Edição 133
Professor Construir
Acolhimento escolar: dentro de um abraço
Rosangela Nieto de Albuquerque
“O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Pro mais velho ou pro mais novo, pra alguém apaixonado, alguém medroso, o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. […] Tudo que a gente sofre num abraço se dissolve. Tudo que se espera ou sonha num abraço a gente encontra […].”
Jota Quest, 2013

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De que acolhimento escolar estamos falando? Do acolhimento ao ingresso da criança na Educação Infantil ou do acolhimento na inclusão dos estudantes com deficiência?
No que tange a de que acolhimento falamos, a música de Jota Quest (2013) nos remete a uma reflexão significativa: o melhor acolhimento é dentro de um abraço.
No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1997), a palavra acolhimento é descrita como: “Ação ou efeito de acolher; acolhida; modo de receber ou maneira de ser recebido; consideração; boa acolhida; hospitalidade; lugar em que há segurança; abrigo”. Assim, nos faz pensar que o acolhimento transita pelo estado de calmaria, acalanto, com emoções validadas, sentidas, demonstrações sinceras de carinho, um afago, um abraço mágico, quando as emoções são respeitadas.
O processo de acolhimento remete às necessidades da criança ao ingressar na escola; ela, então, necessita de amparo para entender o que está sentindo, o que está acontecendo, pois sair do espaço seguro de sua casa, ter contato com pessoas diferentes de seu núcleo familiar e enfrentar sozinha um ambiente até então totalmente desconhecido por ela é assustador.
[…] sair do espaço seguro de sua casa,
ter contato com pessoas diferentes de seu núcleo familiar e enfrentar sozinha um
ambiente até então totalmente desconhecido por ela é assustador.”
Acolhimento na Educação Infantil

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Na Educação Infantil, talvez o abraço mágico tenha um poder imenso, pois pode significar o refúgio em momentos de medo, insegurança… como expressa a música de Jota Quest (2013), o sentido simbólico do abraço.
O aluno, ao ser acolhido, desenvolve o sentimento de segurança, de confiança e de pertença, como propõe Staccioli (2013, p. 45): “[…] talvez o princípio do acolhimento seja fácil de enunciar e difícil de colocar em prática”. Essa proposta educacional é também complexa para os educadores, pois construir uma rede de apoio e carinho no cotidiano escolar requer uma experiência educacional, e se faz necessária a parceria entre escola e família. De acordo com Staccioli (2013, p. 28), “Acolher uma criança é também acolher o mundo interno dela, as suas expectativas, os seus planos, as suas hipóteses e as suas ilusões”.
Desse modo, acolher um aluno é promover o bem-estar físico e emocional, desenvolver, no espaço escolar, a segurança, dando suporte aos seus sentimentos, considerar sua bagagem de vida e sua dinâmica familiar, assim ele desenvolverá o desejo de aprender, de conhecer, de ser criativo.
Na Educação Infantil, a afetividade tem um papel preponderante, que, segundo Viana (2010), refere-se à afetação, isto é, que emoções afetam o processo educativo: o amor, a alegria, o medo, a insegurança? É importante que o docente priorize a atenção a cada criança, uma escuta cuidadosa, o olhar nos olhos e o cuidado individual, desse modo construirá laços e conexões para que a criança se sinta parte da turma, da escola, do contexto escolar.
Viana (2010, p. 31) destaca a relevância de “[…] compreender e considerar a afetividade na Educação Infantil” e aponta que “[…] cada vez mais se confirma que as relações afetivas significativas, no contexto escolar ou familiar, fortalecem o desenvolvimento integral da criança”.
Quando falamos de atenção à criança, precisamos pensar no processo de escuta. Além de promover na criança o sentido de que ela é ouvida, a atenção desenvolverá também no educador o olhar sensível a cada situação. Staccioli (2013, p. 38) enfatiza que “[…] a escuta não é uma ação passiva, um deixar acontecer, um comportamento fácil; a escuta é um agir muito ativo”. Assim, a atenção, a escuta, o olhar sensível, o cuidado, a afetividade/afetação são posicionamentos que influenciam positivamente no desenvolvimento das relações afetivas no ambiente escolar. Certamente, são ações que possibilitam estabelecer vínculos, promover segurança e sentimentos de confiança e oportunizar um terreno fértil para que a criança desenvolva a linguagem, a percepção, a curiosidade e o desejo de aprender, tornando-se um sujeito crítico e pensante.
Para Saltini (2008, p. 100), a criança “[…] deseja e necessita ser amada, aceita, acolhida, ouvida para que possa despertar para a vida da curiosidade e do aprendizado”.
A criança pequena, ao ingressar no contexto educativo, vivenciará a experiência de lidar com novos acontecimentos, aprenderá a conhecer sobre si mesma e a resolver problemas, conhecerá seus limites e suas reações frente às situações e sensações, também aprenderá a conhecer o outro e a desenvolver relações com as pessoas. Essas interações no espaço escolar também promovem o desenvolvimento da linguagem e das formas de comunicação.
A criança pequena, ao ingressar no contexto educativo,
vivenciará a experiência de lidar com novos acontecimentos,
aprenderá a conhecer sobre si mesma e a resolver problemas,
conhecerá seus limites e suas reações frente às situações e sensações […]”

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Portanto, é necessário que o espaço escolar seja, para a criança, um lugar de vida, onde ela se sinta à vontade para explorar os brinquedos, para conversar com outras crianças, para expor seus pensamentos e sentimentos; um local de tranquilidade e segurança, onde se alimente sem resistência e possa se despedir dos pais com naturalidade.
Certamente, acolher dentro de um abraço não é tarefa fácil. Acolher a criança sempre com carinho, empatia e, principalmente, respeito traduz que os professores precisam de um olhar sensível, demandando uma atenção individual redobrada e uma percepção desenvolvida voltada, principalmente, àquelas crianças que necessitam de um acompanhamento maior ou um período de adaptação estendido.
Nesse momento, percebe-se também a criança com necessidades especiais.
O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço…
Acolhimento e inclusão
Todo aluno necessita ser respeitado em sua individualidade e subjetividade, e pensar em inclusão é fundamental para articular o acolhimento.
A educação inclusiva e o acolhimento escolar das crianças com deficiência são questões cada dia mais presentes na legislação e nas políticas públicas. Em 1994, a Declaração de Salamanca enfatizou a importância da inclusão de estudantes com deficiência nas classes regulares no âmbito educacional. E o maior desafio tem sido o acolhimento em cada especificidade da deficiência.

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A adequação estrutural/adaptação física de toda forma é algo simples, mas o maior desafio transita pela adequação pedagógico-curricular. Vivenciamos, hoje, um esforço grande para termos uma escola inclusiva; no entanto, muitas vezes, ela segrega mais do que inclui. Tem-se buscado atender à inclusão efetiva, mas, no que se refere à adequação cognitiva da criança ou do adolescente com deficiência ao currículo escolar, ainda há muita dificuldade.
A legislação brasileira é clara, mas muitas escolas ainda não conseguem incluir os estudantes de uma forma acolhedora. Nesse sentido, não basta acolher com afetividade, é necessário oportunizar ao estudante a sensação de pertencimento, de envolvimento nas atividades pedagógicas; ele precisa sentir o desejo de aprender, de saborear o conhecimento e perceber o seu desenvolvimento.
A escola está aprendendo a abraçar o estudante com deficiência, mas ainda com ações muito incipientes; falta aprender como adaptar as relações cognitivas. Incluir é permitir a aprendizagem, aprender é vida… A escola é imprescindível para o desenvolvimento e a proteção da criança; ela possibilita a formação de vínculos das crianças com seus pares e com os adultos.
A escola, para além de ter a função de estimular o desenvolvimento cognitivo e acadêmico do aluno, deve ser também um espaço de inclusão deste nos meios sociais:
“[…] um processo dinâmico em que o indivíduo ou grupos minoritários e maioritários se incorporam e compartilham a mesma estrutura social, promovendo o respeito mútuo pelas identidades sociais e culturais de cada um” (SANTOS, 2009).
Considerações finais
O acolhimento escolar é indispensável para a consolidação de vínculos e uma vida escolar saudável. “[…] Pro mais velho ou pro mais novo, pra alguém apaixonado, alguém medroso, o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço […]”.
Um espaço que ofereça segurança, confiança, carinho, afeto à criança que está vivenciando sua entrada no cotidiano escolar certamente desenvolverá no estudante uma percepção de que o espaço escolar é um lugar de aprendizagem humana, digna e prazerosa.
O acolhimento transita também por um espaço de escuta ativa, que valoriza as contribuições dos estudantes, que valida seus sentimentos, suas necessidades e suas particularidades; isso é promover uma pedagogia respeitosa.
Quando falamos em acolhimento, certamente é fundamental a participação e o envolvimento das famílias durante o processo, oportunizando a troca de informações sobre a criança, as questões singulares e suas preferências — o que gosta de comer, como dorme, como gosta de brincar, as restrições alimentares, as questões de saúde —, possibilitando que a escola conheça a rotina e as especificidades da criança e a estrutura familiar; assim, é possível se aproximar da vida do estudante.
O olhar e o sentir do professor é uma estratégia significativa. Observar a integração do aluno com a turma, a participação nas atividades, a socialização, a aprendizagem, o ritmo e o envolvimento é valioso na interação professor-estudante.
O processo de acolhimento se configura como ummomento decisivo e marcante na vida das crianças e de sua família. Cabe à escola oferecer subsídios para que as práticas pedagógicas sejam desenvolvidas com respeito, assegurando os direitos compreendidos pela BNCC (2018) de maneira íntegra, gerando confiança e segurança para todos os envolvidos nesse processo.

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Rosangela Nieto de Albuquerque é ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social (Universidad John Kennedy), Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), neuropsicopedagoga, neuropsicóloga clínica, autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação
e da Psicologia.
E-mail: rosangela.nieto@gmail.com
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
DICIONÁRIO AURÉLIO da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho dágua, 1997.
QUEST, Jota. Dentro de um abraço. Rio de Janeiro: Sony Music, 2013. Disponível em: https://www.letras.mus.br/jota-quest/dentro-de-um-abraco/. Acesso em: 24/09/2023.
SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade e inteligência: a emoção na educação. 4. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2008.
STACCIOLI, Gianfranco. Diário do acolhimento na escola da infância. Campinas: Autores Associados, 2013.
SANTOS, Ana Sofia Carvalho da Silva.
(In)sucesso de crianças e jovens institucionalizadas. 2009. 165 f. Dissertação (Mestrado em Política Social), Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2009.
VIANA, Maria Tereza Bonfim. Afetividade na educação infantil. In: CAMPOS, Gleisy Vieira. LIMA, Lilian (Org.). Por dentro da educação infantil: a criança em foco. Rio de Janeiro: Wak, 2010.