Edição 21

Pintando o 7

Vida e obra de Arcimboldo

Houve um pintor chamado Giuseppe Arcimboldo (1527–1593), que compôs rostos humanos usando cenouras, berinjelas, rabanetes, tomates, cebolas, alhos, uvas, azeitonas, pêssegos, figos…
Não sei de onde lhe veio essa idéia e nem como ele conseguiu… Talvez ele acreditasse que nós somos hortas e pomares, onde crescem frutos, legumes e hortaliças. Quem sabe ele estava certo?
Rubem Alves – 01/04/2001 – Correio Popular Caderno C (São Paulo)

Inverno, Primavera, Verão e Outono – 1753 – óleo sobre tela, cada um com 76x64cm – Paris, Musée National du Louvre

Giuseppe Arcimboldo nasceu em Milão (Itália), no ano de 1527. Era filho do pintor Biagio Arcimboldo. No início, Arcimboldo foi discípulo do pai, com quem colaborou no desenho dos vitrais da catedral de Milão. Em 1551, pintou cinco cotas de armas para Fernando da Boêmia. O duque estava de passagem por Milão, e, provavelmente, alguém lhe falou de Arcimboldo. Isso foi antes de se tornar o Imperador Fernando I. É possível que Arcimboldo tenha sido mais famoso do que julgamos. Não se passariam muitos anos até ceder às repetidas solicitações do Imperador Fernando I para morar em Praga, na Tchecoslováquia, recebendo o convite para ser o artista da corte. Durante vários anos, esteve a serviço dos imperadores Fernando I, Maximiliano II e Rodolfo II.

Em 1562, Arcimboldo deixou a sua terra e entrou na corte do imperador, onde foi estimado e bem tratado por ele, sendo recebido com grande amabilidade e obtendo um bom salário. Serviu aos imperadores como arquiteto, cenógrafo, engenheiro, organizador de festejos e criador de máscaras e fantasias. Os imperadores adquiriram objetos, plantas e animais exóticos vindos de todas as partes do mundo para enriquecer as câmaras de arte e prodígios. Era nessas câmaras que Arcimboldo estudava cada pormenor de animais e plantas que utilizava em seus quadros.

Arcimboldo teve uma vida muito preenchida e honrosa na corte imperial, não só pelo Imperador Fernando I, mas também pela corte inteira; não só pelos seus quadros, mas também por muitas outras obras de arte e peças em madeira destinadas a ocasiões como torneios, jogos, casamentos e coroações. Giuseppe Arcimboldo, nobre e inspirado, executou um grande número de trabalhos artísticos, raros e delicados, que causaram um espanto considerável entre todos os ilustres nobres que se costumavam juntar ali, e o seu senhor e amo, Imperador Fernando I, estava muito agradecido a ele. Vale a pena mencionar que, quando Maximiliano sucedeu a seu pai no trono imperial, Arcimboldo nunca recebeu uma recusa para ver o imperador a qualquer hora do dia, porque se encontrava entre aqueles que o imperador tinha em especial favor. Foi capaz de exercer sua influência em Maximiliano devido à extensão dos próprios conhecimentos. Maximiliano dava tanto apreço às opiniões de Arcimboldo que não só escutava os seus pontos de vista, como adotou o próprio gosto do artista. Com auxílio de Arcimboldo, ampliou os seus gabinetes de arte e raridades, criando, assim, o núcleo de um museu.

Na verdade, a corte austríaca, na sua totalidade, estimava-o e amava-o pela sua arte, assim como pela sua disposição impecável. Quando Maximiliano morreu, sucedeu-lhe o seu filho Rodolfo, que continuou a dispensar a mesma mercê e afeição a Arcimboldo, tal como fizera seu pai.

Arcimboldo apreciava transformar um rabanete em um rato? Uma vagem em um inseto? Com certeza ele expandiu a imaginação de seus contemporâneos e de artistas (e não-artistas) até os dias de hoje.

Por meio de sua visão vegetariana, ele explorou a relação do homem consigo mesmo e com a natureza. Ele via uma ligação singular entre seres humanos e outros organismos vivos.

Suas obras mais famosas são as várias cabeças compostas, que retratam perfis humanos a partir da reunião de bichos, pessoas, plantas e diversos objetos. Suas telas não eram vistas, na época, apenas como pinturas: funcionavam como um jogo, uma brincadeira.

Após vinte e seis anos de serviços prestados a esses grandiosos monarcas e a toda a casa da Áustria, este nobre e honrado Giuseppe pediu várias vezes ao imperador que lhe fosse concedida, graciosamente, licença para voltar à sua terra natal para aí desfrutar da sua velhice. Esse favor foi-lhe finalmente concedido, embora com muita relutância, porque sua majestade imperial se lhe tornara tão afeiçoado que se sentia pouco inclinado a privar-se da sua presença.

Arcimboldo morreu em 11 de julho de 1593 e, em pouco tempo, caiu no esquecimento. Somente no início do século XX, sua obra voltou a ser valorizada, especialmente pelos surrealistas, que se inspiraram no aparente desvario de suas telas.

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Esboço de um trenó – Desenho à pena, com aguada azul, 19×23 cm

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Detalhe de Vertumnus – Cerca de 1590 – Óleo sobre madeira – Suécia, Balsta, Skoklosters, Slott

As telas novas do imperador

Hoje é festa no castelo,
todos querem ver o belo
presente do Imperador
Maximiliano II.
De repente, todo mundo
ouve o rufar do tambor.

Arcimboldo se aproxima
e tira o pano de cima
do misterioso presente.
Todos dizem “ahs!” e “ohs!”
E do rei se ouve a voz:
— Quatro telas, minha gente!

Um conde, ou duque, não sei,
que é muito amigo do rei,
torce o nariz para as telas:
— Esse pintor é demente,
não há cristão que agüente!
Alteza, livre-se delas.

— Ora, conde, por favor;
se conhece alguém melhor
que o Arcimboldo, me traga.
Mas precisa ser cientista,
decorador, retratista
e escritor nas horas vagas.

O conde responde, enfático:
— Esse Arcimboldo é lunático,
as telas são um pesadelo!
O olho é um fruto amarelo.
A orelha é um cogumelo,
cacho de uva é cabelo…

— Meu conde, você não entende
o jogo, a alegoria,
os sonhos, a alegria
desse gênio da pintura?
Se isso aí é loucura,
também quero ser doente!

O conde fica calado,
e o rei completa, inflamado:
— Agora chega de ataques!
Não só adorei as telas,
como vou pôr todas elas
em seu quarto, com destaque!

Toda a corte bate palmas.
O conde, então, perde a calma,
finge sofrer um infarto
e foge feito um lagarto,
fungando por toda a rua.
Arcimboldo olha pra Lua.

CUNHA, Leo. O inventor de brincadeiras. Arcimboldo. Belo Horizonte: Dimensão, 1996. Coleção arte/vida.

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