Edição 82
Como mãe, como educadora, como cidadã
Sentimentos vividos
Zeneide Silva
Lembro-me com orgulho de um fato que aconteceu comigo, quando tinha 16 anos, que me ajudou a não ter medo de enfrentar qualquer situação em minha vida. Sei perfeitamente que o medo acontece com frequência em nossa vida, mas precisamos enfrentá-lo.
Quando concluí o magistério, em 1979, fui convidada para lecionar em uma escola de grande porte e que remunerava bem naquela época, o que me motivou a prestar vestibular, em uma faculdade particular, para o curso de graduação em Pedagogia, por me garantir a continuidade no trabalho e formação profissional. Pensei que fosse fácil passar, mas não foi, e não consegui nessa primeira vez. Fui tomada por uma imensa tristeza quando não vi o meu nome no listão. Mesmo assim, comecei a procurar o nome de algumas colegas que concluíram o magistério no mesmo período que eu, achei o nome de Maria e fui tomada por um sentimento misto de tristeza e inveja, por ela ter passado, e eu não.
Maria fazia parte de minha equipe. Muito estudiosa, seus pais exigiam muito dela, dizendo que ela deveria ser sempre a primeira da sala. Mas não era assim que acontecia. Na maioria das vezes, eu tirava notas maiores nos trabalhos, recebia elogios dos professores, e ela sempre me pedia para mentir para seus pais dizendo que minhas notas eram inferiores às dela, e eles, por sua vez, não descobrindo as mentiras, chamavam a minha atenção dizendo: “Estude mais, Zeneide!”. Mesmo assim, resolvi ir até a casa dela para dar a notícia, o que parecia uma coisa normal, já que era uma prática de 8 anos. Só que, naquele momento, nasceu em mim um sentimento ruim, a inveja, que me deixou angustiada, causando um novo misto de sentimentos, dessa vez inveja e medo. Tive medo de enfrentar essa situação, de ir até a sua casa. Quando olhei para ela, fui logo a abraçando e dizendo que estava feliz com sua vitória (internamente estava chorando de tristeza). Mesmo com toda a imaturidade de uma adolescente, decidi enfrentar um sentimento tão negativo como a inveja, que, se não fosse destruído naquele momento, poderia me causar muitos danos.
Enfrentei também o medo — que é um sentimento democrático, que atinge a todos, crianças e adultos, doutores e analfabetos, e pode nos tornar prisioneiros dele se não tivermos a coragem de enfrentá-lo. E foi o que fiz naquele momento, enfrentei o medo naquela situação. Essa atitude me ensinou muito pela vida afora. Aprendi a destruir sentimentos ruins, o que por sua vez me fez uma pessoa mais humana e justa. Analisando hoje, reporto-me à história de Edmund Hillary: “Em 1952, Edmund Hillary tentou escalar o Monte Everest, a mais alta montanha do mundo, com 8.800 metros. Algumas semanas depois de uma tentativa fracassada, pediram-lhe que falasse para um grupo de pessoas na Inglaterra. Propositadamente, colocaram uma grande gravura do Monte Everest na parede do auditório. Quando o alpinista viu a gravura, abaixou a cabeça e caminhou para o palco cabisbaixo. Mas, ao lhe perguntarem se havia desistido, ele se levantou, apontou para a figura da montanha no fundo do palco e disse em voz alta: — Monte Everest, dessa vez você me derrotou, mas na próxima eu o derrotarei, porque você já cresceu tudo o que tinha de crescer, mas eu ainda estou crescendo!”. Em maio do ano seguinte, Edmund Hillary tornou-se o primeiro homem a escalar o Monte Everest.
Com base nessa minha experiência, sugiro a vocês, educadores, que em sua proposta pedagógica, promovam, com seus alunos, vivências que trabalhem sentimentos, pois a escola, em seu papel social, pratica a intenção de exercer o controle, ficando sem resposta para os sentimentos e trabalhando apenas os conteúdos cujas respostas já domina.
Nesse sentido, depende de nós, educadores, propiciarmos a nossos alunos vivenciar os sentimentos, começando pelo medo (que aprisiona a criatividade), e os sonhos (que alimentam seus projetos de vida).