangue.

O cavaleiro Betinho sempre lutou por causas mais do que justas. Não media esforços para defender as pessoas necessitadas do reino onde vivia, sempre se dedicando a elas. Junto com outros valentes guerreiros, nos anos 60, criou a Juventude Universitária Católica, travando verdadeiras batalhas em defesa de uma transformação social e contra a mais terrível das bruxas que ele conhecia até o momento: a Injustiça Social.

Mas as lutas não pararam por aí! O cavaleiro ajudou também a criar a Ação Popular, uma organização cristã e contra o reino. Nessa época, ele já conseguia engajar os jovens e os operários do reino nas batalhas e, por causa disso, um conselheiro do rei João Goulart, Paulo deTarso, convidou-o para fazer parte do governo, no Ministério da Educação e Cultura e na Superintendência da Reforma Agrária.

Entretanto, o reino estava ameaçado. Soldados tomaram o poder do rei e Betinho teve que ir para bem longe, senão seria preso pelos guardas, que diziam que ele era um cavaleiro mau. Nesse período, visitou outros reinos: Chile, Panamá, Canadá e México. Mesmo não estando na sua terra natal, nos reinos por onde passou, continuou a lutar contra as bruxas que assombravam as sociedades e a favor das pessoas menos favorecidas.

Quando retornou ao seu reino, em 5 de setembro de 1979, foi recebido pelo povo com muitas honras. Dois músicos do reino, Aldir Blanc e João Bosco, até compuseram uma melodia em sua homenagem, chamada O bêbado e a equilibrista.

A partir daí, sua luta se intensificou, a guerra contra a bruxa Injustiça Social estava cada vez mais forte. Em 1981, fundou o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), a fim de conhecer melhor o reino onde morava. Com as informações que esse grande aliado lhe dava, conheceu uma fada muito bondosa, a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, em 1983, que defendia a distribuição das terras improdutivas dos nobres do reino para os plebeus plantarem e matarem a sua pior inimiga, a bruxa Fome.

Mas outra bruxa perversa ainda perseguiria o cavaleiro. Ela se chamava Aids. A bruxa malvada entrou na vida dele no ano de 1986 e nunca mais saiu. Ele, porém, sempre acreditou que, um dia, ficaria livre dela. Mesmo assim, eles conviviam bem. Ele, inclusive, escreveu um texto muito bonito dedicado a ela: O dia da cura. Além disso, em 1986, por causa dela, fez amizade com uma linda moça chamada Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids).

Nosso herói não se deixou abater. Procurou fazer novos amigos e aliados. Nessa procura, juntaram-se a ele o Movimento Terra e Democracia, em 1990, e o Movimento pela Ética na Política, em 1992, que tirou o reino das mãos do rei Collor. Em 1993, conheceu uma generosa feiticeira, a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida. Esta última amizade rendeu grandes frutos, chegaram a arrecadar 300 mil cestas com alimentos em cinco Natais consecutivos.

A bruxa Aids, porém, faria o nosso herói cambalear… E, no encontro final com ela, já não era tão vistoso, estava pesando 39 quilos. Ela era realmente muito perversa e egoísta! No dia 9 de agosto de 1997, levou Betinho para encontrar-se com o maior de todos os magos, Deus.

Ele se foi, mas a sua missão foi cumprida. Viveu de forma incrivelmente saudável e deixou como herança a comprovação de ser possível todas as pessoas terem o mais fundamental dos seus direitos cumpridos: o de ter um prato de comida!

Lendo e Aprendendo…

Textos de Betinho, ilustrados por Bia Salgueiro,
falam de uma centopéia muito especial.

Criada por Herbert de Souza, o querido e saudoso Betinho, a simpática Centopéia continua divulgando os sonhos e ideais de liberdade, igualdade, solidariedade e respeito às diferenças que alimentaram a vida desse brasileiro inesquecível. A Centopéia, que foi Zeropéia, pensou, sonhou, prossegue sua trajetória de amor e esperança.

Os livros são:
A centopéia que pensava,
A centopéia que sonhava,
A Zeropéia
e Miltopéia – a centopéia solidária.
Todos da Editora Salamandra.

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