Edição 76
Matérias Especiais
A Copa do Mundo no Brasil e a Tecnologia Assistiva — Onde está a inclusão social?
Rosangela Nieto de Albuquerque
Pensar em Copa do Mundo no Brasil é esboçar algumas reflexões críticas na comunidade científica, analisar os impactos econômicos e, principalmente, as questões sociais. Certamente, algumas contribuições da Copa do Mundo no Brasil legitimarão talvez algum desenvolvimento, mas há de se preocupar com os impactos turísticos desse megaevento. As contribuições que a Copa do Mundo deixará no Brasil sequer permeiam mudanças na qualidade da educação do País. As políticas públicas educacionais continuam deixando a desejar na estatística do analfabetismo, na ineficiência da escola, no panorama existente de falta de investimento nos docentes, nos currículos que ainda não atendem à proposta de escola para todos; enfim, a qualidade da educação continuará precária, e quando então se pensará em inclusão social e assistividade? Estamos muito longe do ideal. Pensar em inclusão é compreender a importância da Tecnologia Assistiva, em que os recursos e serviços devem contribuir para proporcionar e ampliar as habilidades funcionais das pessoas com deficiência e oportunizar vida independente.
Certamente, a Copa do Mundo no Brasil merece uma comemoração, pois reflete a política internacional de um país em crescimento econômico e um certo avanço, mas é importante ponderar acerca do patamar em que estamos, no que tange à Tecnologia Assistiva, para promover uma real inclusão social.
Tecnologia Assistiva
O que é Tecnologia Assistiva? Como a Tecnologia Assistiva pode contribuir com a inclusão social? Ainda um termo novo, a Tecnologia Assistiva é utilizada para identificar os recursos e serviços que contribuem para proporcionar as habilidades funcionais de pessoas com deficiência e, certamente, promover vida independente e inclusão.
O objetivo da Tecnologia Assistiva é proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, certamente através da ampliação da comunicação, da oportunidade de mobilidade, do melhor desenvolvimento das habilidades do aprendizado, do controle de seu ambiente, da oportunidade de trabalho e da integração com a família, os amigos e a sociedade.
Cook e Hussey (1995) remetem a Tecnologia Assistiva (TA) ao conceito do American with Disabilities Act (ADA), portanto a “uma ampla gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas concebidas e aplicadas para minorar os problemas funcionais encontrados pelos indivíduos com deficiências”.
No Brasil, instituída pela Portaria n° 142, de 16 de novembro de 2006, a Tecnologia Assistiva apresenta o seguinte conceito: “Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidade ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (Ata VII – Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) – Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Presidência da República).
A ideia e base legal foi criada em 1988, vinda dos EUA, e contribuiu com orientações hoje sugeridas. Assim, o termo Assistive Technology foi traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva, sendo um importante elemento jurídico dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407, reestruturado em 1998 como Assistive Technology Act de 1998 (P.L. 105-394, S. 2432). A lei se complementa com outras leis, como o American with Disabilities Act (ADA), que estabelece os direitos dos cidadãos com deficiência nos EUA e regulamenta a base legal dos fundos públicos para compra dos recursos para os deficientes.
Esses recursos são equipamentos, instrumentos, produtos e sistemas que são fabricados em série ou sob medida, que auxiliam a pessoa com deficiência para aumentar, manter ou melhorar as suas capacidades funcionais. Os serviços são prestados para auxiliar diretamente a pessoa com deficiência que irá usar os recursos.
Os recursos possibilitam desde uma simples bengala até um complexo sistema computadorizado. Certamente, estão incluídas roupas específicas e adaptadas, brinquedos, softwares, hardwares, computadores, auxílios visuais, materiais protéticos, dispositivos para adequação da postura, dispositivos para mobilidade manual e elétrica, acionadores especiais, equipamentos de comunicação alternativa, aparelhos de escuta assistida e outros itens que certamente contemplem as questões de acessibilidade.
Os serviços, certamente, são aqueles prestados profissionalmente à pessoa com deficiência; isto é, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação, psicologia, enfermagem, medicina, engenharia, arquitetura, design e técnicos de várias outras especialidades, visando a selecionar, obter ou usar um instrumento de Tecnologia Assistiva. Os serviços de TA, em geral, são transdisciplinares, envolvendo profissionais de diversas áreas. É importante enfatizar que há terminologias diferentes que aparecem como sinônimos da TA, tais como Ajudas Técnicas, Tecnologia de Apoio, Tecnologia Adaptativa e Adaptações.
A TA é um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada da pessoa que se encontra impedida pela circunstância de ser deficiente e até mesmo pelo envelhecimento.
Podemos, então, dizer que o objetivo da TA é proporcionar à pessoa com deficiência mais independência e inclusão social. Segundo Radabaugh (1993), “Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis”.
A Tecnologia Assistiva na escola. Ela existe?
O ponto de articulação entre deficiência e tecnologia é precário, e, certamente na escola, de modo geral, estamos carentes de tecnologia. A implantação da TA apropriada à situação de cada deficiente ainda está longe de acontecer na sociedade e principalmente nas escolas. É também um ponto de reflexão achar que a tecnologia vai fazer o milagre de resolver todos os problemas da educação. O que enfatizamos acerca da Tecnologia Assistiva para os deficientes perpassa pela possibilidade de inclusão, independência e participação social. No caso dos deficientes, eles “necessitam” fundamentalmente desses recursos e instrumentos.
Numa análise mais aprofundada, o acesso à Internet permite uma série de alternativas de recursos que podem auxiliar as pessoas com deficiência no desempenho de ações pretendidas. É comum direcionarmos a nossa busca por “grupos de recursos” para pessoas com uma determinada deficiência. Portanto, buscamos recursos para surdos, cegos, pessoas com deficiência intelectual, pessoas com deficiência física, autistas, etc. Esse ponto de vista enfatiza que as pessoas com deficiência vivem em contextos diferentes e enfrentam dificuldades de participação social e desempenho de tarefas em seu meio social.
E, nesse contexto, é importante refletir acerca da TA que acontece nas escolas, na sala de recursos multifuncionais, local em que se efetiva a ação do Acompanhamento em Educação Especial (AEE). É importante que o aluno deficiente tenha a oportunidade de se manifestar de forma clara acerca das dificuldades, que ele participe das propostas da escola, e, juntos, numa tríade educacional aluno-família-escola, possam observar e analisar a sua condição (habilidades e dificuldades) sensorial, física, intelectual e emocional. Nesse contexto, analisar os recursos humanos disponibilizados, a acessibilidade ambiental e de comunicação, os recursos materiais disponíveis, a gestão do tempo de profissionais para a realização das ações, a qualidade de conhecimentos da equipe (se ela saberá aplicar os conhecimentos para o desenvolvimento do aluno deficiente), contribuirá para a tomada da decisão em assumir a Tecnologia Assistiva. No que tange ao plano de aula, deve-se observar se a tarefa está organizada para que haja uma participação total do aluno (com deficiência ou não) e refletir sobre as barreiras dessa determinada tarefa.
É importante enfatizar que se faz necessário um professor especializado para trabalhar com a TA. Certamente, a TA tem o objetivo de ampliar a participação do aluno na realização das tarefas, de forma que ele realize as mesmas atividades junto com seus colegas. Essa é uma proposta de inclusão real, de integração.
A Copa do Mundo e a Tecnologia Assistiva
O Brasil despontou como uma das potências do mundo, e, certamente, teremos uma enorme visibilidade mundial por causa da nossa beleza natural, riqueza cultural, dos nossos valores e crenças, e, sem dúvida, do nosso valor humano. Entretanto, se o Brasil não se preparar, poderemos vivenciar problemas complexos, como o aumento da prostituição, uma maior segregação social e danos a direitos sociais conquistados; por exemplo, o direito à meia-entrada para estudantes em atividades culturais. No sentido de segregação social dos portadores de deficiência, faz-se necessário refletir acerca do que o Brasil planejou para a participação efetiva dos deficientes. Será que o Brasil implantou uma política pública de Tecnologia Assistiva que visa melhorar a funcionalidade de pessoas com deficiência, no sentido de maior habilidade de realizar tarefas para a inclusão?
Segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), o modelo de intervenção para a funcionalidade deve ser biopsicossocial e diz respeito à avaliação e intervenção em:
• Funções e estruturas do corpo – Deficiência.
• Atividades e participação – Limitações de atividades e de participação.
• Fatores Contextuais – Ambientais e pessoais.
Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e Organização Mundial da Saúde (OMS)
Segundo a visão geral dos componentes da CIF – 2003, as funções e estruturas do corpo e das deficiências permeiam as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas) e as partes anatômicas do corpo, tais como membros e seus componentes. E deficiências são problemas na estrutura ou nas funções do corpo, como um importante desvio ou perda. As atividades, participações/limitações de atividades e restrições de participação enquadram-se nas definições de atividade como execução de uma tarefa ou ação de um indivíduo. Participação é o envolvimento numa situação de vida, as limitações de atividades são as dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades; e a restrição de participação é um problema que um indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações reais da vida.
No que tange às categorias da Tecnologia Assistiva, é importante enfatizar a classificação para organização de estudos, políticas públicas, organização de serviços e atendimento funcional ao usuário. As categorias são classificadas e, mesmo que algumas possam variar, em geral pautam-se no quadro abaixo:
Auxílio para a vida diária
Materiais e produtos para auxílio em tarefas rotineiras, tais como comer, cozinhar, vestir-se, tomar banho e executar necessidades pessoais, manutenção da casa, etc.
Comunicação aumentativa (suplementar) e
alternativa (CAA (CSA))
Recursos, eletrônicos ou não, que permitem a comunicação expressiva e receptiva das pessoas sem a fala ou com limitações da mesma. São muito utilizadas as pranchas de comunicação com os símbolos PCS ou Bliss, além de vocalizadores e softwares dedicados a esse fim.
Símbolos de Comunicação Pictórica • Picture Communication Symbols (PCS)
© 1981-2014 Mayer-Johnson, LLC. Todos os direitos reservados). Mara Lúcia Sartoretto e Rita Bersch
Recursos de acessibilidade ao computador
Equipamentos de entrada e saída (síntese de voz, braille), auxílios alternativos de acesso (ponteiras de cabeça, de luz), teclados modificados ou alternativos, acionadores, softwares especiais (de reconhecimento de voz, etc.), que permitem às pessoas com deficiência usarem o computador.
Sistemas de controle de ambiente
Sistemas eletrônicos que permitem, às pessoas com limitações motolocomotoras, controlar remotamente aparelhos eletroeletrônicos, sistemas de segurança, entre outros, localizados em seu quarto, sala, escritório, casa e arredores.
Projetos arquitetônicos para acessibilidade
Adaptações estruturais e reformas na casa e/ou ambiente de trabalho, através de rampas, elevadores, ajustes em banheiros, entre outras, que retiram ou reduzem as barreiras físicas, facilitando a locomoção da pessoa com deficiência.
Órteses e próteses
Troca ou ajuste de partes do corpo, faltantes ou de funcionamento comprometido, por membros artificiais ou outros recursos ortopédicos (talas, apoios, etc.). Incluem-se os protéticos para auxiliar nos déficits ou nas limitações cognitivas, como os gravadores de fita magnética ou digital, que funcionam como lembretes instantâneos.
Adequação postural
Adaptações para cadeira de rodas, ou outro sistema de sentar, visando o conforto e a distribuição adequada da pressão na superfície da pele (almofadas especiais, assentos e encostos anatômicos), bem como posicionadores e contentores que propiciam maior estabilidade e postura adequada do corpo através do suporte e posicionamento de tronco/cabeça/membros.
Auxílios de mobilidade
Cadeiras de rodas manuais e motorizadas, bases móveis, andadores, scooters de três rodas e qualquer outro veículo utilizado na melhoria da mobilidade pessoal.
Auxílios para cegos ou pessoas com
visão subnormal
Auxílios para grupos específicos que incluem lupas e lentes, braille para equipamentos com síntese de voz, grandes telas de impressão, sistema de TV com aumento para leitura de documentos, publicações, etc.
Auxílios para surdos ou pessoas com
déficit auditivo
Auxílios que incluem vários equipamentos (infravermelho, FM), aparelhos para surdez, telefones com teclado — teletipo (TTY), sistemas com alerta táctil-visual, entre outros.
Adaptações em veículos
Acessórios e adaptações que possibilitam a condução do veículo, como elevadores para cadeiras de rodas, camionetas modificadas e outros veículos automotores usados no transporte pessoal.
Considerações finais
É preciso pensar verdadeiramente na inclusão e “desmercantilizar” a vida, efetivar ações e recuperar o sentido do público no convívio na sociedade, permitindo, assim, que a nova geração tenha plenas condições de ter acesso ao patrimônio cultural que é produzido pela humanidade e, deste modo, tenha plenas condições de construir novos valores e sociabilidades. A Copa do Mundo remete a uma reponsabilidade maior com os deficientes; o País tem o dever de oferecer condições para que todos os indivíduos, independentemente de sua classe social, seu gênero, sua etnia ou religião, possam viver plenamente, assegurando a liberdade de todos. Hoje em dia, muitos deficientes não têm o direito de usufruir de uma educação de qualidade, das atividades sociais e culturais, ficando, muitas vezes, subjacente como indivíduo, em seu EU, pertencente a uma sociedade. Assim, formata-se continuamente um forte ciclo de exclusão que marcará toda uma vida.
É o momento de se perguntar: o Brasil, quando pensou a Copa do Mundo, colocou, nos “Investimentos da Copa”, uma política nacional de inclusão, de assistividade?
Rosangela Nieto de Albuquerque é Pós-doutora em Educação (Ph.D.), doutoranda em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, gestora educacional, psicopedagoga clínica e institucional, Pedagoga e professora universitária. Endereço eletrônico: rosangela.nieto@gmail.com.
Referências
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