Edição 121

A fala do mestre

Sua escola está preparada para os novos tempos?

Leo Fraiman

Quando ouvimos essa pergunta, prontamente tendemos a pensar em termos de tecnologia. Analisamos se temos condições de transmitir as aulas, se as salas estão equipadas com bons microfones e câmeras e se nossos professores sabem lidar com o ensino híbrido. Isso significaria que estamos preparados para os novos tempos? Não, claramente não. Isso é apenas uma pequena ponta visível do que temos que cuidar no porvir.

Caímos facilmente nessa miopia, pois estamos, praticamente todos, mais viciados do que tendemos a perceber. Antes mesmo da pandemia, já eram conhecidos alguns estudos mostrando que o brasileiro tende a ficar pelo menos 10 horas por dia na frente de telas diversas, que clicamos para desbloquear nossos smartphones nada menos do que 200 vezes ao dia. É um fenômeno mundial e que, no Brasil, pode colocar em risco toda uma geração de crianças e jovens.

Somado ao perigoso vício em telas está um outro vício: fazer os filhos felizes. Isso chegou a ser estudado em meu livro A síndrome do imperador, em que demonstro que um filho que não é educado a esperar, a se frustrar, a dividir, a resolver por si aquilo que lhe cabe pode facilmente se tornar cronicamente imaturo, intolerante, irritadiço, inseguro, insatisfeito, ingrato, inadequado, incapaz, instável e imperativo. A síndrome do imperador é prejudicial aos filhos, aos pais, aos educadores e aos demais que convivem com as crianças e os adolescentes. Todos sofrem com ela. Pense nas crianças que têm tudo o que querem. Naquelas que gritam ou até batem nas mães. Nas que deixam a brinquedoteca toda bagunçada depois que saem. Nas que não aceitam limites ou nas de famílias que não aceitam que os educadores estabeleçam limites.

menina_s_ria_pare_AdobeStock_299941650_Cookie_StudioTodas essas características tendem a se mostrar ainda mais presentes na volta s aulas do segundo semestre e, ainda mais, no próximo ano, haja vista que, além da crença anterior de que cabe aos pais e as mães a responsabilidade de fazer as crianças felizes o tempo todo e a qualquer custo, depois de tantos meses sendo privados de liberdade, de contato direto com amigos e de tudo o mais que todos passamos nesta pandemia, poderá ser comum ouvirmos das famílias: “Tadinho do meu filho, já passou por tanta coisa, deixa ele ser feliz”, e lhe dar mais e mais mimos e privilégios.

Ora, passamos, sim, todos, por inúmeras provações, privações e até provocações nestes delicados tempos pandêmicos. Mas há famílias que tiraram disso o aprendizado de rever a divisão de tarefas dentro de casa, redefinir limites, ressignificar liberdades e recriar rotinas a fim de manter alguma saúde mental, com uma postura empoderada dos adultos. Mas, infelizmente, o que mais observo hoje em dia são pais e mães que, cansados e vaidosos, já não se esmeram sequer em buscar um fortalecimento de sua autoridade dentro de casa e deixam as coisas nas mãos dos filhos mesmo. “Filho, não faz assim com a mãe”, “Filho, o que você quer comer?”, “Filhinha, você não quer desligar o telefone e vir jantar?”, “Ah, tá bom, você que sabe”.

A vaidade é exibir o totem narcísico pela weblândia. Observe nas redes sociais quem aparece na foto de identificação do WhatsApp, por exemplo. Com frequência é a mãe e os filhos ou apenas as crianças. A mãe foi escanteada de seu papel. Ela, por si só, já não existe. Está desempoderada. O que há é a mãe do Paulinho. Parece normal que toda criança fique fazendo as dancinhas do Tik Tok e que, nas refeições, momentos de lazer e até na cama, esteja lá, onipresente, o telefone celular. Faça esta pesquisa: veja nas redes sociais de seus amigos que têm filhos quantos posts eles fazem exibindo seus principezinhos, suas princesinhas, seus filhinhos imperadores e perceba se há algum exagero nas minhas palavras.

Michel Desmurget, em seu livro A fábrica de cretinos digitais, mostra os perigos de estarmos formando uma geração cujo QI já é menor do que o de seus pais, pela primeira vez na História.

Agora, vamos refletir. Somos educadores, somos aqueles que não se esquivam diante das adversidades, e sim buscamos os caminhos. Se, por um lado, não podemos fechar os olhos diante das dificuldades, também não precisamos nos perder nelas. Olhemos adiante buscando caminhos. As boas notícias vêm agora.

Em primeiro lugar, vale lembrar que condição é diferente de condenação. Perceber o que estamos vivendo — e seus perigos — pode nos ajudar a buscar as ressignificações de crenças e as readequações de papéis que precisamos. Falei muito disso em minha última matéria nesta Revista quando compartilhamos saberes do meu mais recente livro Superação e equilíbrio emocional. Mostrei que ser humano é ser indeterminável, ou seja, podemos receber influências do mundo externo, mas cabe a nós decidir o que fazer com os estímulos que recebemos do meio ambiente. Esta é uma das mais poderosas características do ser humano: a capacidade de fazer escolhas e alinhar o destino ao sentido que decidimos dar s nossas vidas.

Uma boa estratégia para isso é uma campanha de educação familiar, que pode ser feita com diversas frentes de conhecimento a partir da escola. Por campanha, quero dizer aqui não somente palestras, como também rodas de debate, oferta de conteúdos em sites e redes sociais, newsletters, cartas, mensagens via WhatsApp, cartazes afixados em locais estratégicos, encontros temáticos, lives, dinâmicas de grupo com profissionais externos, reuniões temáticas conduzidas pelo time interno e outras mais. Não há bala de prata, mas nem tudo está perdido.

Esta é uma das mais poderosas características do ser humano: a capacidade de fazer escolhas e alinhar o destino ao sentido que decidimos dar s nossas vidas.

Professores de Filosofia podem trazer interessantes saberes dos pensadores que eles mesmos estudam sobre a frustração, sobre valores, sobre a arte de moderar nossos comportamentos. A equipe de Biologia, junto com os educadores físicos, pode ajudar a pesquisar livros, posts, podcasts, links de filmes úteis para orientar os pais sobre a importância de comermos sem a presença de telas na mesa, de dormirmos com o celular fora do quarto, sobre como educarmos nosso cérebro para obtermos mais foco durante os estudos e a leitura por exemplo. Imagine os professores de Literatura trazendo interessantes dicas de leitura, poesias e textos inspiradores que ajudam os familiares a debaterem em casa sobre caminhos para a superação, para fomentar uma cultura de paz e solidariedade. Livros como o Diário de Anne Frank, Jardim secreto e tantos outros podem ajudar muito nesse sentido. Que tal o time de História promover uma roda de conversa sobre superação, mostrando como grandes líderes encontraram forças nas adversidades para ajudar tanto os adultos como os alunos a encontrarem narrativas de vida para se inspirarem?

Há diversas formas de inspirar cada um dos pais, das mães, dos responsáveis a trabalharem ao lado da escola a fim de formarmos não mais os melhores alunos do mundo, mas, sim, os melhores seres humanos para o mundo. Dá trabalho, sim, mas, em educação, praticamente tudo que dá trabalho fazer pode dar ainda mais trabalho se não for feito.professora_abra_o_alunos_AdobeStock_306107275_Robert_Kneschke

Outra possibilidade é oferecer, sistematicamente, intervenções voltadas s competências socioemocionais. A Metodologia OPEE (Projeto de Vida e Atitude Empreendedora) é uma solução voltada formação de competências socioemocionais que atua nas três frentes citadas: forma educadores, auxilia as famílias e oferece intervenções e projetos sistemáticos junto aos alunos para uma educação integral e integrada. Há mais de 20 anos, oferece nas escolas um trabalho consistente voltado ao autoconhecimento, inteligência emocional, s escolhas profissionais com conhecimento do mercado de trabalho e uma educação financeira com base na sustentabilidade. Hoje em dia, a BNCC diz que essa formação é essencial para os novos tempos, e estudos da OCDE amparam essa orientação.

A situação é delicada, mas há caminhos, e cada um deles se soma aos demais. Estamos em um tempo histórico que nos remete ao coletivo. Somente com a união de esforços conseguiremos mudanças significativas para o bem comum. Por isso, concluo aqui lembrando que o sucesso de um programa como este deve começar com um conjunto de cuidados com a pessoa do educador, que teve que se reinventar em meio pandemia e que tem sofrido os maiores índices de estresse ultimamente.

Cuidar da pessoa do educador é criar estratégias de acolhimento, cuidados com a sua saúde mental, rituais de humanização nos tratos e nas relações humanas e, sobretudo, rever seu papel na instituição. Ele, mais do que todos e mais do que nunca, merece ser valorizado, olhado, cuidado e incentivado, pois, se em terra de cego, quem tem olho é rei, em tempos de vício tecnológico, quem tem educadores saudáveis e felizes é soberano.

Leo Fraiman é psicoterapeuta, palestrante internacional, escritor e autor de mais de vinte livros, dentre os quais se destaca a Metodologia OPEE (Projeto de Vida e Atitude Empreendedora), presente em mais de 1.500 escolas no Brasil. Foi conferencista na ONU no Simpósio Internacional – Formando Lideranças para o Desenvolvimento Futuro, em Genebra, Suíça. Com mais de 30 anos de carreira, foi membro do Comitê Mundial de Educação para a Autonomia, em Paris; ganhador do Prêmio Shift – Agentes Transformadores, com o case da Metodologia OPEE; e, atualmente, é autor aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) com a obra Pensar, sentir e agir.

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