Edição 131

Construindo mais conhecimento

TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH: IDENTIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO

Wilson Candido Braga

Caracterizado como uma condição neurobiológica ou um transtorno do neurodesenvolvimento (APA, 2014), o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) se apresenta desde a tenra idade e é considerado por muitos pesquisadores como um transtorno de origem genética, ambiental ou multifatorial, marcado por descontrole ou acentuada agitação motora (hiperatividade), fazendo com que a criança apresente movimentos bruscos e inadequados, mudanças de humor e instabilidade afetiva, bem como prejuízos atencionais e ações impulsivas, sem prévia análise de suas consequências (prejuízos de funcionamento executivo) (BRAGA, 2018), o que prejudica diretamente suas relações sociais e relacionais ao longo da infância, adolescência e vida adulta.

O TDAH não tratado a partir de abordagens medicamentosa, terapêutica e educacional pode, ao longo do tempo, provocar grandes impactos na vida de quem o apresenta, bem como em todo o grupo familiar, pois a maioria dos casos apresenta relações interpessoais instáveis e constantemente tumultuadas, com forte tendência para um baixo desempenho acadêmico e profissional, o que acaba levando a uma maior propensão a severos prejuízos nos funcionamentos afetivo, familiar e social.

É também sabido que o quadro do TDAH não se apresenta de uma única forma.

Assim como todos os transtornos do neurodesenvolvimento, o TDAH também já aparece na primeira infância, atingindo, aproximadamente, de 3% a 5% da população durante toda a vida, com estimativa de apresentação de 5% a 13% entre os alunos em idade escolar, não importando o grau de inteligência, o nível de escolaridade, a classe socioeconômica ou a etnia.

De acordo com estudos mais recentes (APA, 2014), o TDAH é mais facilmente percebido em meninos do que em meninas, numa proporção de 2:1. Nos meninos, os principais sintomas são marcadamente a impulsividade e a hiperatividade (agitação psicomotora); nas meninas, a desatenção, o que, por sua vez, tende a ser subdiagnosticado nesse grupo específico, porque, em geral, as meninas apresentam pouco os sintomas de agressividade/impulsividade e agitação psicomotora, prevalecendo o sintoma da desatenção, porém com alto índice de comorbidades, como o transtorno de humor e a ansiedade, além dos prejuízos no processo de ensino e aprendizagem.

Algumas crianças evidenciam o desenvolvimento do transtorno bem precocemente, apresentando-se logo no início do processo do neurodesenvolvimento, porém antes dos quatro ou cinco anos é muito difícil se fazer um diagnóstico preciso, pois faz-se importante avaliar outras situações associadas aos sintomas manifestos.

O TDAH é considerado uma condição médica de origem orgânica, biológica ou neurobiológica, e pesquisas apontam que crianças mais propensas a desenvolver esse transtorno são filhos de pais hiperativos (em torno de 50%), irmãos de pessoas com TDAH (5% a 7% mais chances de também apresentar TDAH), gêmeos (se um tiver o TDAH, aumentam os riscos entre 55% a 92% de o outro também manifestar a mesma condição diagnóstica). Na vida adulta, de 50% a 60% das pessoas com TDAH ainda persistem com sintomas acentuados, pois para essa condição diagnóstica não há cura.

Atualmente, as diretrizes clínicas para o diagnóstico do TDAH presentes no DSM-5 (APA, 2014) refletem a forma como ele é concebido na atualidade:

“[…] um transtorno do neurodesenvolvimento, de origem na infância, com comprometimentos persistentes e significativos na atenção e/ou hiperatividade e impulsividade, com prejuízos afetando múltiplos contextos do cotidiano do indivíduo e sua família”.

 

O TDAH é um distúrbio neurobiológico e tem sua principal origem na hereditariedade. Suas características são a falta de controle sobre a atenção, a impulsividade e a atividade motora (ambos considerados sintomas de base).

O TDAH também é definido como uma dificuldade de manutenção do autocontrole (prejuízos no controle inibitório) ou a ausência total de controle, seguida por dificuldade de sustentar a atenção e controlar os impulsos (prejuízos no funcionamento executivo) (BRAGA, 2018).

O TDAH apresenta três características consideradas sintomas centrais ou de base: a desatenção, a agitação e a impulsividade.

Alguns comportamentos relacionados ao TDAH que demonstram desatenção são:

• Dificuldade em organizar tarefas e atividades.
• Evitar ou relutar em se envolver em tarefas que exijam esforço mental constante, sustentado e produtivo.
• Perder coisas necessárias para tarefas ou atividades importantes do dia a dia.
• Ser facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa, perdendo seu foco principal.
• Apresentar esquecimento em atividades diárias, causando-lhes prejuízos.

Alguns comportamentos relacionados ao TDAH que demonstram impulsividade são:

• Frequentemente, dar respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido concluídas, aumentando o risco de erros recorrentes.
• Apresentar constante dificuldade em esperar sua vez, tornando-se inadequado socialmente.
• Constantemente, interromper ou se meter em assuntos de outros.

Alguns comportamentos relacionados ao TDAH que demonstram hiperatividade são:

• Ter dificuldade em brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer.
• Estar frequentemente “a mil” ou, muitas vezes, agir como se estivesse “a todo vapor”.
• Falar em demasia.

A criança com TDAH tem dificuldade de se concentrar, distrai-se com facilidade, esquece seus compromissos, perde ou esquece objetos, tem dificuldade em seguir instruções até o fim e em se organizar, fala excessivamente, interrompe os outros, não consegue esperar sua vez, podendo ainda responder a perguntas antes mesmo de serem formuladas, o que, naturalmente, pode lhe trazer prejuízos.

Esses sintomas centrais (desatenção, hiperatividade e impulsividade), evidenciados principalmente em crianças e adolescentes, colocam-nos em desvantagem em ambientes onde a focalização da atenção e o controle motor e dos impulsos são necessários para o adequado funcionamento diante das demandas diversas.

Sintomas indicadores para o diagnóstico do TDAH:

1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou em tarefas.
2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades de lazer.
3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele.
4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola, tarefas ou obrigações.
5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades.
6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado.
7. Perde coisas necessárias para atividades (por exemplo: brinquedos, deveres da escola, lápis ou livro).
8. Distrai-se com estímulos externos.
9. É esquecido em atividades do dia a dia.
10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira.
11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado.
12. Corre de um lado para outro ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado.
13. Tem dificuldade em brincar ou se envolver em atividades de lazer de forma calma.
14. Não para ou frequentemente está a “mil por hora”.
15. Fala em excesso.
16. Responde às perguntas de forma precipitada antes de elas terem sido terminadas.
17. Tem dificuldade de esperar sua vez.
18. Interrompe os outros ou se intromete nas conversas, em jogos, etc.

Critérios de observação necessários para o diagnóstico do TDAH:

CRITÉRIO A: Sintomas de apresentação para o TDAH (podem ser notados a partir de relatos familiares, pela observação da criança em atividade e também pela aplicação de testes ou escalas de avaliação, como o SNAP IV).

CRITÉRIO B: Alguns desses sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade.

CRITÉRIO C: Existem problemas causados pelos sintomas acima em pelo menos dois contextos diferentes (na escola, no trabalho, na vida social e em casa).

CRITÉRIO D: Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por conta dos sintomas.

CRITÉRIO E: Se existe outro problema (tal como depressão, deficiência intelectual, psicose, etc.), os sintomas não podem ser atribuídos exclusivamente a ele.

O TDAH e as funções cerebrais

Inúmeros estudos acrescentam que pacientes com TDAH apresentam alterações específicas em uma função cognitiva chamada de função executiva (FE). Esta é a função mental que coordena a memória imediata, a memória imediata verbal e a autorregulação dos afetos e permite a reconstituição e a análise do próprio comportamento:

“Alterações nesta função podem acarretar em um menor controle dos impulsos, dificuldades de reter informações, respostas verbais inadequadas e problemas no controle motor a estímulos” (GREVET et al., 2003).

As funções executivas podem ser divididas entre quatro subconjuntos: volição, planejamento, ação intencional e desempenho efetivo.

• Volição é a capacidade de estabelecer objetivos. Para essa formulação intencional, são necessárias a motivação e a consciência de si e do ambiente.

• Planejamento é a capacidade de organizar e prever ações para atingir um objetivo. A habilidade de planejar requer capacidade para tomar decisões, desenvolver estratégias, estabelecer prioridades e controlar impulsos.

• Ação intencional é a efetivação de um objetivo e planejamento, gerando uma ação produtiva. Para isso, é necessário que se inicie, mantenha, modifique ou interrompa um conjunto complexo de ações e atitudes integrada e organizadamente.

• Desempenho efetivo é a capacidade de automonitorar, autodirigir e autorregular a intensidade, o ritmo e outros aspectos qualitativos do comportamento e da ação, ou seja, é um controle funcional (SABOYA et al., 2007).

O desenvolvimento dessas funções durante a infância proporciona gradualmente a adequação e o melhor desempenho da criança para iniciar, persistir e completar tarefas importantes de acordo com sua faixa etária e as demandas. A identificação de fatores imprevistos e de sua importância, assim como a elaboração de respostas alternativas diante desses problemas, reflete a capacidade adaptativa do indivíduo proporcionada pelas funções executivas.

As consequências das alterações na FE quando vinculada ao TDAH podem ser inúmeras:

1. Organização, hierarquização e ativação da informação: o sujeito requer pressão para começar e cumprir a tarefa em tempo (desorganização e procrastinação estarão sempre presentes); tem dificuldade para estabelecer prioridades na atividade; muda de foco e troca de tarefas continuamente, ou seja, tem necessidade de variar.

2. Focalização e sustentação da atenção: a pessoa apresenta distração fácil por estímulos internos e externos, tem severas dificuldades para filtrar estímulos, perde o foco quando lê, necessita de lembretes para manter em dia sua tarefa habitual, apresenta inconstância e abandono precoce no que se envolve.

3. Alerta e velocidade de processamento: o sujeito tem excessiva sonolência, falta de motivação e cansaço constante, esgotamento fácil do esforço, pouca velocidade de processamento.

4. Manejo da frustração e modulação do afeto: o paciente apresenta baixa tolerância à frustração e baixa autoestima, hipersensibilidade a críticas, irritabilidade, preocupações excessivas e perfeccionismo.

5. Utilização e evocação da memória de trabalho: a pessoa esquece responsabilidades e objetivos pessoais; tem dificuldade nos seguintes aspectos: conservação (a informação não é incorporada às demais já apreendidas), seguimento de sequências, manutenção de dois ou mais elementos simultaneamente e para trazer do arquivo a informação armazenada.

Lopes et al. (2005) resumem a ligação às características das funções executivas dizendo que são processos de controle que envolvem a capacidade inibitória, demora no tempo de resposta que possibilite ao indivíduo iniciar, manter, deter e trocar seus processos mentais para estabelecer prioridades, organizar-se e pôr em prática uma estratégia.

Quando desobediência, agitação, falta de atenção, distração, impaciência, irritabilidade, baixa capacidade de lidar com o “não”, falar sem pensar ou viver perdendo as coisas podem indicar um transtorno?

Quando há evidências de que esses comportamentos trazem sofrimento e prejuízos funcionais suficientemente severos para que seja necessária intervenção. Ou seja, quando esses comportamentos são tão frequentes e/ou tão intensos que atrapalham o sujeito a se relacionar com outras pessoas, causam sofrimento ou extremo desgaste à dinâmica familiar, trazem problemas na escola ou no trabalho.

Apesar de serem sintomas de TDAH, estes podem ocorrer como consequência de outras condições médicas ou doenças e, por isso, se estiverem causando prejuízo, um especialista precisa ser consultado para que se evite confusão diagnóstica ou julgamentos.

O TDAH pode se manifestar de diferentes maneiras e em grau de comprometimento diferente em cada indivíduo. Para fins diagnósticos e de análise, há três tipos principais de TDAH, de acordo com a classificação atual do DSM-5 (APA, 2014):

 

• TDAH tipo desatento (com predomínio da desatenção).

• TDAH tipo hiperativo-impulsivo (com predomínio da impulsividade e hiperatividade).

• TDAH misto/combinado (desatento, impulsivo e hiperativo).

Segundo o Instituto Paulista de Déficit de Atenção (IPDA), alguns especialistas consideram que há um número maior de tipos de TDAH, entre eles tipos predominantemente ansiosos, depressivos ou com traços obsessivo-compulsivos, que exigiriam tratamentos diferenciados, especialmente por se tratar de quadros que trazem outras comorbidades, o que ampliaria o quadro principal.

Entendemos, dessa forma, que o TDAH é um transtorno extensivamente estudado, com dados de alta qualidade, que demonstram sua validade. Crianças e adolescentes com TDAH apresentam um comprometimento significativo e correm um risco maior de terem um déficit no seu desenvolvimento social, emocional e educacional.

Apesar das preocupações existentes com alguns diagnósticos equivocados, os estudos conduzidos no Brasil indicam que aproximadamente 95% das crianças com TDAH não recebem tratamento e que existe uma grande parte de adultos com diagnóstico incorreto ou não diagnosticados. A falta de tratamento adequado, a falta ou ineficácia de políticas públicas verdadeiramente inclusivas, a carência de serviços multidisciplinares que contemplem esse público, o estigma e os conceitos errados são barreiras importantes para o reconhecimento do TDAH como condição diagnóstica e que requer serviços de suporte que complementem e suplementem as dificuldades e capacidades desses sujeitos.

 

 

ReferênciasAMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Referência rápida aos critérios diagnósticos do DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DÉFICIT DE ATENÇÃO (ABDA). TDAH – Guia para professores. Disponível em: http://www.tdah.org.br/br/textos/textos/item/310-tdah-guia-para-professores.html#sthash.m4QFW376.dpuf. Acesso em: 20 de outubro de 2020.

BONET, Trinidad; SORIANO, Yolanda. Aprendendo com crianças hiperativas: um desafio educativo. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

BRAGA, Wilson Candido. Autismo: azul e de todas as cores: guia básico para pais e profissionais. São Paulo: Paulinas, 2018. (Coleção Psicologia, Família e Escola.)

GREVET, Eugenio Horácio; ABREU, Paulo Belmonte de; SHANSIS, Flávio. Proposta de uma abordagem psicoeducacional em grupos para pacientes adultos com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. R. Psiquiatr. RS, 25’(3): 446-452, set./dez. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rprs/v25n3/19617.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2021.

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LOPES, Regina Maria Fernandes; NASCIMENTO, Roberta Fernandes Lopes do; BANDEIRA, Denise Ruschel. Avaliação do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade em adultos (TDAH): uma revisão de literatura. Aval. psicol., Porto Alegre, v. 4, n. 1, jun. 2005. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712005000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 de junho de 2020.

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ROHDE, Luis Augusto; MATTOS, Paulo. Princípios e práticas em TDAH. Porto Alegre: Artmed, 2008.

SABOYA, et al. Disfunção executiva como uma medida de funcionalidade em adultos com TDAH. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852007000500007. Acesso em: 10 de junho de 2020.

 

 


Wilson Candido Braga é terapeuta ocupacional; professor universitário; consultor em educação inclusiva; escritor; Especialista em Saúde Mental, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Docência do Ensino Superior, Gestão de Programas de Saúde da Família, Ludopedagogia e Educação Infantil, Comunicação Alternativa e Educação Especial, Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), Ciências da Educação, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Educação Estruturada para Alunos com Autismo; mestrando em Ciências da Educação.
Telefones: (85) 98878.3532/99275.4904
E-mail: prof.wilsoncandido@gmail.com

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