Edição 131
Espaço pedagógico
Vovó, cabelo de algodão
Ana Carolina Miranda
Eu era bem pequeno e adorava olhar para aqueles cabelos brancos,
brancos como um campo cheio de algodão.
Arregalei os olhos quando, um dia,
vovó disse que já foi menina.
Aquela pele enrugadinha
já foi lisinha como a minha.
Ela sorriu e disse:
— Existem muitas histórias antes e depois de nós.
E abriu seu álbum de recordações,
cheio de fotos, poses e quiproquós.
Vovó morava, imaginem só, perto de uma cascata.
Gostava de nadar no rio,
de olhar os peixes
e de fazer palhaçadas.
Ela se encontrava com seus amigos
para brincar de amarelinha, esconde-esconde,
passa-anel e queimada.
Sim, minha avó era animada.
Não existia telefone, WhatsApp e computador.
O jeito era ir à rua
e se reunir com a turma
antes de o Sol se pôr.
Minha avó nem sempre teve cabelo de algodão.
Antes já foi castanho, preto, ondulado…
Em alguns momentos, engraçado;
em outros, preso como um rabo de cavalo.
Minha avó falou que cantava no orfeão.
E eu disse: — Isso eu não conheço, não.
Com paciência, ela explicou: — É o mesmo que coro.
Aquele tempo foi meu tesouro!
Participou do coral da cidade
na época da sua mocidade.
Seu pai era o pianista;
e ela, a corista de voz grave.
Vovó também já foi adolescente
e encantava muita gente.
Passou seus anos dourados
dançando nos clubes, nas tardes de sábado.
Seus artistas preferidos participaram de radionovela, fotonovela e telenovela.
Que tempo diferente e, ao mesmo tempo, igual.
— E essa baiana? Que chapéu original.
Com frutas na cabeça e um requebrado sensacional.
— Chiquita Bacana, lá da Martinica…
Cantava minha avó para mim, no Carnaval.
Ela adorava a folia
e até foi eleita miss simpatia.
Vovó já foi adulta.
Teve óculos de gatinho e vestido com tecido de bolinhas.
Usou boca de sino, cor néon, jaqueta de couro e pochete.
Já foi hippie e tiete, mesmo sem Internet!
Assistiu a TV em preto e branco, colorida e digital.
Trabalhou fora e dentro de casa.
Foi filha, irmã, mãe e amiga,
antes mesmo de ser minha avó.
Escreveu muitas cartas; antes não tinha e-mail.
Precisava entregá-las sempre nos Correios.
— Como foi possível um mundo sem tanta tecnologia? — eu disse.
Ela logo respondeu: — Pois essa foi a maior parte da minha vida.
Percebi que vovó viveu tanto,
tanto, que não cabia naquele álbum de fotografias.
Ela foi mais do que foto e memória,
ela foi a própria história!
Estudou e leu muito.
Questionou, disse sim, disse não.
Sempre procurando a razão,
sem deixar de lado seu coração.
Quando nos encontrávamos,
vovó sempre abria os braços.
E eu ia correndo para lhe dar um abraço,
não queria nunca sair daquele enlaço.
Vovó trazia balinhas de chocolate, mel, hortelã, Xaxá…
De algumas eu não gostava, outras eu adorava.
Até hoje eu levo no bolso
essa mania de ter algo prazeroso.
Então, um dia…
Assim como o vento leva o algodão
que desaparece da plantação,
vovó também foi levada pelo tempo…
Chorei.
E percebi que a tristeza me mostrou
que o que eu tinha era saudade,
saudade daquele grande amor.
E passei a sentir alegria
ao notar que, todos os dias,
a lembrança e o sorriso dela
continuariam em mim
por toda a minha vida.
Vovó, cabelo de algodão
Autora: Ana Carolina Miranda
Ilustrador: Luciano Félix
Editora: Prazer de Ler