Edição 20

Lendo e aprendendo

SOLIDARIEDADE

A palavra solidariedade pode ser enganosa. De fato, os membros de uma quadrilha de estelionatários, por exemplo, podem ser solidários entre si, ajudando-se e protegendo-se mutuamente. A mesma coisa pode acontecer com os membros de uma corporação profissional: alguns podem encobrir o erro de um colega para evitar que a imagem da profissão seja comprometida. Nesses casos, a solidariedade nada tem de ético. Pelo contrário, é condenável, pois só ocorre em benefício próprio: se a quadrilha ou a corporação correr perigo, cada membro em particular será afetado. Portanto, ajuda-se os outros para salvar a si próprio.

O enfoque a ser dado para o tema solidariedade é muito próximo da idéia de generosidade: doar-se a alguém, ajudar desinteressadamente. A rigor, se todos fossem solidários nesse sentido, talvez nem fosse preciso pensar em justiça: cada um daria o melhor de si para os outros.

A força da virtude da solidariedade dispensa que se demonstre sua relevância para as relações interpessoais. Porém, o que pode às vezes passar desapercebido são as formas de ser solidário. Não se é solidário apenas ajudando pessoas próximas ou engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente, por exemplo). Essas formas são genuína tradução da solidariedade humana, mas há outras. Uma delas, que vale sublinhar aqui, diretamente relacionada com o exercício da cidadania, é a da participação no espaço público, na vida política. O exercício da cidadania não se traduz apenas pela defesa dos próprios interesses e direitos (embora tal defesa seja legítima), mas passa necessariamente pela solidariedade (por exemplo, atuar contra injustiças ou injúrias que outros estejam sofrendo). É pelo menos o que se espera para que a democracia seja um regime político humanizado e não mera máquina burocrática.

Conteúdos a serem trabalhados:
Identificação de situações em que a solidariedade se faz necessária.
Formas de atuação solidária em situações cotidianas (em casa, na escola, na comunidade local) e em situações especiais (calamidades públicas, por exemplo).
Resolução de problemas presentes na comunidade local, por meio de variadas formas de ajuda mútua.
Providências corretas, como alguns procedimentos de primeiros socorros, para problemas que necessitam de ajuda específica.
Conhecimento da possibilidade de uso dos serviços públicos existentes, como postos de saúde, corpo de bombeiros e polícia, e formas de acesso a eles.
Sensibilidade e disposição para ajudar as outras pessoas, quando isso for possível e desejável.

Convívio escolar e demais áreas
A solidariedade está naturalmente relacionada com os outros valores até aqui abordados. Na verdade, todos eles estão interligados: trabalhando-se um, necessariamente trabalham-se os outros. A moral (e isso vale para todo o domínio intelectual) não é um somatório de regras e valores. Antes, é um sistema dentro do qual os diversos elementos estão inter-relacionados. Ao se enfatizar a dignidade do ser humano, realça-se a necessidade de se fazer justiça, de se respeitar direitos, o que implica o respeito mútuo. Ao se falar de justiça, de direitos, fala-se de igualdade e, portanto, de dignidade. Ao se incentivar o respeito mútuo, incentiva-se o diálogo. E assim por diante. Não é diferente para a solidariedade: o ideal de dignidade do ser humano a move, o respeito mútuo a reforça, o senso de justiça lhe dá rumos, o diálogo a enriquece.

No que diz respeito ao convívio escolar, as orientações didáticas gerais também são as mesmas para a solidariedade e para os demais valores: a prática e a reflexão são essenciais. Portanto, em se tratando de solidariedade, deve-se levar os alunos a praticá-la e a pensar sobre ela em conjunto com os outros valores. Oportunidades não faltam, na escola e fora dela, para tal prática.

Em sala de aula, por exemplo, em vez de incentivar a competição entre os alunos ou a sistemática comparação entre seus diversos desempenhos, é preferível fazer com que eles se ajudem mutuamente a ter sucesso nas suas aprendizagens: aquele que já sabe pode explicar àquele que ainda não sabe, aquele que não sabe deve poder sentir-se à vontade para pedir ajuda, para perguntar, sem temer a vergonha de ser sistematicamente comparado com os outros e colocado em posição de inferioridade. O aluno que apresenta dificuldades não deve ser zombado ou humilhado; antes, deve ser incentivado por todos.

Fora da sala de aula, é também possível fazer muitas coisas que reforcem a solidariedade, sentimento que toda criança, ainda pequena, tem na sua bagagem afetiva. Cada comunidade deve escolher quais as ações que os alunos de sua escola podem realizar para participar de forma solidária dos problemas existentes. Mas a solidariedade não deve ser apenas apresentada e incentivada como valor desejável: deve-se também instrumentalizar os alunos para que possam, de fato, traduzi-la em ações. Um belo exemplo pode ser dado com o tema Saúde. Alguém está passando mal ou teve um acidente. O mínimo sentimento de solidariedade exige que se o ajude. Porém, como fazer? O que fazer? Se for o caso, a quem chamar? Para onde transportar a pessoa? Sem esses conhecimentos básicos, a solidariedade fica apenas na intenção. Portanto, é imperativo que a escola instrumentalize seu aluno. No exemplo dado, que lhe dê noções de primeiros socorros, conhecimentos sobre a rede de saúde (postos, hospitais, pronto-socorros, etc.) E essa atuação deve ser generalizada para outros conteúdos. Assim, sem prejuízo da formação geral, sem prejuízo da aprendizagem de conhecimentos que transcendem o dia-a-dia, a escola sensibilizará e instrumentalizará os alunos para o convívio do cotidiano. Estará, na prática, articulando formação escolar e cidadania.

Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais: ética. 2. ed. Secretaria de Educação Fundamental. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 111 a 113 e 131 a 133.

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