Edição 82
Espaço pedagógico
Como despertar o lado empreendedor nas crianças
Marcos Hashimoto
7 dicas de como despertar o lado empreendedor nas suas crianças, por meio de atividades simples, criativas, diferentes, sejam filhos, alunos, sobrinhos ou netos…
A maioria das características empreendedoras não diz respeito a negócios, e sim a comportamentos típicos de quem detém esse perfil; e as escolas não estão preparadas para desenvolver essas competências.
Acredito que a maioria dos meus leitores já deve ter lido muito sobre competências empreendedoras a ponto de saber que elas não são inatas, mas podem ser desenvolvidas ao longo da nossa vida. Também já podem imaginar que as competências empreendedoras não são exclusivas para quem vai montar um negócio próprio, mas cada vez mais valorizadas em todas as circunstâncias, seja na vida pessoal ou profissional (a cada dia cresce o número de anúncios de empresas buscando jovens com perfil empreendedor).
Isso não é novidade e é até esperado, uma vez que pessoas com perfil empreendedor promovem mudanças positivas, arriscam-se a fazer coisas diferentes, são hábeis em identificar oportunidades, tomam iniciativas por conta própria, são autodirigidas, sabem construir boas redes de relacionamento, procuram inovar em tudo o que fazem e não se sujeitam às regras e à pura burocracia.
Poucos talvez saibam que, embora algumas competências empreendedoras possam ser aprendidas em cursos e vivenciando algumas experiências, outras são tipicamente formadas ainda na infância. Não estou falando aqui da clássica imagem da criança que ganha uns trocados vendendo limonada na porta de casa, um ícone tipicamente americano. A seguir eu dou algumas dicas de como despertar o lado empreendedor nas suas crianças, sejam filhos, alunos, sobrinhos ou netos, por meio de atividades simples, criativas, diferentes e que podem ser envolventes e ricas.
1. Para despertar o interesse pela novidade
Vá com as crianças a um supermercado e diga que elas podem experimentar qualquer coisa que nunca tinham provado antes. Cada uma pode trazer uma coisa diferente para colocar no carrinho. Elas se divertem pelas gôndolas e trazem guloseimas com novos sabores. Nessa fase elas tomam gosto pela experimentação. O preço deste aprendizado é que elas vão experimentar algumas coisas e não vão gostar, levando a um desperdício de dinheiro, pois jogam tudo fora. Depois que elas gostarem da brincadeira, é a vez de colocar uma regra a mais. Agora elas não podem mais jogar fora o que compraram. Se não gostaram, têm que comer até o fim ou a brincadeira para. Elas até reclamam na hora de engolir, mas não querem parar de brincar, já virou um passatempo que quebra a chatice de ir ao supermercado. Assim, aprendem a ser mais criteriosas na hora da escolha. Leem o rótulo, pensam e aprendem a usar a informação para reduzir o risco da escolha errada e assim acabam criando o hábito de experimentar o diferente. Mas, lembre-se, você não pode começar a brincadeira já colocando a penalidade ou elas não entram no jogo. Primeiro elas têm que gostar da brincadeira; só depois deverá impor uma restrição para aprenderem o valor do risco.
2. Para identificar oportunidades
A melhor forma de aprender a identificar oportunidades é prestando atenção às coisas ao seu redor. Boas oportunidades estão em todo lugar e acontecem a qualquer momento. A maioria não percebe porque não está atenta. Para ajudar as crianças a ficarem mais atentas, a brincadeira consiste em fazer perguntas sobre percepção do ambiente. Ótimo para passar o tempo em locais públicos como restaurantes ou filas de espera, encontre um detalhe do ambiente e desafie-as a encontrarem coisas simples do tipo “Onde tem uma vela?”, “Onde está escrito ‘fumar’?” ou “Encontre uma criança com cabelos encaracolados”. Com o tempo, elas se acostumam a entrar em qualquer ambiente e logo prestar atenção em todos os detalhes do ambiente. Uma variável desta brincadeira, em ambientes que elas já conhecem bem, como a sua casa, é separá-las, mudar algum detalhe de lugar e chamá-las de volta, desafiando-as a descobrir o que você mudou.
3. Para avaliar riscos
Pais são normalmente avessos à exposição dos filhos a qualquer tipo de risco. Professores e babás são menos tolerantes ainda, pois são responsáveis pela segurança das crianças. Isso faz com que, involuntariamente, criemos nossas crianças em “bolhas de segurança”, que não permitem que elas vivam algumas experiências enriquecedoras. Correr um risco, desde que moderado, avaliado e controlado, sempre traz um aprendizado. O importante aqui é que os pais se perguntem: “Se algo der errado, o aprendizado decorrente do erro vai compensar o prejuízo?”. Em muitas situações, você pode expô-las a um risco no qual elas sentem a adrenalina, mas você tem o controle. Uma vez, levando as crianças para a escola, eu falei que iria dirigir seguindo as orientações deles. Eles é que iriam dizer em qual rua virar e qual caminho seguir para chegar à escola. No começo, elas adoraram ter o controle da situação, mas acabamos nos perdendo e elas ficaram muito nervosas. Claro que eu sabia o caminho certo e acabei chegando a tempo na escola, mas elas nunca se esqueceram da experiência. Tentamos mais três vezes, mas só na quarta elas acertaram o caminho. E celebraram muito!
4. Para quebrar regras
Esta é a mais difícil e não pode ser aplicada em qualquer idade. No começo as crianças precisam entender por que existem regras e como elas nos ajudam a viver de forma civilizada e ordenada. Porém, depois que isso é assimilado, elas precisam entender que existe um mundo fora do quadrado e que nem todas as regras fazem sentido ou são necessárias. O importante é não desrespeitar as leis ou os princípios éticos. Fora isso, se algo não faz sentido, pode e deve ser questionado. Na fase da adolescência, pode-se dar vazão ao espírito rebelde que se instala entre elas, dando foco e atenção aos seus questionamentos. Uma brincadeira que faço com elas é, durante uma conversa sobre um determinado assunto de interesse delas, antecipar que vou falar uma grande besteira, mas elas não vão saber qual nem quando vou falar. Continuamos a conversa e, no final, eu pergunto qual foi a grande besteira que eu falei. Elas devem adivinhar e geralmente acertam. Com o tempo eu começo a praticar isso sem avisar antes e só falo depois que eu falei uma besteira. Se elas aprenderam a prestar atenção, vão identificar logo. Com isso vão alimentando o seu espírito crítico, não aceitando mais passivamente tudo o que ouvem ou leem. Hoje, mesmo que eu não fale nenhuma besteira, elas duvidam de algumas coisas que digo, e até conseguem me provar que eu falei uma coisa errada mesmo! Este é o lado ruim da história, ruim para nós, mas ótimo para a vida delas.
5. Para ser criativo
Criatividade é o alimento da inovação. Somos tão condicionados a buscar a concordância e a aceitação pública que acabamos nos esquecendo do que nos torna diferentes e únicos. Todos querem ser iguais, e os diferentes são discriminados por não se encaixarem nos padrões de conformidade impostos pela sociedade. Existem várias brincadeiras para estimular a criatividade, e elas são mais efetivas quanto mais jovens forem as crianças, pois menos amarras possuem ainda. Uma que gostava de fazer quando elas eram pequenas era o passatempo preferido nas viagens de carro. Um de nós conta uma história, e, no meio dela, interrompemos para que o outro continue e dê um novo rumo. Assim, vamos alternando, passando de uma para outra, até que alguém a termine, e é claro que ela termina totalmente diferente de como foi iniciada. Outra coisa com que elas se divertiam era pegar histórias conhecidas e invertê-las totalmente, dando novas características aos personagens, mudando o roteiro ou imaginando novos finais inusitados e divertidos.
6. Para exercitar a autonomia
Muitas vezes achamos que nossos filhos não estão maduros o suficiente para assumirem algumas responsabilidades. Puro preconceito nosso, eles são mais espertos do que imaginamos. Assumir a responsabilidade de alguma coisa é importantíssimo para a formação deles. O exemplo clássico é ter um animal de estimação. O bichinho vai morrer se eles não cuidarem, mas a responsabilidade acaba sendo tão grande que, no final das contas, nós é que acabamos alimentando e cuidando. Entre uns 10 e 12 anos, uma brincadeira simples é dar a eles a liberdade de programarem o que fazer em família no domingo. A liberdade é total, e os pais vão cumprir tudo o que eles definirem. Eles ficam muito entusiasmados e, no começo, acabam se excedendo ou com muitas atividades ou com coisas que nem todos vão curtir. Com o tempo, eles vão aprendendo a escolher melhor as atividades, a se planejar para tudo dar certo, a ouvir o que as pessoas querem e a arcar com as consequências quando não acontece o que eles previram. O exercício da liberdade é uma droga viciante, que, uma vez experimentada, não se pode mais viver sem. Por isso, o aprendizado seguinte é exercer a liberdade, mas com responsabilidade.
7. Para ter iniciativa
As crianças têm iniciativas naturais e espontaneas. Tudo o que precisamos fazer é apoiá-las e incentivá-las. Podem ser coisas simples, como começar um blog ou receber os amigos para assistir um filme. Podem ser coisas maiores, como organizar um mutirão de ação social ou montar uma banda. O importante é sempre dar o primeiro passo, pois a empolgação cresce na mesma medida em que o envolvimento na atividade. Não critique nem reprima, pelo menos no começo. Se algo pode dar errado, alerte, aconselhe, mas não insista. Se for alguma coisa que não vá gerar muito impacto e pode ser contornada, deixe acontecer e dar errado, até essas experiências são válidas e úteis para o aprendizado. Pesquisas indicam que os pais exercem grande influência na formação de algumas características empreendedoras. Um vídeo que retrata bem isso é comercializado pela Siamar e se chama Lemonade Stories. Produzido pela Babson College, conta a história de sete empreendedores, como Richard Branson (Grupo Virgin) e Arthur Blank (Home Depot), e como suas mães os influenciaram.
Como podem ver, há várias coisas que podemos fazer com as crianças. Algumas podem dar trabalho, mas é recompensador ver os resultados, ver como elas crescem espertas, ativas, maduras.
Sempre que possível, tente dar um aspecto lúdico à atividade, uma brincadeira, um jogo, um desafio. Vai ser mais divertido, e elas se envolvem mais. Tome um cuidado especial para não forçar a barra. Lembre-se de que alguns aprendizados requerem um esforço não natural e que somos diferentes uns dos outros. Se uma pessoa é naturalmente tímida e introvertida, não a force a se expor em público. O tiro pode sair pela culatra.
Alguns comportamentos são condicionados e podem ser modificados, mas traços de personalidade não. Eu mesmo procuro praticar isso o tempo todo com meus três filhos. Não sei se eles vão montar seu próprio negócio no futuro, mas tenho certeza de que estarão mais bem preparados para enfrentar o mundo do que muitos de seus amiguinhos.
Marcos Hashimoto é coordenador do centro de empreendedorismo da Faap, consultor e palestrante.
Endereço eletrônico: hashi.marcos@gmail.com.