Edição 41

Matérias Especiais

O Som do Amor

Paulo Alexandre dos Santos

Foi o som do amor que ecoou em salas de estar quando pais brincavam com seus filhos ou quando mães faziam cócegas em suas filhinhas. Foi o som do amor que ecoou nos clássicos de literatura quando pais liam histórias de fantasia para seus filhos antes deles dormirem. Infelizmente, esse som se tornou uma melodia perdida, um refrão esquecido, uma canção vazia, e tudo o que temos no lugar, hoje, é um barulho horrível e o escuro.

O conhecimento humano não só existe em bibliotecas e impresso em páginas com tinta. Quem escreveu os livros não sabe de tudo; também deve ser incluído nos volumes de conhecimento o que é escrito no coração do ser humano, registrado na alma e gravado na psiquê.

Mas, por falar em livros, quantas crianças você conhece que gostam de leitura?

Hoje, as crianças mal conhecem as aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, imortalizadas nas páginas do livro de fantasias. Esse tipo de livro, há anos deixou sua marca na imaginação de milhões de crianças ao redor do mundo. Entretanto, há crianças, hoje, que não fazem noção de quem é Peter Pan!

Somente uma vez tive o prazer de presenciar uma educadora que incentivava seus alunos a lerem. A falta da “história da hora de dormir” todas as noites tem desestimulado as crianças a amarem a leitura, como será provado neste texto.

Essa dificuldade das crianças com a leitura é fruto da falta de estímulo dos pais e também é a grande culpada da ingente taxa de reprovação infantil. Esses mesmos pais — que não aparecem nas escolas para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos —, depois de uma reprovação, querem tomar satisfações com os professores, como se eles tivessem toda a culpa. É apenas uma transferência infundada de responsabilidade. A culpa real, na maioria das vezes, é dos próprios pais.

É, amigos, aprendi tanto nesta vida relativamente curta que ainda não posso acreditar que tenho apenas 25 anos. Muitos podem me perguntar com que categoria posso falar de “como ser um bom pai” e como educar uma criança, se sou demasiadamente jovem e, ainda mais, solteiro. Desculpem se minha pretensão é grande, mas eu amo aprender — não só lendo, mas também observando muitos casos da vida cotidiana — e sinto-me preparado para abordar tal tema.

Pelas graças de Deus, sou afortunado de já ter alcançado muitas de minhas aspirações artísticas e profissionais, que foram percebidas muito cedo em minha vida. Tudo o que faço, faço com amor, e agora estou fazendo algo que amo: escrever. E escrever sobre um tema que me incomoda bastante: a falta de amor.

Neste trabalho, não venho apenas como um professor em início de carreira, e sim como um ícone de uma geração que já não sabe o que é ser criança.

Todos nós somos produto de nossa infância.

Mas eu sou o produto da falta de uma verdadeira infância, uma ausência daquela fase preciosa e maravilhosa quando brincávamos em parques sem nenhuma preocupação com o mundo, nos aquecendo no amor e nos mimos da família, quando o mais importante era estudar para as provas escolares, aprender e garantir nosso futuro.

Foi durante os intervalos das aulas do Ensino Médio que fui descobrindo minha verdadeira vocação. Por assistir aulas nos dois horários (eu praticamente passava o dia todo no colégio onde estudava), pude ver a magia da infância de outras pessoas. O contato com os alunos do Ensino Fundamental despertou em mim uma vocação que estava adormecida. Foi nesse período de final de “científico” que descobri que queria ser professor.

Amei descobrir o segredo da vida dessas crianças, imaginar como era o cotidiano delas, as brigas entre irmãos, a hora de rezar, a hora de ver televisão em família, as crianças jogando Monopólio, vovós que lêem a Bíblia todos os dias e os pais que chegam do trabalho cansados. E ficava maravilhado com todas essas cenas comuns, protagonizadas por atores da vida cotidiana.

Muitos, eu sei, discutiriam que essas coisas parecem demasiadamente banais. Mas, para mim, elas eram maravilhosas. Um prato cheio para um escritor que levou uma vida totalmente diferente dessas.

Quando era adolescente, pensava que era um em um milhão, sem igual, sentindo que eu havia perdido totalmente a minha infância. Com o tempo, descobri que não existia apenas um punhado com quem eu poderia compartilhar esses sentimentos.

Não falo isso querendo ganhar sua simpatia nem impressionar, mas lhe expor meu primeiro ponto importante: não são só artistas mirins que sofreram de uma infância não existente.

A infância é muito massacrada na nossa convivência moderna. Em volta de nós, estamos produzindo crianças que não tiveram alegria, que não tiveram direitos, a quem não foi dada a liberdade de saber o que é ser uma criança. Hoje, as crianças são constantemente encorajadas a crescerem mais rápido, como se esse período conhecido como infância fosse uma fase penosa, difícil de ser suportada.

A nossa geração, infelizmente, está testemunhando a ab-rogação da convenção de pais e filhos. Como os pais podem dizer que são “pais excelentes” somente porque enchem os filhos de presentes e luxo? Agora, falo também como pedagogo e psicopedagogo. Depois do que presenciei em pesquisas, visitas a instituições de ensino e entrevistas com professores e alunos, estou certo de que essa total falta de amor desses pais irresponsáveis pode deixar marcas mais profundas que qualquer cicatriz física. É triste admitir, mas é a mais pura verdade.

Por esses motivos, entre outros, psicólogos estão publicando bibliotecas de livros que detalham os efeitos destrutivos de negar às crianças o direito de ter uma infância e o quanto pode ser prejudicial a falta de amor incondicional, que é tão necessário ao desenvolvimento saudável das mentes e do caráter das crianças. Infelizmente, no nosso caso, o povo brasileiro não adquiriu muito o hábito da leitura.

Esse atropelamento na infância criou uma geração nova, que tem tudo no lado material — riqueza, sucesso, roupa de grife, celulares, carros do ano, abadás para todos os shows que surgirem —, mas um vazio doloso na alma. O dinheiro não compra felicidade!

Vemos muito, hoje, jovens de classes média e alta em gangues, distribuindo violência gratuitamente, matando pelo simples prazer de matar!

E, ao resto da sociedade, principalmente aos menos afortunados financeiramente — e geralmente as vítimas de tanta violência —, resta aquele vazio na alma causado pelas atrocidades vistas diariamente na televisão e até mesmo no cotidiano.

Será que, realmente, essa realidade poderia ser diferente?

E não são somente os adultos que estão sofrendo, mas seus filhos também.

Então a regra geral é: Ame! O amor é o legado mais precioso do ser humano, seu legado mais rico, sua herança mais importante. E é um tesouro que é passado de uma geração para outra e que pode consertar toda essa desordem, garantindo a esperança para o futuro dos que ainda engatinham.

Um exemplo muito simples: em casas de favelados, pode não haver eletricidade, pode haver aperto e faltado devido aquecimento no inverno. Mas, nessas casas, muitas vezes, eles não vivem na escuridão, tampouco sentem frio. Usando novamente a metáfora romântica, eles foram iluminados pelo brilho do amor e foram aquecidos pelo calor do coração humano. Em resumo: são uma família, na concepção da palavra.

Ao contrário do que se pensa, os pais, deslumbrados pela luxúria e pelo luxo, deveriam outorgar a primazia de suas crianças em suas vidas, porém, na maioria das vezes, eles é quem sentem frio e vivem na escuridão.

Foi deixado de lado que as crianças têm certos direitos inalienáveis, e a erosão gradual desses direitos tem negado as alegrias e a segurança de uma verdadeira infância a muitas crianças.

Eu gostaria, então, de propor que todos nós instalássemos em todas as casas e escolas Os Direitos Universais das Crianças, que são:

– O direito a ser amado, sem ter que merecê-lo.
– O direito a ser protegido, sem ter que dar algo em troca.
– O direito de sentir-se valioso, até mesmo se você não tem riquezas materiais.
– O direito a ser escutado, e tudo o que for dito ser importante para alguém.
– O direito de ouvir uma “história da hora de dormir”, sem ter que competir com os noticiários da
noite ou com as novelas.
– O direito a ter uma educação, e isto é uma obrigação que está na lei.
– E o mais importante do mundo: o direito a ser aceito como cidadão (incluindo pessoas com deficiências físicas ou mentais). É muito fácil aceitar o que é tido como “normal”.

Defendo esses direitos como os mais importantes do mundo. Sem esses direitos, não existiria lei, estadual ou municipal, que tivesse maiores efeitos na vida de uma pessoa. Ainda mais se levarmos em conta que muitas leis não são respeitadas.

Consideramos que todo o conhecimento humano, o começo da consciência humana, deve ser baseado no fato de que cada um de nós é um fruto do amor. Primeiro, o amor de um casal que, durante seu relacionamento, decidiu trazer mais um ser ao mundo. E antes disso? Acredito piamente que antes mesmo de serem definidos feições, sexo ou personalidade, esse ser já era amado. Se os pais dessa pessoa não a amam, existe um Deus que a ama do jeito que ela é. E para os que crêem nesse ser superior, tal informação deve dar forças para prosseguir no caminho.

De posse dessa informação, um professor pode tentar degradar seu aluno, mas ele não se sentirá degradado; um chefe pode tentar esmagar seu funcionário, mas ele não se sentirá esmagado; os invejosos podem tentar derrotar uma pessoa aparentemente mais fraca, mas ela ainda triunfará.

Como se qualquer um deles pudesse prevalecer humilhando o seu próximo. Se essa pessoa sabe que é verdadeiramente amada, é como diz o dito popular: “O resto é resto”. E atualmente muitos jovens se suicidam por não terem consciência disso!

Agora, deixem-me pintar um quadro bastante real. Representarei aqui um dia típico no Brasil: jovens com idade próxima a 20 anos cometem suicídio; crianças com menos de 10 anos morrem vítimas de armas de fogo; são presos, aos borbotões, adolescentes, por uso de drogas; incontáveis bebês nascem de mães adolescentes; pedófilos continuam impunes… e isso acontece ano após ano. Tudo isso está acontecendo no nosso país, um dos maiores países do mundo. E, infelizmente, torna-se destaque porque as taxas de crescimento dessas atrocidades estão cada vez maiores em relação aos demais países.

Essa é a maneira pela qual os jovens expressam a raiva deles. Eles não aprenderam outra maneira de se expressar. Ainda é muito grande a quantidade de casos de violência doméstica. E violência gera mais violência.

E, da maneira como nós estamos cultivando pequenos adultos no corpo de crianças, tentando reparar na infância dos outros os erros que foram cometidos na nossa, acabamos por destruí-la de alguma forma. Há tanto de nossa infância que vale a pena se reter em nossa vida adulta. Uma infância reprimida pode transformar essa criança em um futuro delinqüente, que, certamente, contribuirá para o aumento da violência.

Para se ter uma idéia de como a falta de amor está “em alta”, na Inglaterra, aproximadamente 50% das famílias jantam junto só uma vez por ano. Apenas uma vez por ano!

E o que dizer sobre a tradicional leitura de uma “história da hora de dormir” para sua criança?

Uma pesquisa feita em 1980, na Inglaterra, comprovou que crianças cujos pais liam para elas todas as noites tiveram maior índice de alfabetização, significativamente diferente da taxa de reprovação dos alunos que não tiveram atenção de seus pais em casa. Essa mesma pesquisa mostrou que menos de 33% das crianças britânicas de 2 a 8 anos de idade têm uma “história da hora de dormir” regularmente lida para elas.

Você pode não pensar muito nisso, pode considerar uma bobagem, mas saiba que 75% dos pais que tiveram aquela “história da hora de dormir” quando eram crianças se tornaram pais mais amorosos e atenciosos com seus filhos e lêem essas histórias para seus filhos hoje. E ainda mais: eles se tornaram trabalhadores mais produtivos!

Em uma de minhas visitas às instituições de caridade, pude perceber isso, mas de uma outra maneira. Crianças carentes, estimuladas a ler pela professora da segunda série, também demonstraram um grande desenvolvimento de aprendizado. O que realmente conta é o amor! O que é feito com amor sempre gera frutos. E, mais adiante no tempo, esses frutos serão cada vez mais aproveitados.

Claramente, nós temos que perguntar a nós mesmos onde está e de onde vem toda dor, raiva e revolta do mundo. É esse tipo de coisa que as nossas crianças estão absorvendo todos os dias.

As várias agências de proteção à infância dizem que milhões de crianças são vítimas de maus-tratos na forma de negligência, infelizmente muito freqüente. Em muitas casas ricas e privilegiadas, os pais acham que seus filhos estão seguros. Geralmente, os pais não estão em casa, e, quando estão fisicamente, sua mente ainda está no escritório.

E, então, o que essas crianças aprendem?

O que a televisão, os jogos do computador e os vídeos ensinam. Onde se exibem pornografia explícita e muita violência desnecessária. E o que resta aos professores é a tarefa de educá-las. De ensiná-las a pensar, a agir. No geral, ensiná-las a viver.

Mas será que essa realmente é a função dos professores? Ou será que é uma responsabilidade que não corresponde a eles?

As respostas, até o presente momento, estão divididas em um empate técnico.

Esses duros números da estatística indicam por que dediquei recursos e tanto do meu tempo para criar novos meios de abrir os olhos do povo. Se antes já lutava contra essa falta de amor, agora, formado, lutarei muito mais, sabendo que essa falta de amor influencia, e muito, no alto índice de reprovação escolar. Esse é um inimigo que eu quero ajudar a combater.

Quando pergunto se é responsabilidade do professor se encarregar de “todo o resto”, sinceramente acho que não. Os pais têm que ter parcelas iguais de responsabilidade.

Então, recomendo aos senhores pais: façam dos momentos com seus filhos os melhores e mais inesquecíveis possível. Porque, quanto menores forem as crianças, mais importantes as pequenas coisas serão. Mais adiante, seus filhos podem perguntar: “Por que não nos foi dada uma infância comum como a todas as outras crianças?”, “Nossos pais fizeram o melhor que puderam?”, e deverão responder: “Eles não são perfeitos, mas foram decentes e tentaram nos dar todo o amor do mundo!” e, ainda, “Eles nos amam, e nós sabemos disso!”.

E eu, realmente, penso que nós podemos curar nossas crianças, essas mesmas crianças que podem, mais adiante, saturadas de tanta negligência e falta de atenção, entrar em suas escolas com armas de fogo e, carregadas de ódio, atirar em seus colegas.

Mas tudo começa com um abrir de olhos. Temos que aprender a perdoar, porque, para curar o mundo, temos que nos curar primeiro. E, para curar as demais crianças, temos que curar primeiro a criança de dentro de nós.

Estes são os mandamentos que creio serem importantes:

– Em um mundo cheio de ódio, nós temos que ousar ainda cultivar o amor.
– Em um mundo cheio de raiva, nós temos que ousar ainda confortar os que sofrem.
– Em um mundo cheio de desespero, nós temos que ousar ainda sonhar.
– E em um mundo cheio de desconfiança, nós temos que ousar ainda confiar no próximo.

Mahatma Gandhi disse: “O fraco nunca pode perdoar. Perdão é o atributo do forte!”.
E ainda mais: “Seja você mesmo a mudança que você quer ver no mundo!”.
E, assim, concluo minhas observações com fé, alegria e excitação.

Deste dia em diante:

– Que o amor seja uma canção nova a ser ouvida.
– Que essa canção seja o som de crianças sorrindo, brincando, cantando.
– Que seja a canção do som de seus filhos sadios.

Hoje, vamos criar uma sinfonia de corações, maravilhando-nos com o milagre de nossas crianças.

Nos deixe curar o mundo e diminuir sua dor. E que possamos, todos nós, fazer, juntos, essa canção nova e bonita.

Deus os abençoe.

Amo o que faço! Deus me abençoou com este dom, e, como diz na Bíblia, se não usamos os dons que Deus nos dá, ele nos é tirado! Valorizo muito meu trabalho voluntário, pois não preciso de remuneração para sentir prazer em minha profissão!

Paulo Alexandre dos Santos é formado em Pedagogia na Universidade Estadual de Alagoas (Funesa) e pós-graduado em Psicopedagogia. Professor em Curso Supletivo e de Espanhol em Campo Grande. Foi um dos finalistas no prêmio Maria das Neves de Poesia com um texto homenageando o Monsenhor Aldo de Melo Brandão, diretor-geral e mantenedor das instituições de caridade Casa da Menina e Unidade de Recuperação e Educação Nutricional (Uren), da qual o autor é voluntário desde 2000.
Contato: netrix24@hotmail.com

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