Edição 61

Lá Vem a História

O mestre de voo

Annamaria Gatti

Existia certa vez — e existe ainda — uma gaivota que se chamava Germano. Era um tipo especial: um mestre gaivota e, por isso, era muito respeitado no seu grupo.

Certo dia, ele estava com mais um grupo de alunos para as primeiras noções de voo sobre o mar aberto.

Era o primeiro dia de aula. Tratava-se de uma ocasião muito especial por dois motivos: primeiro, porque Germano estava festejando o seu 10º ano como mestre de voo para gaivotas; e, segundo, porque o céu estava escurecendo e elas, certamente, teriam que enfrentar uma verdadeira tempestade.

Isso faria com que as gaivotinhas tivessem que aprender a enfrentar dificuldades. Quando estavam todas em fila, Germano olhou para elas: estavam todas ansiosas para começar as lições de voo. Algumas estavam assustadas e procuravam esconder o próprio medo. Voar — e voar bem — não era fácil, embora elas pudessem contar com seu instinto de gaivotas.

O vento ainda estava fraco, mas, olhando as nuvens escuras que se aproximavam ameaçadoras, Germano avisou: “Esta primeira lição não será fácil. Vocês deverão ter coragem e sabedoria para enfrentar a primeira tempestade de sua vida!”.

Na primeira fila, tinha um tipo metido a valentão que disse: “Eu estou preparado. Não tenho nenhum pingo de medo!”.

“Fico feliz em saber que você é corajoso, mas vamos ver se você vai saber também usar essa coragem com inteligência!”, disse o mestre.

A gaivotinha, que ficou logo conhecida como Valente, abriu as asas e balançou a cabeça com ar de descaso, o que, na linguagem das gaivotas, queria dizer: “Ele pensa que eu não sei me virar”.

Todas olharam imóveis para Germano, esperando a reação dele. Pensavam: “O que o grande mestre vai fazer com aquele valentão?”.

Mas Germano sabia que, com o tempo, ele aprenderia a lição.

Naquele momento, aproximou-se do grupo uma outra gaivotinha, que caminhava com dificuldade porque só tinha uma perna. Valente a recebeu com um sorriso de desprezo: “O que é que uma perneta faz na escola de voo?”.

A esse ponto, o mestre interferiu: “Estamos todos na escola para aprender. E a primeira lição é justamente aceitar todos, cada um com as próprias diferenças!”.

À gaivotinha que tinha chegado por último, dirigindo-se ao grupo, disse com simpatia: “Lembre-se, pequena gaivota, chegue sempre pontualmente nos seus compromissos com a vida, e a própria vida lhe premiará e lhe ensinará os segredos dela!”.

As gaivotinhas esconderam a cabeça debaixo da asa esquerda, para demonstrar que compreenderam o que o mestre lhes disse.

Àquele ponto, o mar começava a se mostrar ameaçador e as ondas se lançavam na praia com muita força. Em pouco tempo, também as nuvens fariam a sua parte, liberando o temporal. Algumas gaivotas adultas voavam baixo, lançando mensagens de advertência; as pequenas gaivotas estavam um pouco assustadas.

Então o mestre gaivota lhes disse: “Segunda lição: como encontrar refúgio antes que a tempestade caia. Olhem para mim e façam o mesmo!”.

Todas foram com ele, mas não era fácil voar contra o vento. Germano percebeu que a gaivotinha sem uma perna estava tendo dificuldades para continuar, enquanto o pequeno grupo se distanciava lutando contra o vento. Germano aproximou-se dela; porém, não fez nada porque sabia que era importante que elas se preparassem para as tempestades mais fortes que viriam depois. Deu alguns conselhos ao grupo e depois voou em direção à pequena gaivota sem uma perna; mas, antes de se posicionar ao lado dela, notou que a gaivotinha já tinha desenvolvido uma estratégia própria para continuar voando. O mestre colocou-se, então, à sua frente, seguindo com muita atenção os movimentos desajeitados de sua aluna; ia corrigindo a rota de voo contra o vento e lhe impulsionava a resistir e a controlar o medo.

“Não tenha medo, fique atrás de mim, que sou maior do que você, e me siga, abra as asas o mais que puder… e siga, confiante, a minha rota.”

Germano deu uma olhada em todo o grupo, que seguia com atenção as suas dicas. Só Valente voava um pouco fora do grupo, exibindo-se com algumas operações desajeitadas, e atrapalhava, muitas vezes, as outras. Aquilo fazia Germano lembrar-se de quando ele era uma pequena gaivota, quando acreditava que sabia fazer tudo sem a ajuda de ninguém: quanto tempo já tinha passado e quanto ele teve que aprender antes de se tornar um mestre de voo!

Aproximou-se de Valente e lhe provocou: “Vai, coragem! Você deve ser o patrão do vento, não deixe que ele lhe conduza aonde ele quer! É você o patrão do voo… Mas atenção: só voando ao lado das outras companheiras é que você pode conquistar a amizade delas e ser feliz. Lembre-se disso!”.

Valente, então, deu uma olhada para trás e viu a gaivotinha sem uma perna feliz, voando ao lado das outras. Voou na direção dela e, a partir daquele momento, permaneceu sempre ao seu lado. Depois, a pedido do mestre, todas voaram para debaixo da ponte, a fim de se protegerem da tempestade que começava a cair.

Embaixo da ponte, todo o grupo aproximou-se da gaivotinha sem perna e deu um forte aplauso para ela. Valente estava bem perto dela e parecia a mais entusiasmada de todas. Aproximando-se da homenageada, levantou a cabeça e lhe disse: “Você é hábil e corajosa. Desculpe-me por tudo!”.

Germano olhou em direção ao mar aberto. A tempestade já estava muito forte, mas as gaivotas aprendizes estavam protegidas. Olhando-as, ele se comoveu de alegria: sentia-se, mais do que nunca, não só mestre de voo em situações especiais, mas também mestre de vida.

 

Revista Cidade Nova. Ano XLIX, n. 1 e 2.
São Paulo: Cidade Nova. Janeiro–fevereiro, 2007.

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