Edição 84

Professor Construir

Sou professor, como devo me posicionar diante das expressões da SEXUALIDADE INFANTIL?

Sérgio Marcelo Salvino Bezerra

mother_son_20120508-[Co_optEntre tantas definições, pode-se considerar sexualidade como as muitas formas, jeitos e maneiras que o ser humano busca para obter ou expressar prazer. Freud (1917), em seus estudos investigativos, afirma que a função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só a partir da puberdade, como afirmavam as ideias dominantes no início do século XX. Segundo ele, a sexualidade infantil pode ser entendida como a manifestação e a busca pelo prazer humano.

Quando se fala em sexualidade infantil e como ela se manifesta, pode-se afirmar que os lábios da criança se comportam como zona erógena e o ato de chuchar no seio da mãe é, sem dúvida, a origem de uma sensação prazerosa. Entende-se com isso que a atividade sexual tem seu início bem antes da idade escolar, apoiada numa função de preservação à vida e que só mais tarde se tornará independente desta. O sugar com deleite é uma manifestação primária da sexualidade infantil, pois, nesse período, a criança não conhece nenhum outro objeto sexual. É o autoerotismo ligado completamente à ingestão de alimentos o que excita a mucosa dos lábios e a cavidade bucal. Uma fase bela e de grande importância para o desenvolvimento da sexualidade infantil.

Freud (1917) assegura que o objeto sexual da pulsão infantil consiste em provocar a satisfação (prazer) mediante a estimulação apropriada da zona erógena que, de algum modo, foi escolhida. Ele acreditava na missão da educação de prevenir neuroses. A experiência psicanalítica revelou o pluralismo dos componentes da sexualidade, assim como a existência de outras zonas erógenas, além dos órgãos genitais, as chamadas pulsões parciais: componentes não genitais, quase sempre em ação nos sintomas neuróticos.

Ao longo do, denominado por Freud, período de latência (interrupção da atividade sexual entre 5-6 anos até a puberdade), o sujeito passa a desenvolver um comportamento de renúncia da libido e seu foco é deslocado para atividades socialmente aceitas. Nesse período, a criança passa a gastar suas energias nas brincadeiras e nas atividades escolares.

Braga (2008) declara que a sexualidade na criança nasce masculino-feminina, macho ou fêmea, e, posteriormente, será homem ou mulher. Adicionam-se a isso fatores que modelam o indivíduo, a exemplo da forma como a sua família concebe o que é masculino e o que é feminino. Entram em cena, nesse momento, as configurações familiares que exercem papel fundamental na educação sexual e, consequentemente, na sexualidade infantil. Isso é de extrema relevância para a prática cotidiana dos educadores, pois, a partir dessas concepções, a compreensão da sexualidade infantil será facilitada.

A sexualidade é reconhecida como um instinto com o qual as pessoas nascem e que se expressa de formas distintas de acordo com as fases do desenvolvimento apontadas por Freud: fase oral, fase anal, fase fálica e período de latência. É importante salientar que essas fases devem ser naturalmente vividas em seu momento próprio, pois uma sobreposição entre elas poderá acarretar um processo neurótico na idade adulta. Tal situação sendo detectada, a criança deverá ser submetida à intervenção psicológica a fim de corrigir prováveis dificuldades de aprendizagem e de sua educação enquanto sujeito em formação. Nessa intervenção, ocorre uma transferência de pulsões, na qual a criança, na condição de paciente, criará vínculos com um profissional, transferindo-lhe naturalmente suas pulsões positivas ou negativas, o que deverá conduzi-la à cura. Esse método de tratamento foi desenvolvido por Freud e pode ser chamado de arqueologia da alma, na qual a prospecção é feita por um psicanalista que busca trazer a lume as experiências traumáticas passadas que provocaram os distúrbios psíquicos no sujeito.

O breve relato acima, em relação à concepção da sexualidade, objetiva auxiliar na compreensão da sua importância na vida de cada estudante que ingressa no ambiente escolar. Estudante este que não traz claramente sua história de vida à escola, muito menos no que se refere à sua sexualidade, já que esta ainda se constitui um tabu na sociedade e, sobretudo, nas nossas instituições de ensino, que, infelizmente, não estão preparadas para receber a criança como ela necessita.

Compreendidas as fases de desenvolvimento abordadas por Freud, focaremos nossa interação no que ele denominou de período de latência. Para os educadores, esse pode ser o ponto-chave para a compreensão da sexualidade infantil, tendo em vista ser um período sem muitas expressões, fazendo com que os valores morais da sociedade se evidenciem e que, por consequência, venham tolher o desenvolvimento sexual da criança.

Em 1905, Freud criticou a educação e a moral sexual por proibirem as manifestações da sexualidade genital na época da adolescência, o que, segundo ele, causaria danos definitivos à função reprodutiva. Certamente, à época, isso repercutiu de forma polêmica, levando-se em conta o contexto histórico daquele momento.

A questão agora: como escolas e professores estão se posicionando diante dessa temática?

Pensando no papel da escola e em como os educadores trabalham a sexualidade infantil juntamente com outras instâncias da sociedade, constata-se, sem muito esforço, que nem sempre os professores se envolvem com o assunto na intensidade necessária e, muitas vezes, quando o fazem, é de forma reducionista, atendo-se apenas a questões biológicas da reprodução.

Essa temática ainda não é muito difundida entre educadores, apesar de ser objeto de pesquisa de muitos estudiosos atuais. Existem educadores que apresentam elevada angústia quando se veem diante de perguntas sobre a sexualidade que chamamos aqui de manifestações sexuais na infância. A carência de materiais adequados, a falta de conhecimento teórico, preconceitos, mitos e tabus que a própria sociedade reforça também podem ser citados como fatores responsáveis por tantos educadores não aceitarem assumir esse desafio.

Por ser uma necessidade básica do ser humano e por encontrar-se estritamente relacionada ao pensamento e à ação, a sexualidade é fundamental na formação da personalidade. Com isso, tem ganhado espaço em estudos científicos, mas que ainda não adentraram em nossas escolas de maneira didática e com linguagem acessível e eficaz.

Cabe-nos agora delinearmos nosso posicionamento enquanto educadores a fim de definirmos nossa prática diante dos desafios propostos pela sexualidade infantil. É necessário, antes de qualquer iniciativa, ampliar o entendimento sobre o significado de dimensão existencial e a ordem individual, o que seria um importante passo para a compreensão do sujeito e de suas peculiaridades. Temos a obrigação de não fugir das perguntas sobre sexualidade, mas encarar o assunto de forma natural, pois se trata de uma essência do ser humano desde sua infância até sua morte.

Perguntas simples pedem respostas simples, e estas devem ser passadas à criança com muita tranquilidade e com cuidados pertinentes à sua idade. Temos a consciência de que a infância é considerada a época da aquisição subjetiva e sociocultural da identidade humana. A criança geralmente não quer detalhes, mas uma resposta breve e sem complicações sobre algo que lhe despertou a curiosidade, como ocorre principalmente com os estudantes das séries iniciais da Educação Básica.

É bem verdade que a sexualidade infantil é diferente de acordo com a idade e o ambiente sociocultural ao qual a criança pertence. Nisso, cabe ao professor ter a sensibilidade de entender cada sujeito e, no momento próprio, mostrar aos seus alunos que meninos e meninas não são tão iguais fisicamente quanto aparentam. É preciso entender cada fase do desenvolvimento da criança e identificar as ferramentas adequadas, utilizando-as corretamente, observando a receptividade de seus alunos, suas reações e os resultados obtidos.

Acreditamos que as etapas do desenvolvimento não devem ser queimadas, e sim respeitadas e vivenciadas da forma mais saudável possível, restando-nos apenas buscar o entendimento que for necessário naquele momento. Não podemos negar as dificuldades e certamente uma lacuna na formação docente no que concerne à sexualidade infantil. Os cursos de graduação não contemplam eficazmente a importância da temática. Os licenciados saem da universidade sem habilidades suficientes para enfrentar o exigente mercado de trabalho. Talvez alguns tabus precisem ser quebrados e alguns paradigmas, desmistificados para que os educadores encarem o assunto com naturalidade, mas até para isso é necessário formação específica, que dê o devido enfoque à sexualidade infantil.

Em seu tempo, Freud se posicionou na vanguarda, provavelmente evocando situações que para a época se tornaram conflituosas. A moral, a ética, e — por que não citar? — a formação cristã da nossa sociedade conduzem a maioria dos profissionais a um posicionamento superficial e por vezes neutro, fruto de um despreparo e uma tentativa de fuga da problemática.

As instituições de ensino, sobretudo de Educação Infantil, não podem se isentar de tratar a temática de forma séria e profissional. A questão precisa ser concebida em âmbito interdisciplinar e em parceria constante com a família de cada criança. A sexualidade infantil não deve ser tratada como um problema que poderá surgir na vida da criança, mas como um estágio da vida dela. Estágio este que deverá ser acompanhado e compreendido pelos educadores, cabendo a estes uma postura profissional e coerente com a realidade de cada sujeito.

Prezado professor, não é fácil encarar o dia a dia da profissão de mestre, no entanto é preciso ter a certeza de que sua postura diante das manifestações da sexualidade infantil proporcionará a seu aluno segurança e conforto emocional. A criança poderá até não se lembrar de você na vida adulta, mas certamente você deitará todos os dias com a convicção de que sua missão enquanto educador está sendo cumprida e de que efetivamente contribui para a formação de adultos sadios e menos sujeitos a neuroses.

Trabalhar questões sobre sexualidade infantil não é simples, mas essencial para o desenvolvimento da criança. Busque se aperfeiçoar, troque experiências com colegas de profissão e não deixe que as barreiras se tornem intransponíveis. Afinal, seu aluno merece o melhor: você.

Pense nisso.

Sérgio Marcelo Salvino Bezerra é professor na rede estadual de ensino de Pernambuco e na rede municipal do Recife, graduado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em Gestão Ambiental (Faculdade Frassinetti do Recife – Fafire) e Psicopedagogia (Universidade Católica de Pernambuco – Unicap/Cepai).
Endereço eletrônico:
sergiobezerra.prof@gmail.com.

 

Referências

ALMEIDA, Marina S. Rodrigues. A Sexualidade na Sala de Aula. Disponível em Acesso em 23.03.2015.

BRAGA, Marileide Ribeiro (2008). Conhecendo a Sexualidade Infantil. Disponível em Acesso em 20.04.2015.

FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. 7. p. 129-236. Stud. (Bd. 5, S. 37-145). Frankfurt am Mein: Fischer Verlag. (1982). (Texto original publicado em 1905a).

––––––––. Conferência 20. A Vida Sexual dos Seres Humanos. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. 16. p. 355-373. Stud. (Bd. 1, S. 300-314). Frankfurt am Mein: Fischer Verlag. (1982). (Texto de 1916–1917, original publicado em 1917a).

ROCHA, Silvia. Teoria da Sexualidade Segundo S. Freud. Disponível em Acesso em 08.05.2015.

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