Edição 51
Matérias Especiais
Trajetória de um herói brasileiro
Francisco Viana
1902. 12 de setembro. Nasce Juscelino Kubitschek de Oliveira, em Diamantina (MG). Era filho de João César de Oliveira, caixeiro-viajante, e Júlia Kubitschek, professora primária. No mesmo ano, Rodrigues Alves, ex-monarquista e ex-conselheiro do Império, é eleito presidente da República; Os Sertões consagram o escritor e jornalista Euclides da Cunha; e, em São Paulo, uma rebelião monarquista é sufocada, abrindo caminho para a adesão em massa dos adeptos do Antigo Regime à República, na expectativa de manter seus privilégios e interesses.
1905. 10 de janeiro. Morre o pai de Juscelino, João César. Nas suas memórias, anotou, com carinho: “Na verdade, mal conheci meu pai e, naquela idade, não poderia conservar dele maiores recordações pessoais. Deve ser, assim, talvez um pouco fantasiosa e estranha a imagem que, de sua figura humana, se constitui em meu espírito. Às poucas reminiscências, acrescentaram-se as narrativas de minha mãe e dos parentes, a contemplação dos retratos que se encontravam na casa e, mais tarde, confidências de amigos e de pessoas que o haviam conhecido”.
1914. Então com 12 anos, o menino Juscelino — Nonô, como era conhecido —, sem dinheiro para custear os estudos em Barbacena ou Belo Horizonte, vai estudar no seminário em Diamantina. Os colegas lembrariam dele como um “garoto inteligente, vaidoso, que fazia questão de estar entre os primeiros”. Termina os estudos antes de completar 15 anos.
1919. Juscelino e seu inseparável José Maria Alckmin fazem exame para telegrafista em Belo Horizonte e são aprovados entre 89 candidatos. Para custear a viagem, sua mãe vendeu as joias da família. JK só seria admitido em 19 de maio de 1921, depois de exaustivos estudos do código Morse, que ele conhecia razoavelmente desde as primeiras provas. Ele e Alckmin se conheceram em 1916. O futuro ministro da Fazenda de JK, que fora ajudante de tripeiro, partilha de muitas das dificuldades para estudar e sobreviver na adolescência. Foram amigos por toda a vida. Advogado, era de uma estirpe de políticos que se costuma chamar em Minas de raposa felpuda, daqueles que, de tão hábeis e discretos, são capazes, como reza a lenda, de “tirar as meias sem tirar os sapatos”.
Juscelino Kubitschek junto a Israel Pinheiro da Silva, que, como presidente da empresa Novacap, foi o responsável pela nova Brasília. A fotografia capta o momento da entrega das chaves da nova capital em 1960. (foto ao lado)
1921. Em dezembro, JK é aprovado no vestibular da faculdade de Medicina. Seu colega, Pedro Nava, se surpreendia com a energia e a resistência do telegrafista, que trabalhava durante as madrugadas e, às 8h da manhã, estava pronto para as aulas. A faculdade, fundada há onze anos numa cidade que acabara de completar o 20º aniversário, era menos famosa que a faculdade de Direito, originária de Ouro Preto, mas se destacava pela qualidade do ensino e pelo rigor à disciplina. Juscelino não fumava, não bebia; gostava, porém, de dançar. Suas notas eram excelentes, com a classificação sempre variando entre distinção e plenamente. A colação de grau ocorreu em 17 de dezembro de 1927. JK revelou-se excelente cirurgião. Não se interessava muito pela política.
1923. Juscelino Kubitschek vai ao Rio de Janeiro e contempla o mar pela primeira vez. Gostava de sentir o cheiro da maresia, caminhar pela Praia do Flamengo, pisar na areia com os pés descalços e admirar a imponente silhueta do Pão de Açúcar. 1927. Juscelino diploma-se médico e passa a clinicar no consultório de Júlio Soares, seu cunhado. Em Minas, termina o ciclo de poder do Governo Arthur Bernardes, e se inicia o Governo Antônio Carlos de Andrada.
1930. Em abril, Juscelino, que tinha visto um automóvel aos 21 anos e que, antes de ver o mar, no Rio de Janeiro, não tinha na memória a visão de um rio ou de um lago sequer, partiu de navio para Paris. A travessia do Atlântico se prolongou por 24 dias. Especializou-se em Urologia, viajou pela Europa e pelo Oriente. Adquiriu autoconfiança. Fez amizade com o pintor Candido Portinari e o ator Leopoldo Froes. Tomou consciência do lugar que o Brasil tinha a desempenhar no mundo. Retornou ao Rio de Janeiro em novembro de 1930, pouco depois de Getúlio Vargas e os tenentes assumirem o poder, e de Olegário Maciel sagrar-se, em Minas, general civil do novo governo revolucionário. Chegando a Belo Horizonte, instalou seu consultório, trabalhando também na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital São Lucas. Acompanhava a movimentação política do País, vendo as velhas oligarquias perderem terreno e a carcomida República Velha desfazer-se em caos. No entanto, não demonstrava interesse maior pela vida pública.
1931. JK casa-se com Sarah de Souza Lemos, uma jovem de família tradicional que conhecera numa festinha em Belo Horizonte, numa época em que os namoros aconteciam nos clubes e nos passeios na Praça da Liberdade. O clã dos Lemos descendia, pelo lado paterno, do Barão do Rio Verde; a mãe de Sarah era filha do comendador José Duarte da Costa Negrão, próspero proprietário de terras, e seu pai representou Minas no Congresso por longas três décadas. O casamento foi uma cerimônia simples e discreta, a mais íntima possível, na Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Sarah, com um vestido longo, muito elegante, não usou véu e grinalda, como rezava a tradição. O casal passou a lua de mel no Hotel Londres, na Avenida Atlântica, que hoje não mais existe, e comemorou o réveillon no Copa- cabana Palace, retornando em seguida para Belo Horizonte, onde foi morar numa casa alugada, com dois pavimentos e um enorme jardim, na Avenida Paraúna. Eufórico, escreveu JK: “Casa nova. Vida nova. E, consequentemente, mais amplos projetos para o futuro”.
1932. Por indicação de Gabriel Passos — então secretário particular do presidente do Estado de Minas Gerais, Olegário Maciel —, Juscelino é nomeado chefe do Serviço de Urologia do Hospital da Polícia Militar, no posto de capitão-médico. Em 9 de julho de 1932, São Paulo iniciou uma revolução com a proposta de reconstitucionalizar o País. Convocado, em 16 de julho, para servir em Passa Quatro (MG), fez amizade com o então delegado de polícia da região, Benedito Vala- dares, que viria a ter importante influência na sua ascensão política. Após a rendição de São Paulo, em 1º de outubro de 1932, Juscelino, então capitão-médico, retornou a Belo Horizonte prestigiado pelos excelentes serviços na frente de combate. Em banquete em sua homenagem oferecido pela oficialidade, foi definido como “o bisturi de ouro da polícia militar mineira”, e o governador Olegário Maciel o distinguiu com um convite para uma audiência no Palácio da Liberdade. O médico competente começava a ceder lugar ao político idealista e genial.
1934. Em 16 de julho, com a promulgação da nova Constituição, iniciaram-se as articulações tendo em vista as eleições de 4 de outubro. Em Minas Gerais, formaram-se dois partidos: o Partido Republicano Mineiro (PRM), chefiado por Arthur Bernardes, e o Partido Progressista (PP), chefiado por Antônio Carlos e Andrade. Juscelino ingressa no PP e inicia sua carreira política como chefe do gabinete do recém-nomeado interventor federal em Minas Gerais, Benedito Vala- dares. Nesse mesmo ano, é eleito deputado federal, sendo o mais votado.
1935–1937. No cargo de secretário do PP, Juscelino tem atuação discreta, mas firme. Constrói bases sólidas em Diamantina, inaugurando um estilo político totalmente novo e que seria a marca registrada da sua carreira: ia de casa em casa apertando a mão de todos os moradores e solicitando seu voto. Resultado: elegeu onze dos quinze vereadores, além do prefeito. Com o fechamento do Congresso, após o golpe do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, Juscelino voltou a seu consultório médico e à chefia do Serviço de Urologia do Hospital Militar.
1940. Nomeado prefeito de Belo Horizonte por Benedito Valadares e empossado em 18 de abril, Juscelino transforma a capital mineira num gigantesco canteiro de obras e revela o seu talento como político e administrador. Como administrador, consagrou-se com a realização de grandes obras, entre elas o conjunto arquitetônico da Pampulha, que se transformou num marco da moderna arquitetura brasileira. Como político, revelou-se um democrata radical. Ao inaugurar a sede da Cultura Inglesa, em 1941, no auge do Estado Novo, acentuou que a “Inglaterra havia se transformado no baluarte da liberdade no mundo e que, para ela, deviam se voltar, em busca de inspiração, todos aqueles que viviam sob a opressão e amavam, acima de tudo, o respeito e a dignidade do homem”. O chefe de polícia de Minas, Ernesto Dornelles, revidou, em tom cordial, em conversa particular: Francisco Nilo Gonsalves (Arquivo público do Distrito Federal) “Gostei da sua pregação democrática, Juscelino. Mas o seu discurso é de fazer qualquer um perder o cargo”. Não perdeu o cargo, e tal foi a repercussão do discurso que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, ganhou de Winston Churchill um punhal fabricado com estilhaços de uma bomba lançada pelos nazistas, além de uma coleção de livros do grande estadista inglês, com dedicatória de próprio punho.
1945–1949. Ingressando no PSB, partido nascido sob o manto protetor de Getúlio Vargas, foi novamente eleito deputado federal, exercendo o mandato de 1946 a 1950, período que aproveitou para viajar e estudar as experiências de desenvolvimento nos Estados Unidos e no Canadá. Conheceu a Biblioteca do Congresso, em Washington, e o Metropolitan Museum. Surpreendeu-se com a estrada que liga Toronto aos EUA, “com seis pistas de rolamento, com três mãos cada uma”. Surpreendeu-se também ao constatar que os cerca de 80 mil veículos que viu estacionados em grandes áreas privadas da Ford, em Detroit, pertenciam aos operários das fábricas e não tinham saído das linhas de montagem, como ele imaginara, para ser vendidos no mercado consumidor. Foi quando viu e sentiu “o caminho que deveríamos seguir. E, mais importante ainda, o sentido, a direção, o rumo que os governos do nosso país tinham de imprimir ao nosso progresso”. Nas suas memórias, concluiu: “Ser político é uma vocação. Mas, para se transformar num estadista, tem-se necessidade de passar por um longo e duro aprendizado”.
1950. As eleições marcaram a volta de Getúlio Vargas à Presidência da República e a vitória de Juscelino Kubitschek como governador, derrotando Gabriel Passos, o candidato da União Democrática Nacional (UDN). Empossado em 31 de janeiro do ano seguinte, leva à prática o programa inspirado no binômio Energia e Transporte. Criou as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), que construíram cinco usinas de energia elétrica, e comandou a construção de mais de 3 mil quilômetros de rodovias, numerosas pontes e campos de aviação. Deu assistência também aos setores de Educação e Saúde, construindo escolas e postos médicos. Para resolver os problemas da agricultura e da pecuária, criou o frigorífico Frimisa e a fábrica de fertilizantes Fertisa. Dinâmico, popular e com trânsito entre as diferentes correntes do PSD e do PTB, qualificava-se como o candidato mais forte à sucessão presidencial, em 1955. Apesar da forte oposição de setores antigetulistas, é eleito presidente da República, tendo como vice João Goulart, herdeiro político de Vargas no Partido Trabalhista Brasileiro.
1955. 4 de abril. Num comício em Jataí, Goiás, o candidato à Presidência da República Juscelino Kubitschek, respondendo a uma pergunta de um eleitor, promete que, se eleito, fará a transferência da capital para o Planalto Central. Em 5 de agosto, o presidente Café Filho aprova o Sítio Castanho e a área da nova capital.
Eleito presidente da República em outubro, com 36% dos votos, Juscelino Kubitschek e o vice, João Goulart, encontram grande resistência da oposição para tomar posse. Os udenistas e militares ligados a Carlos Lacerda conspiram abertamente. Em editorial na temida Tribuna da Imprensa, sob o título Kubitschek e Jango Não Podem Tomar Posse, Lacerda pede que a Constituição seja suspensa e os direitos individuais, suprimidos. Graças à indisciplina nos meios militares, em especial na Aeronáutica e na Marinha, o presidente Café Filho simula um ataque cardíaco e entrega o governo a Carlos Luz, udenista mineiro, que se dispõe a demitir o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, e impedir a posse de JK e Jango. Apoiado pelo general Odílio Denis, comandante do I Exército, Lott reage com o “golpe pela legalidade”, derruba Carlos Luz e entrega o governo ao presidente do Senado, Nereu Ramos, garantindo a posse dos eleitos. 1956. Juscelino é empossado na Presidência da República e promete fazer o Brasil saltar cinquenta anos em cinco. Cumpriu a promessa: ampliou a participação popular na riqueza nacional, ampliou extraordinariamente a base industrial, em especial por meio da implantação da indústria automobilística, da construção naval, da mecânica pesada e da proteção à pequena e à média empresa. Em paralelo, transferiu a capital federal do Rio de Janeiro para Brasília.
18 de abril. Juscelino Kubitschek envia ao Congresso a Mensagem de Anápolis, propondo a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap); propõe também que a cidade seja batizada com o nome de Brasília.
19 de setembro. É sancionada a Lei nº 2.874, que determina a transferência, em definitivo, da capital. No mesmo dia, é lançado o Concurso do Plano Piloto. Vence o urbanista Lucio Costa. Treze dias depois, Juscelino Kubitschek visita o território da futura capital e declara: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço meus olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”.
16 de junho. Juscelino Kubitschek assina o decreto de criação do Geia, subordinado ao Conselho de Planejamento, órgão executivo daquela verdadeira revolução que foi a implantação da indústria automobilística. Quatro meses depois, o presidente da República estava em São Paulo para dirigir o primeiro caminhão Mercedes-Benz fabricado no Brasil. No pátio, os cartazes diziam: “Nas estradas brasileiras, caminhões brasileiros”.
25 de julho. Começam as obras da Usina Três Marias, na região do Vale do São Francisco. Foi o ponto de partida da meta da energia elétrica, que elevou a potência instalada no País de cerca de 3 milhões de kW, em 1955, para 5,4 milhões de kW, em 1961, assentando bases para nova expansão até 8,7 milhões de kW, a ser atingida em 1966. Outro ponto forte do programa foi a Usina de Furnas, em São Paulo, com capacidade para 1,2 milhão de kW. Registra-se que, desse potencial, só existiam usinas nos Estados Unidos e na União Soviética. À época, foi o maior projeto do gênero na América Latina e entre os países em desenvolvimento. O Governo JK, que enfrentou crise de energia elétrica e racionamento nos primeiros meses, terminou com abundância de energia e reservatórios cheios.
1º de outubro. Enviada ao Congresso mensagem com o respectivo projeto de lei, o qual, depois de aprovado, transformou- se na Lei nº 3.381, de 1958, que criava o Fundo da Marinha Mercante e a Taxa de Renovação da Marinha Mercante. Os recursos mobilizados permitiram a materialização dos itens 11 e 28 do programa de metas, isto é, a ampliação da frota de cabotagem e de longo percurso, de 300 mil toneladas, e da frota petroleira, de 330 mil toneladas, assim como a implantação da indústria de construção naval no Brasil.
1958. Em 4 de agosto, Juscelino Kubitschek recebe, no Rio de Janeiro, o secretário de Estado dos EUA, Foster Dulles. Na pauta, estava a reformulação do pan-americanismo. O presidente rechaçou a ideia de combater a agitação ideológica do continente com medidas policiais. Insistiu e fez prevalecer medidas que combatessem o subdesenvolvimento — pobreza, analfabetismo, enfermidades, carência habitacional, abandono do campo, escassez de escolas e desemprego — com medidas de alcance social, a exemplo da função de um grande banco de fomento, o BID, e o diálogo entre os líderes do continente. Antes, em junho, JK denunciou e deixou de atender às exigências do Fundo Monetário Nacional, que, se levadas em prática, inviabilizariam seu programa de metas. O rompimento foi feito dentro das “normas de discrição e compostura que a gravidade do assunto exigia”. No dia 17 do mesmo mês, discursou perante a multidão que fora ao Catete prestar solidariedade: “Convém que se compreenda, de uma vez para sempre, que o desenvolvimento do Brasil não é pretensão ambiciosa, um desvario, um delírio expansionista, mas uma necessidade vital. Desenvolver, para nós, é sobreviver”.
No domingo dia 22, leu a edição de O Estado de S. Paulo, demonstrou interesse por um artigo transcrito do The Economist, separou as páginas, guardou-as numa pasta e partiu para um almoço na casa do deputado federal Ademar de Barros Filho. Terminado o almoço, o motorista José Pereira Neto o levou até o km 2 da Via Dutra, onde Geraldo esperava por ele num Opala metálico, com teto preto. O carro arrancou em direção ao Rio de Janeiro numa viagem que não teria fim. Eram 14 horas. Um domingo de céu azul. Juscelino decidira tudo de última hora. Não avisara a ninguém. Oficialmente, estava planejando voltar a Brasília às 16 horas. Mas precisava ver Maria Lúcia. Viver os dias como belas canções. 1959. 15 de dezembro. Em solenidade no Palácio Laranjeiras, Juscelino Kubitschek sanciona a lei que cria a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Apesar da violenta oposição das oligarquias da região, JK confia a direção do órgão ao economista Celso Furtado.
1960. 21 de abril. Brasília fica pronta. O Plano Piloto sai definitivamente da prancheta de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Ao ser inaugurada, a nova capital federal tem uma população fixa de quase 100 mil habitantes. Escreveu JK: “Quando os ponteiros marcaram 20 minutos do dia 21 de abril, vi o espetáculo de som e cores que se armou no céu e, olhando em torno, vi a multidão constrita, não consegui me conter. Cobri o rosto com as mãos e chorei”.
1961. Juscelino passa o governo em 1º de janeiro para o presidente eleito Jânio Quadros e torna-se o único presidente eleito por voto direto a iniciar e terminar seu mandato na data prevista pela Constituição, desde Arthur Bernardes. Por todo o País, circula o slogan JK -65. O primeiro governo foi da industrialização, o segundo teria a agricultura como meta prioritária.
4 de junho. O ex-presidente é eleito senador pelo PSD de Goiás. Percorreu oitenta cidades e ganhou do adversário Wagner Estelita Campos por 146.366 contra 26.800 votos. No discurso de posse, o único que pronunciaria até 1964, respondeu aos adversários que o acusavam de disparar o gatilho da inflação no País com números precisos: em lugar de emitir moeda sem lastro, emitira 20 mil quilômetros de estradas, 320 mil veículos, 2 milhões de toneladas de cimento, petróleo, fertilizantes e a indústria naval. Com a renúncia de Jânio Quadros na manhã do dia 25 de agosto, Dia do Soldado, Juscelino alinhou-se com os legalistas em favor da posse do vice-presidente João Goulart. O País estava polarizado entre uma utopia, à direita, e outra, à esquerda. Juscelino buscava o caminho do centro, na esperança de manter firme a aliança PSD-PTB, imbatível desde 1945.
20 de março. A convenção nacional do PSD homologou a candidatura de Juscelino Kubitschek à Presidência da República. O pleito, porém, não se concretizaria em consequência da crise política iniciada com a renúncia de Jânio Quadros, que desaguou no movimento militar que depôs o presidente João Goulart, em 31 de março de 1964. Juscelino apoiou a candidatura de Castelo Branco à Presidência da República, na expectativa de superar a grave crise institucional e garantir a realização das eleições presidenciais de 1965. Mas, em 8 de junho de 1964, o governo cassou o seu mandato de senador e suspendeu seus direitos políticos por dez anos, com base no Ato Institucional nº 1. Chegava ao fim o sonho materializado no slogan JK – 65. Juscelino partiu para o exílio na Europa.
1965. 4 de outubro. Após a vitória de seus correligionários Israel Pinheiro e Negrão de Lima, eleitos, respectivamente, para os governos de Minas Gerais e da Guanabara, Juscelino desembarcou no Rio de Janeiro. Foi intimado e prestou depoimento na Polícia Federal. Em 9 de janeiro de 1966, partiu novamente para o exílio na Europa e nos Estados Unidos. Continuou a manter contatos políticos. Formou a Frente Ampla, movimento de oposição ao governo brasileiro, com Carlos Lacerda e João Goulart. Em 9 de abril de 1967, retorna definitivamente ao Brasil.
1968. Com a decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro, é preso. Libertado no início do ano seguinte, passa a se dedicar a atividades empresariais e literárias.
1974. Juscelino é eleito para a Academia Mineira de Letras. Apresentou uma obra com 22 títulos de palestras e discursos, os livros Belo Horizonte, Na Palavra do Seu Prefeito, Por que Construí Brasília e A Experiência com os Humildes. Tomou posse em 3 de maio do ano seguinte. A primeira geração da Congregação dos Salesianos teve início em 1859. Segundo a determinação do jovem guia, essa geração não deve ser contada. Ao excluí-la, a próxima teve início sessenta anos depois, em 1919, estendendo-se até 1979. A partir daí, no período de 1979 a 2039, é que seria a segunda geração, atribuindo-se a 2039 a data final para a realização das palavras proféticas do jovem: “Isso acontecerá antes que passe a segunda geração”.
1975. Publica o primeiro volume de suas memórias, intituladas Meu Caminho para Brasília. Nesse ano, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, tendo sido derrotado por Às 17h55, o Opala dirigido por Geraldo desgovernou-se, atravessou o canteiro que separava as duas pistas da Dutra e espatifou-se contra um caminhão que transportava 30 toneladas de sacos de gesso numa carreta de 12 rodas. Ficou reduzido a um monte de ferros retorcidos e vidros estilhaçados. O acidente ocorreu nas proximidades da curva do km 165, conhecida como a “curva do açougue”.
Eram 19 horas quando o Brasil soube do acidente. O corpo de Juscelino Kubitschek e o de Geraldo Ribeiro foram velados no Edifício Manchete, na Praia do Russel, no Rio de Janeiro, onde o ex-presidente, nos últimos doze anos, tinha mantido seu gabinete de trabalho, no 11º andar. O País chorou a perda de seu maior estadista com espontânea e dolorosa emoção. Milhares e milhares de pessoas se uniram à família de JK para o último adeus.
“Em nome de Juscelino, agradeço essa manifestação de amor de vocês”, disse Sarah Kubitschek, que, ao lado das filhas, Márcia e Maristela, manteve-se o tempo inteiro do velório ao lado do esquife. No trajeto entre o Edifício Manchete e o Aeroporto Santos Dumont, a multidão cantava alternadamente o Hino Nacional, A Valsa do Adeus e Peixe Vivo. Em Brasília, as cenas de viva emoção se repetiram. A população da cidade saiu às ruas para prestar homenagens àquele que se tornaria um símbolo maior do culto à democracia. Na Catedral de Brasília, entre as lágrimas e os aplausos do povo que jamais esqueceu o criador da cidade, o esquife do estadista, coberto pela bandeira nacional, foi levado para o altar dos pioneiros. No sermão, o arcebispo Dom José Newton ressaltou que “o espírito cristão do filho da professora Júlia se deve ao respeito recebido e herdado de uma venerada mãe que o ensinou a não ter ódio nem rancor”. Nas ruas, a multidão que se aglomerava entre as proximidades da catedral e a estação rodoviária gritava, incessantemente: “O povo leva, o povo leva”. E o povo levou o esquife de Juscelino Kubitschek de Oliveira nas mãos até sua última morada: o cemitério do Campo da Esperança, ao lado da sepultura do engenheiro Bernardo Sayão, um de seus braços direitos na construção de Brasília, a 150 metros do túmulo do candango desconhecido. No dia 12 de setembro, o ex- -presidente completaria 74 anos. O cortejo levou três horas e meia para chegar ao Campo da Esperança. Estendeu-se ao longo de uma dezena de quilômetros. Os jovens, em motocicletas, levavam cartazes com os dizeres: “A Juscelino, nossa eterna gratidão”. O corpo baixou à sepultura às 23h35. O povo gritava: “Viva JK!”, “Viva a democracia!”. As luzes dos edifícios públicos em Brasília permaneceram acesas durante toda a noite.
Na semana seguinte, milhares de pessoas lotaram a Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, para assistir à missa de sétimo dia pela alma de Juscelino Kubitschek. O cardeal Dom Eugênio Sales falou, com a voz embargada, como a morte de JK terminava para o ex-presidente a longa noite de exílio dentro e fora da Pátria, tempo em que ele lutara como um marinheiro num navio durante a tempestade. Lutara para se manter vivo, lutara para manter a juventude na voz e na alma, lutara, como observou David Nasser, para acreditar que iria viver para sempre, como se “não fosse morrer nunca”, tanto que plantava jabuticabeiras em Luiziânia como se, em quinze anos, pudesse degustar a fruta, a preferida dos mineiros.
Com a morte de JK, também a pressão pela redemocratização se tornou um esforço coletivo. E a democracia renasceu. No coração dos brasileiros, Juscelino Kubitschek viverá para sempre. Ele trilhou os caminhos ascendentes da vida e portou-se com dignidade e altivez quando perseguido. Sofreu com as perseguições e injustiças, mas soube criar outra vida. Nunca, em instante algum, desde os tempos em que trabalhava à noite como telegrafista para sustentar os estudos nos anos em que ficou sem poder exercer seus direitos políticos, disse adeus à esperança. Viveu e amou, revolucionou a vida brasileira e sonhou com um Brasil moderno e democrático. Nunca cerrou o coração ao diálogo e ao entendimento. Nunca traiu seus ideais. Possuía a virtude do “impossibilismo”, a qualidade mineira, nas palavras de Pedro Nava, de “beirar os impossíveis”, de entrar na chama e não se queimar, de penetrar na “loucura e prática dos atos mais dementes com sabedoria”.
Quando o jornalista David Nasser, condestável da revista Manchete e íntimo das Forças Armadas, insistiu para que ele aderisse ao movimento militar de 1964, tendo como testemunha a via-sacra de Mercier, Juscelino foi taxativo, veemente: “Você é um bom jornalista e um mau profeta”. Disse não. Foi franco, direto, sem rodeios, sem hipocrisias. Tinha a qualidade da franqueza para ser, ao mesmo tempo, cordial e polido. Acreditava nas urnas. Nasser e os demais conspiradores acreditavam que, naquele instante, existiam apenas urnas funerárias.
Fonte: VIANA, Francisco. JK: A Saga de um Herói Brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazulli Editora, 2006.