Edição 117

Matéria Âncora

O que não pode faltar na minha escola

Rosangela Nieto de Albuquerque

O que não pode faltar na minha escola? Paredes, quadro, cadeiras, mesas, professores, estudantes, gestores? Esse formato de escola já está obsoleto. O que não pode faltar na escola é felicidade…
É inegável que as mudanças que vivemos atualmente exigem adaptações a novas situações, a escola tem que se reinventar… Mudança de paradigma, novos caminhos, novas possibilidades são desafios que fazem os educadores pensarem a educação no contexto das relações, do comportamento, dos novos sujeitos que queremos formar, que vivenciam suas emoções com saúde mental. São necessárias adaptações ao novo paradigma. Procura-se felicidade…

Uma escola, certamente, não pode negligenciar os tópicos fundamentais da base educativa, portanto um projeto pedagógico consolidado deve dar ênfase na educação ambiental, pautar-se na orientação de educação alimentar, implementar projetos em língua estrangeira, vivenciar aulas de campo, promover atividades físicas, oportunizar horário integral, implementar investimento em artes e cultura, estabelecer a tecnologia em sala e na comunicação com os pais e, certamente, fomentar o círculo de relacionamento; mas há que se cuidar da saúde física e mental, promover um espaço de ser feliz. Na minha escola, não pode faltar…

Na escola, trabalhar o círculo de relacionamento é fundamental num tempo histórico e social em que os aparelhos eletrônicos (celular, tablet, computador) estão cada vez mais presentes na vida de todos.Desenvolver possibilidades de se relacionar, de estar com o outro, de brincar, de contar histórias, de sorrir com os amigos são fundamentais… Ter um espaço de felicidade onde se criam personagens, contam-se histórias, charadas, brincadeiras, risos e soluços de alegria, tudo isso é extasiante. Sim, na minha escola não pode faltar… o espaço de ser feliz…

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Conforme os estudos da Psicologia Positiva, a ciência da felicidade pode ser ensinada, praticada, vivenciada, e, na escola, certamente, o sentimento pode ser aprendido através das ações, da empatia, da lealdade, da ludicidade, do envolvimento, do respeito, do compromisso de cuidar de si e do outro. Certamente não podemos deixar de enfatizar também as forças de caráter e o trabalho que pode ser realizado com a potencialização dos recursos individuais, promovendo, assim, o bem-estar.

Se observarmos bem, as crianças, ao brincar, no processo de ludicidade, ao interagir com outras crianças, sentem alegria, são mais criativas, desenvolvem a solidariedade, a generosidade, o pensamento e a linguagem.

Os cientistas Martin Seligman e Cristopher Peterson, considerados “pais” da Psicologia Positiva, realizaram uma pesquisa durante três anos e descobriram que, em cada sujeito, há um capital psicológico, isto é, há um conjunto de qualidades humanas, como perseverança, coragem, otimismo e gratidão, que auxilia na prevenção da saúde mental.

Há séculos, os estudiosos buscam “respostas” para o estado de bem-estar e para a felicidade; os pensadores gregos acreditavam que “Uma vida feliz é uma vida virtuosa”; já Nietzsche enfatiza: “Não procure por felicidades, graças, bem-aventuranças distantes e desconhecidas, mas por aquilo que você gostaria de viver de novo e por toda a eternidade”.

E o que faz uma vida ser boa, o que é felicidade? Certamente, os estudos contemporâneos em Psicologia Positiva enfatizam a questão das potencialidades de cada sujeito, as forças pessoais, o bem-estar e as virtudes, entretanto não se fundamentam em extinguir o sofrimento. Não se trata do poder de pensamento positivo ou de autoajuda. Atualmente, os estudos científicos da ciência da saúde já identificam, através da neuroimagem e de marcadores biológicos, o estado de felicidade do sujeito.

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Há diversos conceitos e definições de felicidade, entretanto a ideia mais referenciada é a de que a vida só pode ser considerada boa mesmo quando torcemos para elanão acabar nem passar rápido. Observamos esse comportamento nas crianças quando brincam com sorrisos de vida; quando revelam a vontade de que os dias, os meses e os anos sejam prolongados; quando imaginam, criam personagens, cantam… Podemos definir felicidade como o momento que você quer que dure um pouco mais. A escola proporciona esse momento de vivência… momento de felicidade. É claro que cada pessoa sente felicidade a seu próprio modo, mas a verdadeira felicidade é simples, episódica, e não perene.

A felicidade está relacionada ao bem-estar, que é alcançado ao praticar os cinco elementos que se sustentam na vivência das virtudes e forças de caráter de cada um:

• Significado – que se ancora no pertencer, um objetivo maior, a servir a algo, a uma crença, aquilo que transcende, um senso de propósito.

• Emoções positivas – que se pauta no cultivo de emoções; a confiança; o contentamento; a serenidade, que conduz à disposição mental, criativa, tolerante e expansiva.

• Engajamento – que está relacionado ao conceito de flow, uma imersão profunda em atividades com as próprias forças; portanto, a concentração e o foco intensos.

• Relacionamentos – investir na rede social de apoio, composta por parentes, colegas e amigos, com relações positivas, confiáveis e seguras.

• Realização – habilidade e autodisciplina para alcançar metas, a busca pelo sucesso, competência, domínio, maior autoconfiança e orgulho.

Os estudos da Psicologia Positiva enfatizam que é importante se trabalhar o que cada um já tem em excelência; para isso, a escola precisa colocá-las em prática para melhores resultados. É necessário praticar e oportunizar com constância e utilizar as forças e potencialidades para que o bem-estar floresça.

O estudioso Shawn Achor (2012, p. 43) — que publicou o best-seller O jeito Harvard de ser feliz, em 2012, pautado na Psicologia Positiva — quebra alguns paradigmas a respeito da felicidade, em que a felicidade é algo a posteriori, isto é, só serei feliz depois de obter um certo bem ou depois de algum tipo de conquista/acontecimento.

Acreditava-se que o sucesso era o ponto fixo do universo do trabalho, com a felicidade gravitando em torno dele. Agora, graças às descobertas revolucionárias do campo emergente da Psicologia Positiva, estamos aprendendo que o que acontece na verdade é o contrário. Quando estamos felizes — quando a nossa atitude e estado de espírito são positivos —, somos mais inteligentes, mais motivados e, em consequência, temos mais sucesso. A felicidade é o centro, e o sucesso é que gira em torno dela.

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Assim, na escola, de forma lúdica, com jogos, música, dança, teatro, representações, palestras e oficinas, é possível oportunizar bem-estar. É verdade que há um consenso entre filósofos, psicólogos e pesquisadores acerca de que não existe uma receita, um roteiro ou uma fórmula para a conquista de uma vida feliz. Trata-se de aprender a viver… A felicidade é simples, é uma sensação de bem-estar, de satisfação, e a escola pode proporcionar e desenvolver esse estado com as crianças. O filósofo grego Epicuro ensinava que só há um caminho para a felicidade: não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade. Para Aristóteles, “Felicidade é o maior desejo dos seres humanos. É um estilo de vida. É o cultivo das boas virtudes”.

A escola pode exercitar o cultivo de boas virtudes, romper com o modelo de ensino que não desperta o prazer em aprender. Pode-se personalizar o ensino e a aprendizagem que transforma a escola em um espaço de “ser feliz”. Talvez seja isto que falte na escola.

“Personalizar o ensinprofessor_alunos_felizes_shutterstock_388641394_Monkey_Business_Imageso significa que as atividades a serem desenvolvidas devem considerar o que o aluno está aprendendo, suas necessidades, suas dificuldades e sua evolução — ou seja, significa centrar o ensino no aprendiz” (BACICH; NETO; TREVISANI, 2015, p. 69). É necessário entender que o principal espaço de personalização do ensino é a sala de aula.

A escola é o espaço de ser feliz, de bem-estar, de alegria… E o que é alegria? É o sentimento que nos deixa contentes, energizados, animados, autoconfiantes, em gratidão… é algo que surge de gestos positivos. É significativo que cada estudante esteja alegre e feliz. Para Ben-Shahar, as coisas boas não são permanentes e estarão sempre em nossa vivência, temos que ser realistas. Não se deseja um espaço de felicidade e alegria sem significado, há também os momentos de insatisfação, e é importante vivenciar as frustrações. A escola, através da ludicidade, trabalha as frustrações na criança; o aprender a ganhar e perder é a vivência da realidade. As atividades físicas são condutoras de bem-estar, pois há liberação de hormônios que proporcionam bem-estar, além de desenvolver a psicomotricidade. Simplificar o modo de viver, organizar as tarefas e reservar horas para o lazer promovem bem-estar. É importante respeitar a natureza humana e os seus limites, aceitar as emoções negativas e decepções que fazem parte do viver. Extrair das dificuldades “motivo” para desenvolvimento; portanto, ser resiliente, desenvolver a percepção do fracasso como mola propulsora para oportunidades. O que não falta na minha escola… é felicidade.

Considerações Finais

É evidente que o novo paradigma mundial nos convida a pensar em nossas ações, nos relacionamentos, nas emoções, em nossos valores, no viver. Estamos numa era histórica e social em que buscamos melhor qualidade de vida, dias melhores, a paz tão almejada, a alegria e a felicidade. A ciência investe em pesquisas para procurar entender esse novo comportamento humano que emerge numa busca pela felicidade. E os estudos já comprovam que a escola pode e deve trabalhar este estado de emoção. Sim, é um desafio, pois, com comportamentos ainda tão primitivos de preconceito, com a desigualdade, discriminação e os vários tipos de exclusão, ainda temos, nesse processo, muitos entraves que geram medo, desconfiança e insegurança. Certamente, um novo panorama mundial, econômico, político, social e comportamental nos remete cada vez mais a repensar a educação e a enfatizar a importância da saúde mental. O estado emocional da população está fragilizado e requer uma reflexão acerca do papel da escola. A escola deve deixar de focar no conteúdo e trilhar caminhos para a dimensão afetiva, emocional, onde se busca o estado de felicidade, de bem-estar. O que falta na escola contemporânea é a escola das emoções — a felicidade. Assim, estaremos construindo uma sociedade mais equânime, empática, com saúde mental e mais humana.

Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia. E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

ACHOR, S. O jeito Harvard de ser feliz. São Paulo: Saraiva, 2012.

HUTZ, C. S. Avaliação em Psicologia Positiva. Porto Alegre: Artmed, 2014.

KAMEI, H. Flow e Psicologia Positiva: estado de fluxo, motivação e alto desempenho. Goiânia: IBC, 2018.

PETERSON, C. & SELIGMAN, M. E. P. Character strengths and virtuesa: a handbook and classification. New York: Oxford University Press and Washington, DC: American Psychological Association. 2004.

PUREZA, J. R.; KUHN, C. H. C.; CASTRO, E. K. & LISBOA, C. S. M. Psicologia Positiva no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. 2012, 8 (2). p. 109–117.

Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia.

E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

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