Edição 55
Projeto Didático
Esportes no âmbito escolar: transformações didáticas e pedagógicas
Moacir Pereira Júnior
Os esportes, atualmente, são vistos como uma fonte essencial na formação humana, porém é preciso saber introduzi-los na escola de uma forma que alcancem os objetivos traçados pelo professor.
Um esporte não necessariamente precisa ser tematizado com vistas ao rendimento, mas, sim, com a intenção de desenvolver competências imprescindíveis na formação de sujeitos livres. É realizado predominantemente de forma cada vez mais normatizada e padronizada, visando atender ao rendimento cobrado pelas sociedades industriais.
É válido lembrar que a Educação Física é uma disciplina curricular obrigatória, por isso se vai à aula para aprender, e não para treinar. Muitas vezes, o contexto no qual a escola está inserida não é levado em consideração nas aulas de Educação Física.
Serão tratadas como foco principal, nesta pesquisa, as questões do esporte de alto rendimento, bem como suas possibilidades de transformação didático-pedagógica.
Entende-se que, através da transformação didático-pedagógica do esporte, o aluno pode ter uma melhor organização da realidade da modalidade em questão e proporcionar vivências que não se restrinjam apenas à mecanização dos movimentos.
O objetivo a ser alcançado por essa transformação é de que o aluno possa ter uma formação humana, aprenda valores dentro da aula de Educação Física, como cooperação, coletividade, confiança, determinação, prazer pela atividade física, ou seja, valores que contribuem para sua formação humana.
Por fim, é de suma importância destacar que, na Educação Física escolar, em especial nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é essencial trabalhar as questões afetivas, cognitivas, sociais, entre outras. Através da transformação didático-pedagógica do esporte, podem-se alcançar os objetivos citados acima nas aulas de Educação Física.
O “movimentar-se humano”
É importante que a Educação Física escolar tenha consideração pelas experiências anteriores da criança e também pelas experiências fora do contexto escolar, em especial ao mundo de movimentos, como elemento facilitador na relação professor-aluno, assim como na metodologia de ensino.
Entende-se que o movimentar-se humano é uma inerente necessidade que estabelece uma conexão com o mundo em que vivemos. O movimento é sempre uma conduta para algo. De acordo com Kunz e Trebels (2006), o movimento humano, como um “movimentar-se”, é um fenômeno relacional de “ser humano-mundo” e concretiza-se, sempre, como uma espécie de diálogo. A exploração e o desenvolvimento desse diálogo abrem horizontes impressionantes para crianças e jovens, na vivência de relações não apenas profissionais, mas especialmente afetivas e emocionais e de sensibilidade com a natureza e a cultura.
Nessa perspectiva, o movimentar-se é entendido como uma forma de comunicação, que contém e constrói cultura; deve ser entendido e estudado como uma complexa estrutura composta de contextos e processos sociais, históricos, filosóficos e antropológicos. O ser humano é composto de uma cultura, de seus contextos social e histórico, e esses contextos fazem parte direta do seu movimento, do seu “eu-mundo”.
Outra proposta da importância do movimento humano seria na variável de um “conhecimento de si”. Esse “conhecimento de si” é quebrado através dos movimentos feitos de forma sistemática e técnica, das atitudes e dos comportamentos, o que torna a criança inapta a desenvolver o “quem sou eu?”.
Um exemplo claro da permissão do “conhecimento de si”, das possibilidades de integrar os valores através do movimento, segundo Betti (1992), é que não basta apenas correrem volta da quadra, e sim entender o porquê de estar correndo, o que se pode aprender através do correr, como mensurar a frequência cardíaca, que recomendações são feitas em relação à duração e à intensidade da corrida, a relação da hidratação com o exercício, entre muitos outros aspectos que podem ser trabalhados.
Portanto, Santos (2003) ressalta que ensinar os movimentos corporais aos alunos é muito mais do que apresentar uma técnica correta de execução. É preciso transcender o movimento para além da técnica, para alcançar o encontro do aluno com seu próprio corpo.
Em todas as culturas, podem ser encontradas as mais diferentes expressões de danças, jogos, competições, brincadeiras, teatros movimentados. Essas manifestações e expressões culturais se dão pela conduta e pelo sentido do movimento humano e devem ser trazidas para dentro da aula de Educação Física.
A tarefa da Educação Física é tornar o aluno um ser praticante, lúdico e ativo, que incorpore o esporte e os demais componentes da Educação Física em sua vida, levando-o, assim, a descobrir motivos nas suas práticas. Além disso, a Educação Física deve assumir a responsabilidade de formar um cidadão crítico e emancipado diante de novas formas de movimentos corporais. Como componente curricular, deve integrar e introduzir o aluno nas mais diversas possibilidades de movimentos e exploração corporal, para que o aluno possa usufruir dos jogos, das atividades rítmicas, da ginástica, das demais vertentes da área da Educação Física, resultando em benefícios à qualidade de vida.
O esporte de alto rendimento na escola
O conceito de esporte, muitas vezes, é interpretado na visão de treinamento, competição, rendimentos e performances. Esse conceito se reforça através dos meios de comunicação, que colocam o esporte como mercadoria, como espetáculo.
A preocupação com a questão pedagógica do esporte na escola é que, em certos momentos, é posta de lado, quando, na realidade, é necessário um incentivo à prática prazerosa da iniciação esportiva. O que mais interessa aqui, na proposta de Kunz (1998), é a relação do tratamento dado ao conteúdo do esporte como um conhecimento pedagogicamente transmitido nas escolas pela Educação Física.
Segundo o autor, o esporte, que é tratado com vistas ao rendimento dentro do âmbito escolar, acarreta uma série de problemas, como: formação escolar deficiente; a unilateralização de um desenvolvimento que deveria ser plural; reduzida participação em atividades, brincadeiras e jogos do mundo infantil, que são indispensáveis para o desenvolvimento da personalidade na infância.
Bracht (2000) complementa afirmando que, no esporte de alto rendimento, as ações são julgadas pura e simplesmente pelos resultados finais, pela derrota e pela vitória, pelo máximo e pelo mínimo; tudo é medido por resultados como objetivos a serem alcançados. A prática e o processo que levam a esses resultados não assumem importância significativa para o sistema.
Mesmo assim, é evidente que existem fatores positivos do esporte dentro do âmbito escolar, todavia é necessário salientar que o esporte tratado dentro da escola não deve visar o rendimento e os resultados, deve evidenciar o caráter lúdico e prazeroso com o intuito de desenvolver características de formação humana.
Os aspectos positivos para quem leva o esporte de maneira saudável e coerente são, de acordo com Kunz (1998): estimulação do desenvolvimento corporal, psíquico e social; valorização das capacidades individuais de imagem e concepção de vida; vivências coletivas e atuações sociais; e ampliação de vivências e experiências enquanto atividades de tempo livre.
É fato que, através do esporte, muitas virtudes podem ser trabalhadas, e, consequentemente, diversos objetivos podem ser alcançados. E, sabendo-se dessas repercussões, diversas questões do cotidiano social dos indivíduos podem ser trazidas para a escola e pedagogicamente trabalhadas de forma a serem compreendidas e proporcionarem maneiras de as crianças atuarem nesta sociedade.
Transformação didático-pedagógica dos esportes
Os esportes transformados didático-pedagogicamente podem possibilitar ao aluno uma compreensão ampla destes, ensinando, durante as aulas, valores que vão além de simples movimentos mecânicos, para que, no futuro, o aluno se torne um praticante por prazer e espontaneidade. As atividades dos alunos ficam condicionadas aos fatores materiais e às suas precondições físico-esportivas. Portanto, é esse esporte, com vistas ao rendimento e à competição, que se pretende ensinar para os alunos? Será que as brincadeiras infantis, os jogos, as danças tradicionais não poderiam ser um tipo de esporte?
O esporte não tem como objetivo somente a formação de características técnicas, mecânicas; tem sentido na formação do homem que se movimenta, o homem que tem a necessidade de relacionar-se com o mundo à sua volta, constituído de vida, e não um ser abstrato, possuidor de uma história, de uma classe social ou de uma condição psicológica. Dessa forma, Kunz (1998) afirma que o esporte tem um compromisso educacional, um papel de encenação, ele pode ser encenado em qualquer lugar, a qualquer momento. E sempre que o esporte é encenado, independentemente do motivo, possui um caráter educacional.
Toma-se, então, o foco central da discussão do esporte, que é a competição. Em outras palavras, os alunos são preparados para vencer, para competir, sob qualquer circunstância. Dessa forma, o esporte é aplicado com preocupações acerca dos gestos técnicos, busca-se a máxima perfeição da execução de todos os movimentos para formar um futuro aluno-atleta.
Assim, entende-se que o esporte, como conteúdo escolar, pode possibilitar muito mais que apenas ensinamentos técnicos: ele pode educar; pode proporcionar, ao aluno que pratica, uma reflexão das possibilidades existentes de encarar o esporte e praticá-lo de acordo com suas necessidades e vontades.
Aquele aluno que aprende o esporte de forma crítica e reflexiva estará pronto para se organizar, respeitar as regras preexistentes de cada esporte, porém estará carregado de intenções positivas para as suas práticas, sendo flexível a mudanças, com o intuito de que o sucesso através da prática esportiva esteja ao alcance de todos os seus companheiros e adversários.
Nas aulas de Educação Física, seria possível transformar os esportes em jogos, brincadeiras, em que, especialmente, prevaleça o lúdico, para que o aluno possa, através de atividades de esportes transformados didático-pedagogicamente, aprender não só o movimento em si, mas, sim, todos os valores que possam estar inseridos nele, como cooperação, coletividade, respeito, entre outros.
Considerações finais e indicações pedagógicas
Ao realizar este estudo, afirmo que a Educação Física, como poucos acreditam, tem a tarefa de promover um ser humano mais completo. Esse completo que ressalto é aquele ser humano que não somente está apto a desenvolver qualidades técnicas e mecânicas, mas, sim, qualidades cognitivas e afetivas.
Entretanto, para essa formação — que chamei de formação completa do ser humano —, é necessário conscientizar as pessoas da importância do movimentar-se humano. Então, o esporte tratado na escola como cópia irrefletida do esporte formal e de alto rendimento é apenas uma reprodução daquilo que já existe na sociedade e um fator que rompe o poder de criatividade e de reflexão dos alunos.
O esporte deve ter uma proposta didático-pedagógica que seja transformada para que os alunos possam vivenciar a maior quantidade de movimentos possíveis de sua cultura de movimento, explorando ao máximo as características de tudo que possa envolver uma aula de Educação Física, como contextos social e histórico dos alunos, contexto da escola em si, entre outros.
Outro ponto de destaque é a importância da Educação Física para a instituição escolar. Através dela, outras disciplinas e o próprio contexto escolar poderão ser trabalhados nas aulas, como Geografia, História, Ciências, Matemática, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira; enfim, através dos movimentos, dos jogos, das brincadeiras e dos esportes, há a possibilidade de trabalhar tudo isso numa aula.
Por fim, a Educação Física já conquistou muitos espaços dentro da escola, todavia ainda há muito o que mudar e crescer, e isso só será possível se o profissional de Educação Física tiver uma formação voltada para o ensino de “formação humana integral” dos seus alunos, para que eles se tornem seres humanos lúdicos e ativos e para que suas atividades futuras sejam prazerosas e alegres.
Moacir Pereira Júnior é Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física pela UFSC. Pós graduado em Fisiologia do Exercício pela Universidade Gama Filho. Oficial de Arbitragem da Federação Catarinense de Basquetebol. Professor de Educação Física Escolar.
Referências Bibliográficas
BETTI, M. Ensino de Primeiro e Segundo Graus: Educação Física Para Quê? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 3, n. 2, p. 282—287, 1992.
____. Esporte na Escola e Esporte de Rendimento. Porto Alegre: Movimento. Ano VI, n.12, p.14—19, jul. 2000.
KULLOCK, M. G. B. Relações Professor-Aluno: Contribuições à Prática Pedagógica. Maceió: Edufal/Inep. v. 01. 2002.
KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 1998.
____. (Org.). Didática da Educação Física. Ijuí: Unijuí, 1998.
______. A Imprescindível Necessidade Pedagógica do Professor: o Método de Ensino. , Florianópolis: Motirivência, 1999. v. 2, n. 13, p. 63—81.
KUNZ, Elenor; TREBELS, Andréas H. (Org.). Educação Física Crítico-emancipatória. Ijuí: Unijuí, 2006.
SANTOS, Sérgio Oliveira dos. Educação Física: Diversidade da Cultura Corporal. São Bernardo do Campo: Umesp, 2003.