Edição 90

Em discussão

O cuidar e a escuta emocional no processo da aprendizagem escolar

Marta Pires Relvas

As emoções, segundo Damásio, são complexos psicofisiológicos que se caracterizam por súbitas rupturas no equilíbrio afetivo de curta duração, com repercussões consecutivas sobre a integridade da consciência e sobre a atividade funcional de vários órgãos. Diferentemente, os sentimentos são estados afetivos mais estáveis e duráveis, provavelmente provindos de emoções correlatas que lhe são cronologicamente anteriores.

Conjugando ideias de Piaget e Vygotsky, Damásio afirma que as emoções e a razão não são elementos completamente dissociados, como propôs Descartes. Até hoje, o senso comum é de que a razão é o contrário da emoção. Entretanto, Damásio mostra, em seus trabalhos, que pessoas que possuem alguma deficiência na região do cérebro responsável pelas emoções apresentam dificuldades de aprendizado.

Nesse sentido, as emoções são fundamentais no processo de aprendizagem, pois geram sentimentos e atos racionais que são utilizados para aprender. Assim, as emoções são as iniciadoras do processo.

Por longo tempo, o componente emocional tem sido descuidado na educação institucionalizada. As contribuições científicas recentes auxiliam a resolução dessa deficiência, uma vez que revelam e comprovam a dimensão emocional do aprendizado.

As crianças e os educadores estão sempre envolvidos em emoções. Uma aula bem-humorada promove bem-estar físico, psicológico, afetivo, seguro, liberando neurotransmissores favoráveis à aprendizagem. As emoções básicas, como prazer, tristeza, raiva, medo, amor e alegria, têm uma enorme escala de variação, por exemplo: o prazer pode variar da satisfação ao êxtase; a tristeza, do desapontamento ao desespero; o medo, da timidez ao temor; a raiva, do descontentamento ao ódio. Elas podem ser percebidas em sala de aula, basta um olhar!

A ida de uma criança à escola, no geral, une alegria e ansiedade, seja para ela ou mesmo para seus pais. As reações infantis são variadas, frequentemente apresentando um ataque agudo de ansiedade, um estado emocional que provém do medo, pois, quando forçada a enfrentar uma determinada situação, a criança se sente ameaçada, provocando o medo irracional e incontrolável. Tal quadro pode levar a reações imprevisíveis de fuga, agressão ou autoagressão, dando início a um comportamento fóbico, que pode desencadear um estado de fobia, considerado um sinal de alerta para o aparelho psíquico.

A fobia escolar não está ligada à classe social ou ao coeficiente intelectual, mas pode estar associada à angústia de uma separação da criança ou do pré-adolescente dos seus pais, principalmente da mãe. Há um sentimento de desamparo que não permite à criança raciocinar sobre os fatos, sendo esse o momento que a ansiedade é desencadeada.

A fobia pode desencadear distúrbios psicossomáticos, tais como cefaleia, diarreia e dores de barriga. No caso do medo, os sintomas são transitórios, logo que o indivíduo se acostuma, desaparece. Assim, a fobia exige um olhar e um tratamento mais específico e elaborado.

Atitudes negativas de determinadas pessoas podem agravar a situação, como forçar a criança a ficar no espaço sem dialogar, ridicularizar os sentimentos, usar chantagens e subornos, ignorar o medo para ver se a criança o esquece.

A criança que sofre de Transtorno Fóbico Escolar é tensa, ansiosa e apreensiva, apresenta frequentemente o sentimento de tristeza, depressão, irritabilidade por não conseguir ver solução para a ansiedade que sente. No geral, o sono e as funções executivas — a atenção e a memória — são prejudicados.

O corpo apresenta sintomas somáticos devido à excitação do sistema nervoso autônomo, como sudorese, boca seca, pulso rápido, respiração superficial, dor de cabeça, enjoos, podendo também apresentar inquietudes e comportamentos motores sem sentido.

A criança apresenta um medo exagerado de um objeto ou situação específica, muitas vezes desproporcional ao perigo real. As fobias podem ser classificadas com base no objeto do medo, como, por exemplo, cobras e lugares fechados. No caso da escola, considera-se como fobia social escolar, ou seja, é o medo de ser negativamente avaliado pelos outros. Isso inclui o medo de falar em público, de errar os exercícios ao ser chamado no quadro, de ter que ler em voz alta ou até mesmo da presença do professor ou da professora que não estabelecem uma relação de confiança e flexibilidade emocional no processo da aprendizagem cognitiva dos conteúdos curriculares.

Segundo Pince (2002), a aprendizagem emocional é uma parte integral da aparente aprendizagem cognitiva, acontecendo em um contexto dinâmico, relacional e emocional inconsciente.

Processos cognitivos e emocionais quase sempre dirigem o crescimento, com sucesso, das capacidades cognitivas. A emoção vai dando forma à cognição e à aprendizagem. As crises emocionais, naturais ao desenvolvimento ou específicas da criança, vão influenciar, de forma crônica, a evolução dessa mesma aprendizagem.

A eficácia emocional da criança se relaciona com a percepção da própria capacidade de lidar, monitorar, manejar e mudar sentimentos adversos que inibem a persistência da busca de um objetivo. Ela pode experimentar sentimentos e pedir ajuda, o que a torna um aprendiz mais eficiente.

O papel da escola e do educador é promover eventos que colaborem com a sociabilidade, resgatar o prazer de aprender, propondo desafios, possibilitando a oportunidade de aprender por meio da educação cooperativa, colaborativa e menos excludente. Deve-se propor auxiliar a negociação de conflitos, ensinar a assumir responsabilidades por suas ações e seu comportamento. Ao arcar com essas tarefas, a criança passa a não imputar culpa aos outros. Assim, melhora sua organização intrínseca do self para a condição real de seu desenvolvimento.

Segundo Pince (2002), a aprendizagem emocional é uma parte integral da aparente aprendizagem cognitiva, acontecendo em um contexto dinâmico, relacional e emocional inconsciente

Para despertar essas condições, é necessário que o educador entenda a neurobiologia do gatilho emocional que acontece no cérebro da criança, como e quando ele é disparado e por que muitas vezes, em determinadas situações, a criança perde o controle emocional. O fundamental é compreender que essas reações são saudáveis, por ser um sinal de que seu corpo reage aos estímulos.

A fobia acontece num processo químico nos circuitos cerebrais. Sendo assim, ocorre nas trocas neuroquímicas entre as células neuronais, numa estrutura que nos protege involuntariamente do perigo: a amígdala cerebral. Desde que seja direto e real, é perfeitamente normal se proteger.

Ao sentir-se ameaçada, a criança acelera o metabolismo, antecipando a necessidade iminente de “fugir ou se defender”. O corpo lança uma corrente de hormônios vasoconstritores e aceleradores de frequência cardíaca, entre os quais estão a epinefrina, a norepinefrina e o esteroide cortisol. É uma reação neuroendócrina, puramente fisiológica, que perpassa pelo sistema mental superior para ser interpretado e avaliado no contexto
de perigo.

Quando esses hormônios são lançados no corpo, o coração começa a bater mais rápido e mais forte, a pele fica fria e arrepiada, os olhos se dilatam para enxergar melhor, e as áreas do cérebro envolvidas na tomada de decisões recebem a informação de que é hora de agir. É nesse momento que entram em ação as amígdalas cerebrais — estruturas responsáveis pelo processamento das emoções primitivas: medo, ódio, amor, raiva —, que são vizinhas do cérebro límbico-primitivo e tem também como função arquivar as memórias emocionais.

O cérebro emocional é mais rápido que o pensante, segundo o neurocientista Joseph E. LeDoux em seu livro O cérebro emocional, sendo necessários apenas 12 milissegundos para que as informações emocionais possam ser enviadas para o tálamo, onde são processadas e conduzidas para as amígdalas cerebrais. Ele chama esse cérebro emocional de “estrada secundária”, enquanto a “estrada principal”, ou o cérebro pensante, leva de 30 a 40 milissegundos para processar um acontecimento qualquer. As crianças têm medos que não entendem ou não conseguem controlar, porque suas emoções são processadas pelas estradas secundárias e, somente segundos depois, o cérebro pensante entende o que aconteceu.

Educar a emoção é promover a habilidade relacionada com o motivar a si mesmo e persistir mediante frustrações, controlar impulsos, canalizando emoções para situações apropriadas.

A escola é um dos espaços para se despertar essas relações, sendo necessário que se inclua no currículo escolar estudos sobre as habilidades sociais e emocionais na aprendizagem cognitiva de conteúdos escolares com mais sentindo e significado para a vida. Além disso, a escola deve praticar gratificações prorrogadas, incentivar e estimular a criança, ajudando-a a liberar seu melhor talento e conseguir seu engajamento aos objetivos de interesses comuns.

O desenvolvimento da Educação Emocional e Social para minimizar os transtornos das fobias escolares se faz necessário. Quem lida com a criança em fase escolar precisa conhecer as ideias relativas à educação dos hemisférios cerebrais, bem como as estruturas funcionais do sistema de recompensa emocional, a fim de entender de que maneira acontecem as emoções e como são interpretadas em processos psíquicos extremamente subjetivos, associados ao desenvolvimento da prática da escuta emocional da criança no espaço escolar.

Alguns relatos de crianças que apresentaram problemas de fobia escolar, após vivenciarem situações destrutivas na escola, ajudam a elucidar o assunto:

“Se os professores e os pais tivessem ideia de como é assustador para nós ouvirmos críticas destrutivas, carregadas de raiva, às vezes aos gritos, das pessoas que amamos, talvez fossem mais cuidadosos em suas broncas. Os adultos exageram e nos magoam profundamente”, J. V., 11 anos.

“Gente grande esquece que também é difícil ser criança”, P. M., 9 anos.

“Um dia eu estava em sala de aula quando tive uma dúvida do que fazer com a folha do exercício de Matemática. Não sabia se era para colar no caderno. Perguntei para a professora, mas ela não me respondeu, então, perguntei aos meus colegas, e eles também não sabiam. Alguns dias depois, perdi minha folha do exercício e levei uma bronca da professora. Fiquei muito triste e calado na sala de aula”, V., 8 anos.

“Hoje a professora gritou tanto que eu me despedacei”, G., 7 anos (que apresentava frequentes episódios de cefaleia e dores abdominais indo para escola).

Considerando que não há fórmulas mágicas para se obter uma aprendizagem eficiente, o importante é conhecer a realidade da criança, despertar o interesse e reconhecer sua emoção; estabelecer vínculos afetivos e de confiança, com o objetivo de se evitar que o medo se transforme em uma fobia diante do processo de aprendizagem escolar.

Visando uma perspectiva educacional inovadora, deve-se considerar que o educador estimule os sonhos da criança e, a partir desses, faça metas e objetivos para serem realizados e superados.

O educador pode minimizar os riscos da fobia escolar no momento da elaboração do seu planejamento e de suas práticas pedagógicas, utilizando-se de recursos e metodologias agradáveis para serem aplicados no processo da aprendizagem, como, por exemplo, estimular a observação do ambiente externo; explorar a contação de histórias, a dramatização, o uso dos jogos de palavras; tocar ou escutar algum instrumento musical; permitir o lúdico usando o corpo como ferramenta da aprendizagem cognitiva; usar a criatividade.

É fundamental estabelecer o vínculo de confiança e afetividade na relação da aprendizagem escolar e compreender que os “atrasados” não existem no processo educacional; cada criança é única dentro dos aspectos cognitivos, emocionais, afetivos e sociais.

Para que a criança goste da escola e transforme as informações em conhecimentos para a vida, o educador precisa estar atento quanto ao domínio da linguagem, enfatizando textos, poemas e a oralidade e sistematizando o conhecimento linguístico formal e não formal com a criança; à capacidade visual, promovendo a criação com ou sem estímulos visuais, explorando formas, cores, construção de jogos usando o corpo como ferramenta de estímulos; à competência auditiva, propondo atividades de criação de sons, intensidade e ritmo e promovendo atividades corporais usando a dança e a música, permitindo uma coreografia usando fitas, bandeiras e balões para serem habilmente manejados no ar.

A escola não pode ser um ambiente autoritário, deve ser renovadora, flexível e com possibilidades para questionamentos. É preciso possibilitar a escuta dos sentimentos e de outros estados mentais de si mesmo e do outro; reconhecer que a aula não precisa ser realizada somente dentro da sala convencional, permitindo um passeio ao ar livre para observar os pássaros, as árvores, a construção do espaço físico da escola, promovendo os conhecimentos alicerçados na Ciência; além de permitir que a criança pense e provoque a reflexão: “A melhor escola não é aquela que transmite conteúdos densos e de repetição, mas aquela que provoca e promove o pensar sobre o pensar e que permite questionamentos e dúvidas”.

Quanto mais atividades prazerosas nas práticas pedagógicas forem realizadas no cotidiano escolar, menos fobias escolares e mais o cérebro das crianças agradece!

Marta Pires Relvas é bióloga, neurobióloga, psicopedagoga e psicanalista. Autora dos livros: Sob o comando do cérebro – entenda como a neurociência está no seu dia a dia; Fundamentos biológicos da educação; Neurociência e os transtornos da aprendizagem; e Neurociência e educação – gêneros e potencialidades na sala de aula, publicados pela Wak Editora.

 

Referências

BRANDÃO, Marcus B. Neurobiologia dos transtornos mentais. São Paulo/Rio de Janeiro: Atheneu, 2014.

DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

GAZZANIGA, Michael S. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

KANDEL, E. Principles of neural science. 5. ed. – October 26, 2012. Mas Graw Hill.

LEDOUX, J. O cérebro emocional. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

PRINCE, H. The emotional context os classroom learning: a psychoanalytic perspective. European Journal of Psychotherapy Couselling and Health, 2002.

RELVAS, Marta. P. Neurociência e os transtornos da aprendizagem. 5. ed. Rio de Janeiro: WAK, 2011

_________Neurociência e educação: gêneros e potencialidades na sala de aula. 2. ed. Rio de Janeiro: WAK, 2010.

ROTTA, Newra Tellecha et al. Transtornos da aprendizagem. Porto Alegre. Artmed, 2006.

VYGOSTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Pena, 1991.

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