Edição 47

Em discussão

Os jogos e sua importância na escola

Lino de Macedo

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Em La Formation du Symbole chez L’enfant: Imitation, Jeu et Rêve, Image et Représentation (1945), Piaget propõe que os jogos — todos os jogos — podem ser estruturados basicamente segundo três formas: de exercício, símbolo ou regra. Mas o que caracteriza essas formas e qual é a importância de cada uma delas para a construção do conhecimento na escola? Para responder a essa dupla questão, comecemos pela primeira, a que estrutura as ações como jogos de exercícios, analisando sua presença quando a criança aprende as primeiras letras ou os primeiros números na escola.

Jogos de Exercício

As três estruturas de jogos serão caracterizadas segundo sua forma típica de assimilação. Nos jogos de exercício, essa forma é a da assimilação funcional ou repetitiva, ou seja, do prazer da função, graças à qual, por exemplo, as crianças, no primeiro ano de vida, formam hábitos na qualidade de esquemas sensório-motores.

Piaget, na introdução do livro La Naissance de L’intelligence chez L’enfant (1936), propõe que os seres vivos têm sempre dois problemas: um de organização e outro de adaptação. O primeiro nos remete à eterna questão de se manter organizado, como ser vivo, em um contexto de trocas com o meio. Trocas necessárias, considerando que, como sistema aberto, o ser vivo depende do meio para sua sobrevivência. De fato, nossas estruturas podem assimilar o oxigênio do ar, mas não podem produzi-lo. O mesmo vale para os alimentos, por exemplo. Ou seja, o organismo vivo é um sistema aberto porque suas estruturas não bastam a si mesmas. Por isso, a interação do organismo com o meio é uma eterna e infinita necessidade; sem ela, a sobrevivência desse ser — indivíduo ou espécie — está sempre ameaçada.

O segundo problema nos remete à questão da construção das possibilidades (ou formas qualitativas) pelas quais se faz essa interação. Ou seja, adaptação é a forma pela qual os seres vivos fazem essa troca. Segundo Piaget, de um ponto de vista funcional, as duas formas invariantes pelas quais os seres vivos fazem a adaptação são a assimilação e a acomodação. A assimilação corresponde à integração, pelas ações, dos elementos externos ao ser vivo. A acomodação corresponde às modificações internas que tornam isso possível.

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Como dissemos, a atividade característica da estrutura dos jogos de exercício opera pela primeira forma de assimilação: a assimilação funcional. Por meio dela, temos que, quando algo se estrutura como uma forma (se organiza como um todo ou um sistema), apresenta a tendência de se repetir funcionalmente. Em outras palavras, tudo o que se estrutura como um sistema pede “alimentação” funcional, ou seja, pede repetição. Essa alimentação constitui, doravante, fonte de satisfação ou prazer. Não repetir, ou não alimentar o sistema, constitui fonte de dor, de ameaça à sua sobrevivência.

A assimilação funcional, ou o prazer pela alimentação de algo que se tornou parte de um sistema e que, por isso, pede repetição, caracteriza o aspecto lúdico ou autotélico dos esquemas de ação. Por exemplo, aprender a ler — de fato — significa ter a leitura como parte, agora inevitável, de nosso sistema de interação com as coisas. Assim, a situação de uma criança em processo de aprendizagem da leitura que se interessa, por exemplo, pelo que está escrito nos painéis enquanto anda de carro com sua mãe ou quando compra livros, por sua própria iniciativa, com a mesada que ganha de seus pais, ilustra essa necessidade lúdica que a leitura está se tornando para ela. Em outras palavras, uma coisa é ler em função de uma ordem da professora, como um meio, portanto, para um outro fim; outra coisa é a leitura como um fim em si mesma.

A repetição, requerida pelas demandas de assimilação funcional dos esquemas de ação, tem por consequência algo muito importante para o desenvolvimento da criança: a formação de hábitos. Nesse sentido, os jogos de exercício são formas de, por seu prazer funcional, repetir, por exemplo, uma sequência motora e, por isso, formar um hábito. Os hábitos, como analisa Piaget em seu livro La Naissance de L’intelligence chez L’enfant, são a principal forma de aprendizagem no primeiro ano de vida e constituem a base para as futuras operações mentais. Apenas para citar uma das razões para isso, o que se passa é que a repetição pelos hábitos é fonte de significados, ou seja, de compreensão das ações enquanto formas dos conteúdos (por isso, esquemas) que se repetem e generalizam em um sistema.

Qual é a importância da assimilação funcional na construção do conhecimento na escola? Para responder a isso, apenas serão apresentadas duas considerações: uma de caráter funcional; e outra, estrutural. De um ponto de vista funcional, a repetição, como recurso de aprendizagem, é muito importante na escola. Portanto, fazer algo uma única vez tem pouco sentido. Mas a repetição em si mesma, isto é, sem sentido lúdico (prazer funcional), sem ser um jogo de exercício, como costuma ocorrer hoje nas escolas, não vale a pena. Outra coisa: todos valorizam a importância de bons hábitos de trabalho que, por sua repetição cíclica, ajudam a organizar a vida escolar. Porém, muitas vezes, as rotinas escolares se transformam elas mesmas em um fim, e não se justificam mais nas atuais circunstâncias daquela escola. Em poucas palavras: a repetição, com seu sentido funcional — como a conheceu a criança no primeiro ano de vida, graças aos jogos de exercício —, é matriz para a regularidade, tão fundamental para a aprendizagem escolar quanto para a vida em geral.

De um ponto de vista estrutural, os jogos de exercício deveriam permitir às crianças enfrentar as tarefas escolares, mais em um sentido filosófico do que apenas utilitário. O saber que a filosofia proporciona, segundo Piaget (1965), é a coordenação de valores, isto é, a produção de conhecimento sobre as coisas em si mesmas. Nas ciências, ao contrário, o conhecimento justifica-se principalmente por sua função aplicada ou instrumental. Ora, essa segunda forma de conhecimento é a que predomina na escola. Sabemos que ela se justifica por sua função social de formar futuros cidadãos, que têm de dominar as letras, os números, as ciências. Mas tudo isso é muito abstrato e, por vezes, aborrecido para a criança. Poder pensar e tratar as coisas como um jogo, como algo lúdico ou autotélico faz, muitas vezes, mais sentido para ela.

Antes de passar para os jogos simbólicos, consideremos que os jogos de exercício caracterizam a atividade lúdica da criança no período de desenvolvimento que Piaget (1936) chamou de sensório- motor e que compreende, em média, os primeiros dezoito meses de vida. Mas ressaltemos, ao mesmo tempo, que as características dessa estrutura continuam sendo parte fundamental das outras estruturas de jogos e que esquecer isso significa ter uma vida sem prazer, caracterizada por um fazer obrigado externamente ao sujeito e que, por isso, não tem sentido para ele.

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Jogos Simbólicos

No processo de desenvolvimento da criança, os jogos simbólicos, como estrutura, vêm depois dos jogos de exercício e caracterizam-se por seu valor analógico, ou seja, por se poder tratar A como se fosse B ou vice-versa. Essa é a grande novidade dessa estrutura se comparada à anterior. Trata-se, portanto, de repetir, como conteúdo, o que a criança assimilou como forma nos jogos de exercício. Agir, como a mãe em uma brincadeira de boneca, por exemplo, significa repetir, por analogia, o que a mãe tantas vezes fez com a criança em seu primeiro ano de vida. Significa também poder aplicar, agora como conteúdo, as formas dos esquemas de ação que assimilou em seus jogos de exercício.

Os jogos simbólicos caracterizam-se pela assimilação deformante (PIAGET, 1945). Deformante porque, nessa situação, a realidade (social, física, etc.) é assimilada por analogia, como a criança pode ou deseja. Isto é, os significados que ela dá para os conteúdos de suas ações quando joga são deformações — maiores ou não — dos significados correspondentes na vida social ou física. Graças a isso, pode compreender as coisas afetiva ou cognitivamente, segundo os limites de seu raciocínio. As fantasias ou os mitos que a criança inventa ou que escuta tantas vezes e que tanto a encantam são igualmente expressões dessa assimilação deformante. Têm, além disso, uma função explicativa: possibilitam à criança compreender, a seu modo, os temas neles presentes. Isso favorece a integração da criança a um mundo social cada vez mais complexo (adaptação à escola, hábitos de higiene e alimentação, etc.). Em outras palavras, os significados das coisas podem ser, por intuição, imaginados por ela. Essas construções possibilitadas pelos jogos simbólicos serão, como as regularidades, impulsionadas pelos hábitos nos jogos de exercício, fontes das operações.

Qual é a importância da assimilação deformante na construção do conhecimento na escola? De um ponto de vista funcional, a criança — assimilando o mundo como pode ou deseja, criando analogias, fazendo invenções, mitificando coisas — torna-se produtora de linguagens, criadora de convenções. Graças a isso, pode submeter-se às regras de funcionamento de sua casa ou escola. Esta, como sabemos, costuma ensinar os conteúdos das matérias através de um conjunto de signos, convenções, regras ou leis. Mais que isso, como as analogias que possibilitam os jogos simbólicos são convenções motivadas, ou seja, convenções em que o representado tem algo a ver com o representante, a criança pode firmar o vínculo entre as coisas e suas possíveis representações. Com isso, poderá, talvez, na escola primária, compreender e utilizar convenções como signos arbitrários, isto é, cuja relação representante-representado não seja tão próxima como nos jogos simbólicos.

De um ponto de vista estrutural, os jogos simbólicos têm, igualmente, uma importância capital para a produção do conhecimento na escola. O sentido e a necessidade de teoria (do esforço humano de explicar as coisas, de dar respostas ainda que provisórias para as perguntas que nos faz o jogo da vida) formulam-se e ganham contexto nos jogos simbólicos. Em outras palavras, as fantasias, as mitificações, os modos deformantes de pensar ou inventar a realidade são como um prelúdio para as futuras teorizações das crianças na escola primária e, mesmo, dos futuros cientistas. Nesse sentido, a necessidade metodológica (descoberta do valor da experimentação que a criança pôde construir graças aos jogos de exercício no período sensório-motor) e, agora, a possibilidade de explicação das coisas, ainda que por assimilação deformante, constituem as duas bases das operações pelas quais as crianças aprendem as matérias escolares. Em síntese, se os jogos de exercício são a base para o como, os jogos simbólicos são a base para o porquê das coisas. Mas a coordenação de ambos só se dará com a estrutura dos jogos seguintes, graças à assimilação recíproca, o que será analisado na próxima seção.

Jogos de Regra

Os jogos de regra contêm, como propriedades fundamentais de seu sistema, as duas características herdadas das estruturas dos jogos anteriores. Neles, como já foi dito, a repetição dos jogos de exercício corresponde à regularidade, graças à qual esses jogos se constituem em formas democráticas de intercâmbio social entre crianças e/ou adultos. Regularidade porque o “como fazer” do jogo é sempre o mesmo, até que se modifiquem as regras. Na condição de invariante do sistema, pede consideração recíproca de todos os participantes, sendo a transgressão das regras uma falta grave, que perturba o sentido do jogo (MACEDO, 1994). Os jogos de regra herdam dos jogos simbólicos as convenções, ou seja, a ideia de que as regras são combinados arbitrários que o inventor do jogo ou seus proponentes fazem e que os jogadores aceitam por sua vontade.

Mas há algo que é original e próprio dessa estrutura de jogos: o seu caráter coletivo. Ou seja, nessa estrutura, só se pode jogar em função da jogada do outro. Por exemplo, em uma partida de xadrez, os movimentos da peça de um jogador são feitos em função dos movimentos de seu adversário. Os jogadores, nesse sentido, sempre dependem um do outro; por isso, a ideia de assimilação recíproca. Recíproca pelo sentido de coletividade e de uma regularidade intencionalmente consentida ou buscada e ainda pelas convenções que definem o que ambos os jogadores podem ou não fazer no contexto do jogo.

Vale a pena repetir: nos jogos de regra, o valor lúdico das ações continua tendo uma importância fundamental. Esta é a primeira pergunta que se faz: “Quer jogar?”. E, em geral, se é livre para dizer sim ou não. Mais que isso, o prazer funcional para os que dizem sim continua importante ao longo de toda a partida. Nos jogos de regra, as convenções continuam, igualmente, tendo uma importância fundamental. O tempo, o espaço, os critérios de ganho ou perda, etc. são limites, ainda que arbitrários (porque poderiam ser outros), que regulam as condutas recíprocas dos participantes do jogo.

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Qual é a importância dos jogos de regra na construção do conhecimento na escola? De um ponto de vista funcional, essa forma de jogo é muito importante porque atualiza, mas com um sentido simbólico e operatório, o jogo de significados que a criança conheceu no primeiro ano de vida. Jogo de significados porque, para ganhar, o jogador tem de competir em um contexto no qual, por princípio, seu oponente tem as mesmas condições. Compreender melhor, fazer melhores antecipações, ser mais rápido, cometer menos erros ou errar por último, coordenar situações, ter condutas estratégicas, etc. são chaves para o sucesso. Para ganhar, é preciso ser habilidoso; estar atento, concentrado; ter boa memória; abstrair as coisas; relacioná-las entre si todo o tempo. Por isso, o jogo de regra é um jogo de significados em que o desafio é ser melhor que si mesmo ou que o outro. Desafio que se renova a cada partida, porque vencer uma não é suficiente para ganhar a próxima. Assim, os jogos de regra, em uma perspectiva funcional, valem por seu caráter competitivo.

Vale a pena, pelas críticas que são feitas a ela, analisar um pouco a competição — característica funcional dos jogos de regras. Tais jogos, dizem, valorizam o espírito competitivo (vencer a qualquer preço) e, por extensão, a individualidade. A competição em si não é má nem boa: caracteriza uma forma de problematização universal na vida. Apenas caracteriza qualquer situação em que dois (ou mais) sujeitos querem uma coisa ou dela necessitam ao mesmo tempo, de tal forma que, por causa desses limites (só há uma coisa), um a obterá e o outro não. Ou seja, competir (do latim competere) significa pedir simultaneamente a mesma coisa; no jogo de regra, os jogadores fazem, ao mesmo tempo, um único pedido: ganhar. É assim, igualmente, na vida. Os filhos, por exemplo, competem pelo amor de seus pais, pela atenção de sua mãe. E mesmo aquele que é filho único terá esse problema, porque, com ele, competirão o trabalho da mãe, seus cuidados pessoais, as outras pessoas, etc.

A competição caracteriza-se por uma estrutura assimétrica, de diferença, porque nesse sistema não se tem um para cada um, ou tudo para todos. Caracteriza-se — isto sim — por uma relação de um para muitos e, como as estruturas simétricas ou de igualdade, é uma estrutura universal: descreve, como foi dito, uma forma de problematização das coisas em um sistema. No entanto, o que modifica o sentido da competição em diferentes contextos é o modo como se reage a ela, é o que se faz diante dela. Em uma comunidade indígena, por exemplo, em uma situação na qual se tem um barco que comporta apenas três pessoas, quando oito necessitam passar para o outro lado de um rio, a forma de resolver esse problema é, com certeza, muito diferente daquela de um sistema capitalista. Assim, o que se critica não é a competição em si mesma, mas as formas culturais, políticas, etc. de se reagir diante dela.

Outro significado funcionalmente importante para a competição é o da competência, da habilidade pessoal ou do talento para enfrentar problemas e resolvê-los da melhor forma possível. Ser competente em uma situação desafiadora, em que, por suas características, só um lado pode ganhar, não significa ser individualista, ao menos nos jogos de regra. Como sabemos, nesses jogos, as condições, as regras, etc. são as mesmas para todos: que o melhor seja o vencedor. E, se a competência for a mesma, que seja vencedor quem tiver mais sorte. A competência é o desafio de ser melhor do que si mesmo. Nesse sentido, o outro de quem se ganha é apenas uma referência para o vencedor. Porque, se um sempre ganha, o outro não serve mais como referência; nesse caso, procura-se um adversário mais forte, uma situação mais difícil para tê-la como um espelho que reflita o quanto o vencedor ainda pode melhorar. Nessa perspectiva, o ganhar e o perder são sempre ganhar e perder de si próprio. Mas, se alguém perde porque o adversário está trapaceando, o jogo continua válido para ele, e não para o trapaceiro, para quem o jogo é outro.

A importância estrutural dos jogos de regra corresponde a seu valor operatório. Nessa estrutura de jogo, fazer, no sentido de conseguir (réussir), e compreender (comprendre) são como faces da mesma moeda (PIAGET, 1978); por isso, a importância da assimilação recíproca de esquemas. Porque aqui, para ganhar, são inevitáveis a coordenação de diferentes pontos de vista, a antecipação, a recorrência, o raciocínio operatório. Por isso, o fim — ganhar dentro das regras — tem de ser coordenado com os meios (regras do jogo, competência, etc.). Quanto a esse aspecto, costumamos cometer um equívoco com os jogos de regra. Vejamos o que acontece no jogo de xadrez: uma coisa é conhecer as regras para movimentar as peças (convenções do jogo), outra coisa é ganhar nesse jogo. Quem conhece as regras e nunca vence não as conhece operativamente — sabe sobre o jogo em um sentido simbólico, mas não operatório.

Considerações Finais

Os jogos simbólicos contêm, como parte, as características dos jogos de exercício, e os jogos de regra contêm, igualmente como parte, as características de ambos. O mesmo ocorre no sentido oposto. Os jogos de exercício supõem regras e símbolos como elementos de sua estrutura, porque, quando alguém repete pelo prazer funcional, pelo valor lúdico, esta é a regra: o prazer funcional, a repetição pela repetição, a conquista do significado por si mesmo. E quem diz significado diz conquista simbólica, interpretação, jogo de significação, forma de compreender as coisas segundo sua prática, segundo sua necessidade e possibilidade. Na estrutura dos jogos simbólicos, os aspectos fundamentais dos jogos de exercício estão presentes como parte, como elemento, porque, quando uma criança brinca de boneca, ela simula sua casa; brincando com bonecas, exercita papéis sociais, transforma as coisas, exercitando-as. Ou seja, no jogo simbólico, há exercício, prazer funcional, repetição. Ao mesmo tempo, a regra implícita no jogo simbólico é a da simulação ou analogia: “Isso não é isso, mas eu jogo como se fosse”. Esta é a regra: tratar A como B ou vice-versa. Essa é a condição. Ou seja, quando se joga simbolicamente, as regras e os exercícios são partes constituintes do jogo simbólico. O mesmo vale, como já disse, para os jogos de regra, porque jogar com regras significa exercitar, repetir muitas vezes. Para quem aprecia o xadrez, uma vida é pouco para todas as partidas que se gostaria de jogar. Mas, igualmente, nesse jogo, há símbolos, convenções para os movimentos de cavalos, peões, damas, etc.; há combinados fundamentais para as regras dentro das quais, certamente, se ganha ou se perde a partida.

Os jogos são importantes na escola, mas antes disso são importantes para a vida. Por que se joga? A vida, do nascimento à morte, propõe-nos questões fundamentais sobre nosso corpo, diferenças sexuais, enfermidades, sobre o porquê de nosso pai gostar mais de um filho do que de outro, etc. Então, como formular respostas quando se é criança ou quando se é homem primitivo, sem tecnologia, com poucos recursos? Ou quando a vida é dura e a sobrevivência é uma ameaça constante? Os jogos são respostas que damos a nós mesmos ou que a cultura dá a perguntas que não se sabe responder. Joga-se para não morrer, para não enlouquecer, para manter a saúde possível em um mundo difícil, com poucos recursos pessoais, culturais, sociais. Em nossos dias, mesmo com tanta tecnologia, com uma ciência que explica, que controla, cada vez mais, as doenças, os problemas alimentícios, etc., o espaço do jogo continua sendo muito importante. O que são as artes, a filosofia, as expressões religiosas, a política, etc. senão formas de jogos? (CAILLOIS, 1990).

No jogo, podem-se encontrar respostas, ainda que provisórias, para perguntas que não se sabe responder. A explicação científica, também provisória, tem, por vezes, a melhor resposta, mas nem sempre esta é acessível. Ou seja, existem assuntos que a ciência explica, mas que não temos competência ou formação para compreender. O jogo pode preencher, nas crianças, esse vazio. Nos adultos também: o trabalho, o esporte, a vida cultural, a política não são, na verdade, complexos sistemas de jogos?

Como precisar a importância do jogo na escola? Como pensar o jogo na construção do conhecimento escolar? Vale recordar, uma vez mais, que a função eterna da escola é instrumental, ou seja, os adultos mantêm os filhos nela em função do futuro cidadão em que, também graças a ela, eles deverão se tornar. Frequentamos a escola para aprender a ler, escrever, fazer contas, porque as profissões adultas necessitam desses conhecimentos. Mas, para a criança, essa função instrumental da escola é muito abstrata, teórica, tem um sentido adulto, por vezes muito distante dela. Já o conhecimento tratado como um jogo pode fazer sentido para a criança. Não se trata de ministrar os conteúdos escolares em forma de jogo. Isso pode ser interessante, mas, nesse momento, não é o que se está defendendo. Trata-se de analisar as relações pedagógicas como um jogo em que os jogadores não têm consciência de que estão jogando; de que fazem, muitas vezes, um mau jogo, um jogo contra o conhecimento. A escola propõe exercícios, mas Ihes tira o sentido, o valor lúdico, o prazer funcional. Ensina convenções, símbolos, matemáticas, línguas, etc., mas não ensina as crianças a “ganharem” dentro dessas convenções. Principalmente se essas crianças são pobres e não poderão concorrer de verdade no futuro mercado de trabalho. Ou seja, as matemáticas, as línguas, etc. são também jogos cujas regras nós ensinamos de forma esvaziada; portanto, sem valor.

Como fazer para recuperar o sentido do jogo na escola e na vida? Para isso, a escola deve adotar uma postura menos rígida, que esqueça um pouco sua função instrumental. Por que não transformá-la em um espaço de jogo, no qual crianças, professores, como filósofos, pudessem recuperar a possibilidade de um pensar seguindo boas regras? Ou seja, seria importante que se permitisse, na escola, que os meios, ao menos por algum tempo, fossem os próprios fins das tarefas; que se permitisse às crianças e aos professores serem criativos, que tivessem prazer estético e conhecessem o gozo da construção do conhecimento.

Alain, segundo Baudrillard (1992), dizia: “Quem joga jurou”. Ou seja, as crianças, quando jogam, são sérias, são intensas, entregam todo o seu corpo, toda a sua alma para o que estão fazendo. Jogar com regras é obedecer a algo que foi previamente aceito. Na escola, por vezes, o único jogo que se pratica é o da transgressão. Mas, no jogo “para valer”, o desafio não é a transgressão, e sim a entrega ou a obediência, porque se aceitou jogar, livre e convencionalmente, e, com isso, ganhar ou perder dentro de certos limites (MACEDO, 1994). Por que não se pode fazer assim na escola? Por que não possibilitar que, nela, as crianças sejam qual filósofos, artistas ou matemáticos? Por que não possibilitar que aprendam com seriedade, mas também com leveza e prazer; sem medo, mas com júbilo? Jogar é passar por uma experiência fundamental. Jogar é apostar na vida. Porém, nesse jogo, ganhar não é nada; perder, tampouco (CAILLOIS, 1990). Nesse sentido, interpretar as coisas como um jogo significa preparar-se simbolicamente para uma vida talvez menos hipócrita.

O jogo é uma prova de intimidade e, por isso, de conhecimento. Isso nos ensinam as crianças, as populações primitivas, os artistas, os cientistas e nós mesmos em muitos momentos. Quem joga pode chegar ao conhecimento, pelas características do jogo, pelos exercícios, pelos símbolos e pelas regras. Mas os adultos, muitas vezes, na vida utilizam os jogos contra a intimidade, como forma de não entrar nela ou de controlá-la. Por isso, tantas vezes há hipocrisia no jogo da vida. Porque nela, frequentemente, utilizamos o jogo para não sofrer, para mentir, para fingir, para evitar o êxtase da derrota ou da vitória, que nada significa porque, quando alguém ganha ou perde, movimenta algo que só tem valor em si. Por isso, o jogo tem um sentido espiritual, filosófico, cognitivo, cultural, simbólico, operatório.

Podemos ter dois tipos de reação ante o estrangeiro ou o desconhecido. Há uma forma primitiva — até compreensível — quando não se tem tantas técnicas ou recursos, que é considerar o desconhecido como um inimigo que se mata, que se destrói antes mesmo de entrar em contato com ele. Ou seja, “Mato o desconhecido para não correr o risco de ser morto por ele”. Os jogos nos ensinam uma outra forma de reagir ao adversário ou desconhecido, que é querer saber sobre ele, pensar antes e melhor que ele, tomá-lo como uma referência. Muitas vezes, em nossa hipocrisia intelectual, dizemos: “Não conheço Piaget e não gosto dele”. Ou seja, reagimos de uma forma negativa (como no primeiro sentido).

Não sei se as escolas fazem o jogo do conhecimento com o qual estão comprometidas, levando em conta os aspectos aqui analisados. Se assim fosse, a possibilidade de os alunos aprenderem seria, talvez, bem maior. Por isso, o valor psicopedagógico do jogo deve ser defendido. Porque pode significar para a criança uma experiência fundamental de entrar na intimidade do conhecimento, da construção de respostas por meio de trabalhos lúdico, simbólico e operatório integrados. Porque, para a criança, pode significar que conhecer é um jogo de investigação — logo, de produção de conhecimento — em que se pode ganhar, perder, tentar novamente, usar as coisas, ter esperanças, sofrer com paixão, conhecer com amor (amor pelo conhecimento), em que as situações de aprendizagem são tratadas de forma mais digna, filosófica, espiritual. Enfim, superior.

Fonte: Cadernos de Pesquisa. Nº 93 (maio de 1995). São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1995, p. 5–11.

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