Edição 92
Como mãe, como educadora, como cidadã
Entre a cama e o guarda-roupa
Zeneide Silva
Acredito que muitos de vocês já ouviram a expressão “entre a cama e o guarda-roupa” e sabem que a primeira coisa que vem à mente sobre o que fazer nesse lugar é orar.
Estamos vivendo uma verdadeira turbulência de coisas negativas em nosso país. O pior é que já nos acostumamos tanto com notícias tão sérias que elas já se tornaram banais. Estamos vivendo sem emoção.
Augusto Cury nos diz: “Muitos amam o perfume das flores, contudo não têm coragem nem habilidade para sujar as mãos para cultivá-las”. Agimos como na letra de O meu país, de Zé Ramalho: “Tô vendo tudo, tô vendo tudo, mas fico calado; faz de conta que sou mudo”.
Temos que mudar este país; não sujar as nossas mãos com a terra do cultivo das flores e não falar nada jamais podem ser nossa prática como cidadãos.
Muitos amam o perfume das flores, contudo não têm coragem nem habilidade para sujar as mãos para cultivá-las
Augusto Cury
Veja o que me fez refletir sobre isso.
Voltando de São Paulo, deparei-me com uma situação um tanto inusitada. Quando fui fazer o meu check-in, recebi a notícia de que a agência que organizou a minha viagem tinha feito a minha reserva, mas não havia efetuado o pagamento. Tive que ir correndo à loja de uma companhia aérea para providenciar uma passagem para o Recife, pois participaria de um curso no dia seguinte.
O vendedor me informou que ainda havia um único lugar. Comprei-o e voltei às pressas para o embarque. Fiquei na cadeira 6E, ao lado de uma menina de 11 anos chamada Lúcia, que estava partindo da cidade grande, São Paulo, para morar no interior de Pernambuco. Seus pais haviam perdido o emprego e resolveram voltar para o Nordeste, mas não estavam neste voo, pois ficaram em casa organizando a mudança. A menina viajou com a tia.
Aquela foi a primeira viagem de avião de Lúcia. Muito curiosa, fez muitas perguntas, pois dizia estar com medo. Quando a aeronave levantou voo, ofereci minha mão para aliviar seu medo. Ela a segurava firme e continuava a fazer perguntas.
Lúcia falou da tristeza de seus pais, da escola que deixara para trás e das surpresas que teria em sua nova vida no interior. Confessou-me estar magoada com duas amiguinhas que zombaram da situação pela qual estava passando. Então, eu disse à garotinha que esquecesse o que essas meninas haviam dito, sob forte resistência de Lúcia, que dizia não esquecer, tampouco perdoá-las. Aconselhei: “Você tem que perdoá-las. Passe um ‘zap’ para elas dizendo que você vai ser feliz com seus pais na terra deles”. Ela insistia que não perdoaria; eu que deveria. Em instantes, estávamos sorrindo com essa história de perdoa-não-perdoa.
Enquanto Lúcia lanchava, peguei minha Bíblia e fui orar. Estava sentada entre uma linda menina de 11 anos e um rapaz dormindo, aparentando ter uns 25 anos. Resolvi dar a minha Bíblia para ela e disse que o nosso país está precisando de pessoas que acreditem numa mudança.
Ela falou que já havia feito a Primeira Eucaristia, mas ainda não tinha Bíblia Sagrada. Li para Lúcia o Provérbio 16, que diz: “As pessoas podem fazer seus planos, porém é o Senhor Deus quem dá a última palavra”. Oramos juntas entre as poltronas do avião. Depois da oração, ela me falou: “Foi Deus quem mandou você para me dar a sua Bíblia e me ensinar a perdoar”.
Sorri para ela e desejei, em pensamento, que um dia possa ficar em oração pelo Brasil entre a cama e o guarda-roupa, e que ela seja feliz, não marcada pela tristeza de ver seus pais tendo que se desfazer do sonho de morar na cidade grande por conta dessas pessoas que tentam destruir nosso país.