Edição 83
Profissionalismo
Professor, faça da docência uma carreira de sucesso
Sérgio Marcelo Salvino Bezerra
Escolher uma profissão é uma decisão que influencia toda a vida (ou boa parte dela) do ser humano. Fazer essa escolha com uma idade tenra é um risco, pois requer muita sabedoria e conhecimento da área na qual almejamos atuar como profissionais, e isso não é próprio da idade em que geralmente somos levados a tomar essa iniciativa.
Freud (1929) afirma que:
Ao tomar uma decisão de menor importância, eu descobri que é sempre vantajoso considerar todos os prós e contras. Em assuntos vitais, no entanto, tais como a escolha de um companheiro ou profissão, a decisão deve vir do inconsciente, de algum lugar dentro de nós. Nas decisões importantes da vida pessoal, devemos ser governados, penso eu, pelas profundas necessidades íntimas da nossa natureza.
Na perspectiva freudiana, podemos perceber a complexidade da iniciativa que é cobrada do jovem, que muitas vezes não está pronto para tal, fazendo da sua escolha um verdadeiro “jogo da sorte”. Por sua vez, os pais, geralmente sem o entendimento do momento pelo qual os filhos estão passando, tornam-se ferozes inibidores das escolhas profissionais destes, induzindo-os a uma tomada de decisão equivocada, que geralmente reflete a sua gana profissional, e não a de seu descendente.
Nesse contexto, podemos inserir diversos profissionais que não desempenham suas funções com disposição, enfadados pelo fato de estarem executando algo que não traz realização pessoal. Poderíamos aqui enumerar várias situações de desconforto que inúmeros profissionais passam no seu cotidiano, mas focaremos na carreira docente.
O professor tem enfrentado desafios para permanecer em sala de aula: salas lotadas, estrutura física da escola comprometida, falta de material didático, número insuficiente de profissionais no local de trabalho, formação continuada desmotivante, baixo salário, entre tantos aspectos que poderiam guarnecer este texto. A questão agora é a seguinte: o que fazer diante dessa circunstância? Entrar em pânico? Deixar a sala de aula? Mudar de profissão? Não. A resposta não é tão objetiva, mas podemos, sim, modificar esse cenário em princípio desesperador.
Antes, convidamos o estimado leitor para refletir um pouco sobre a palavra carreira. Essa expressão tem sua origem no latim medieval a partir da palavra carraria, que significa estrada rústica para carros. Aulete (2011) define carreira como corrida desordenada; correria. Tal significado denota instabilidade, algo que está em construção e que poderá, ao longo do caminho, apresentar oscilações. Assim é a carreira profissional.
É preciso considerar que transformações vêm ocorrendo no mundo do trabalho e das carreiras, isso envolve aspectos objetivos e subjetivos. Nem sempre a escolha profissional está pautada nas características pessoais; o contexto histórico e o ambiente sociocultural em que o jovem vive é que geralmente determinam a sua escolha. Segundo Valle (2006), a carreira docente está fortemente ancorada na imagem de si e na experiência cotidiana do indivíduo, que na maioria das vezes apresenta o dom e a vocação, o amor pelas crianças, o amor pelo outro, o amor pela profissão, o amor pelo saber e a necessidade de conquistar logo certa autonomia financeira.
A subjetividade é indubitavelmente o arcabouço da carreira docente. Nesse aspecto, um dos pontos em destaque é a exigência que a sociedade faz ao profissional de Educação, não compreendendo claramente o que ele pode (e deve) oferecer. Fanfani (2007a) alerta para uma distância entre a imagem ideal da função docente e a realidade relacional e temporal da sua prática. Alguns pontos, como problemas de disciplina e violência, falta de interesse dos alunos, excesso de conteúdos programáticos, necessidade de trabalhar a diversidade e ainda a introdução de forma equivocada e “apressada” das novas tecnologias, produzem mudanças na relação com o conhecimento e por vezes geram a sensação de obsolescência em muitos profissionais da Educação. Essa situação tem colocado uma interrogação em boa parte dos docentes sobre a permanência na área de escolha profissional. Os desafios são enormes e desvelados, já não sendo novidade para a sociedade.
A compreensão de seu papel de mestre e o impacto dessa atividade na vida da população fazem do professor um profissional singular.
Foquemos agora no caminho que poderá reformular a prática docente diante de tantas questões amplamente discutidas.
Três pontos importantes para o professor desenvolver uma carreira de sucesso:
Fazer o que gosta.
Dominar sua área de conhecimento.
Planejar suas aulas.
Esses aspectos, aparentemente fundamentais, norteiam a carreira docente e projetam um futuro promissor. Iremos abordá-los de forma interrogativa e objetiva com vistas às dificuldades enfrentadas pelos docentes no Brasil, sobretudo nas escolas públicas.
Por que fazer o que gosta? Qual é o caminho para dominar sua área de conhecimento? Planejar é necessário?
A primeira interrogação deveria apontar para o óbvio, mas, como abordado anteriormente, o contexto social e a história de vida do sujeito implicam diretamente na escolha de sua profissão. Nesse sentido, atuar na área de que se gosta facilita no enfrentamento às adversidades. Uma delas é a questão disciplinar, tida como um mal que arrasa professores e escolas. Foucault (1987) afirma que as sociedades modernas não são disciplinadas e o homem moderno não se prende à disciplina.
Essa é a realidade das nossas escolas, que foram concebidas a partir da ideia da catequese, do doutrinamento e consequentemente da obediência às ordens de um superior. Isso tem seu sentido histórico, mas não pode continuar sendo um fato na educação pública brasileira, que já apresenta frutos negativos.
No mundo moderno, está cada vez mais difícil desenvolver uma Educação nessa estrutura tradicional de repasse do conhecimento. É preciso recriar, inovar, reconstruir e desconstruir muitas concepções e paradigmas incrustados na Educação. Freire (1993) fala em recriar táticas diariamente, diante da multiculturalidade de uma sala de aula e dos cuidados que o professor deve ter em seu discurso. Isso requer ânimo, disposição e iniciativa do profissional. Mas como realizar tudo isso sem gostar do que se faz? Gostar da profissão é fundamental para ultrapassar barreiras, fazendo da carreira um desafio cotidiano que conduza a um combate saudável e consciente em busca do melhor. Esse caminho não é fácil, sendo por vezes carregado de obstáculos, mas deve ser trilhado corajosamente e encarado como algo estimulante, que leve à consciência o sentimento de missão cumprida.
O segundo ponto da nossa abordagem é o domínio da área do conhecimento na qual se atua. É inconcebível pensar que um profissional de Educação não domine sua área de atuação, mas infelizmente essa é a realidade de muitos docentes que são “aproveitados” para lecionar outra ciência que não a de sua formação. Não é difícil encontrarmos professores formados em Matemática que ministram aulas de Ciências ou docentes de Geografia que lecionam História e vice-versa. Isso objetiva passar segurança a seus alunos e consequentemente a toda a comunidade escolar. Este é incontestavelmente um fator desestimulante ao docente, que dedicou anos de estudos em uma área e agora necessita adentrar em outro universo, às vezes tão distante do seu. Nesse quesito, a dedicação ininterrupta ao estudo torna-se imprescindível para a carreira de mestre. Caso contrário, o educador perderá espaço.
Diante dessa circunstância, algumas secretarias de Educação já promovem cursos e estimulam profissionais a complementarem seus estudos com a segunda graduação ou especializações em diversas áreas do conhecimento. O professor, por sua vez, deve ter uma postura receptiva, tendo em vista as mudanças exigidas pela sociedade, posicionando-se na vanguarda e se antecipando à batalha do mercado de trabalho, que a cada dia seleciona o melhor.
Finalmente, discutiremos a necessidade de planejar. O docente que quer ter reconhecimento e fazer de sua carreira uma trajetória de sucesso planejará sempre suas aulas. Planejar não é sinônimo de engessamento. Organizar aulas não implica em descartar o improviso, pois até para improvisar é necessário um plano. Libâneo (1994) defende que planejamento é um guia de orientação e deve apresentar ordem sequencial, objetividade, coerência e flexibilidade.
Planejar é útil para definir metas, medir progressos, entender erros e acertos e, em muitos momentos, mudar o curso da ação se algo não está funcionando bem. Compreendendo esse propósito, o docente fará de seu planejamento um aliado, e não um tormento.
O professor que planeja sua jornada de trabalho auxilia diretamente a gestão escolar, diminuindo as demandas que chegam a esta. A escola necessita de um planejamento detalhado e contínuo para executar com esmero suas atividades cotidianas, pois a sociedade exige inclusão, preocupação com uma formação interdisciplinar, viabilização de acesso ao mundo tecnológico e formação de pessoas dotadas de ética (LAGAR apud LIBÂNEO). Nesse contexto, a gestão da escola e o corpo docente desempenham um papel fundamental, pois, através de um planejamento sério e exequível, ambos contribuirão para um ambiente saudável e de efetiva aprendizagem.
A compreensão de seu papel de mestre e o impacto dessa atividade na vida da população fazem do professor um profissional singular. Uma sociedade que valoriza a Educação oferece o melhor a seus professores. Em correspondência, o docente satisfeito com sua carreira fará de seu ofício um palco de grandes espetáculos, terá uma plateia consciente e certamente produzirá bons frutos.
Professor, acredite no seu potencial, valorize sua escolha profissional, desenvolva seu trabalho com alegria, busque novas informações, atualize-se, planeje suas aulas com seriedade e faça da docência uma carreira de sucesso.
Sérgio Marcelo Salvino Bezerra é gestor escolar na rede estadual de ensino de Pernambuco, professor na rede municipal do Recife, graduado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Gestão Ambiental (Faculdade Frassinetti do Recife – Fafire) e Psicopedagogia (Universidade Católica de Pernambuco – Unicap/Cepai).
Referências
AULETE, Caldas. Minidicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011.
FANFANI, E. T. Consideraciones Sociológicas sobre Profesionalización Docente. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 99, pp. 335–354, maio/ago., 2007a.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
FREIRE, Paulo. Paulo Freire: “Nós Podemos Reinventar o Mundo”. Nova Escola, São Paulo, v. 8, n. 71, pp. 8–13, nov. 1993. Entrevista concedida a Moacir Gadotti.
FREUD, Sigmund. O Mal-estar na Civilização. In: O Futuro de uma Ilusão, o Mal-estar na Civilização e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974. pp. 75–174.
LAGAR, Fabiana; SANTANA, Bárbara Beatriz de; DUTRA, Rosimeire. Conhecimentos Pedagógicos para Concursos Públicos. 3. ed. Brasília: Gran Cursos, 2013.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
VALLE, I. R. Carreira do Magistério: uma Escolha Profissional Deliberada? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília. v. 87, n. 216, pp. 178–187, ago., 2006.