Edição 125

A fala do mestre

Medo

Leo Fraiman

fala-medoNo complexo e integrado cérebro humano, existe uma série de mecanismos que, hoje, estão começando a ser melhor compreendidos pela psicologia. Para além da psicopatologia, que percebe em certos traços a negatividade, existe hoje uma corrente crescente que busca descobrir, dentre nossos traços inerentes à condição humana, também as oportunidades. Um bom exemplo é a tristeza. Ela nos traz um certo sofrimento, mas se trata de um ingrediente bastante presente em algumas das maiores criações artísticas e literárias.

Livros, músicas, poesias as mais diversas foram criados em momentos de dor, de lamento, na hora em que o coração se parte. Ninguém vai dizer, claro, que é bom ou que seja necessário estar triste para criar, mas que uma certa dorzinha pode ajudar, isso é inegável.
Hoje, sabe-se que, mais do que a emoção em si, é importante entender o que fazemos dela, e isso é especialmente importante no caso do medo.

Trata-se de um importantíssimo elemento capaz de garantir nossa segurança, nossa saúde e nossas relações sociais. Quanto tempo você acha que duraria a humanidade se cada um de nós falasse e fizesse apenas aquilo que lhe desse na telha ou tudo aquilo que desejasse?

Sim, é também pelo medo de que o bebê não sobreviva que a exausta mãe acorda às 3h34 da manhã para amamentar o filho, depois de um dia exaustivo, apesar do bico do seio quase sangrando.

É ele que mantém muitas de nossas relações, que evita muitos dos nossos deslizes, que faz com que nos sintamos arrependidos quando machucamos alguém que amamos.

Primo da culpa e vizinho do remorso, é ele, o medo, que nos faz perceber que somos seres para além dos instintos.

Trata-se de um importantíssimo elemento capaz de garantir nossa segurança, nossa saúde e nossas relações sociais.”

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Atacado e acuado, um cachorro não tem muitas escolhas para além de morder, a fim de garantir a sua proteção. Nós não. Podemos ser atacados ou mesmo ofendidos e, em muitos casos, escolher até não reagir. Como no caso extremo de um assalto.

Como vemos, o medo tem a sua função social, educativa e até espiritual, no sentido de que ele nos permite ver o todo.

É, sim, por medo de não ter recursos no futuro que fazemos seguros, investimos em previdência privada, poupamos e até cuidamos da nossa saúde. O medo pode ser entendido, nessa perspectiva, como o guardião da certeza de que a boa vida vale a pena.

É claro que não seremos tolos aqui de glamorizar o medo ou de não analisar os seus excessos, que são o pânico, a paúra. O medo passa a ser perigoso para a nossa existência quando se torna uma força que nos impede de realizar o nosso potencial humano, de nos expressar, de realizar as nossas metas. Falo aqui do aluno que não pergunta sobre suas dúvidas em sala de aula por medo de ser atacado pelos colegas, da pessoa que não pleiteia uma melhor oportunidade de trabalho por medo da rejeição ou mesmo um homem que deixa de ir ao médico fazer um exame de próstata por medo de ferir sua masculinidade.

Vivemos em uma sociedade bastante paradoxal em relação ao medo: por um lado somos inundados de mensagens que estimulam a autorrealização: “Sonhe alto”, “Vá atrás de seus sonhos”, “Você pode ser tudo o que quiser”. Falas assim, muitas vezes postas nas mais diversas mídias de nosso cotidiano, acabam tendo, na maioria das vezes, o efeito contrário ao desejado. Afinal, nem todos partem do mesmo lugar, nem todos têm as mesmas oportunidades, nem todos têm as mesmas condições. Por outro lado, e para tornar o caldo ainda mais completo dentro da nossa mente, ouvimos constantemente sobre violência; sobre os perigos da vida moderna; sobre os crimes cibernéticos; ou, com os nossos onipresentes celulares, sobre não podermos sequer usá-los nas ruas das grandes capitais.

Como fica o nosso cérebro então diante dessa situação? Em estado de constante angústia.

O medo passa a ser perigoso para a nossa existência quando se torna uma força que nos impede de realizar o nosso potencial humano, de nos expressar, de realizar as nossas metas.”

Um dos sentimentos mais comuns que percebo junto a pacientes e mesmo na observação cotidiana é o de Fomo (Fear Of Missing Out), que é uma síndrome parente do medo, que denota uma sensação de que há uma vida melhor, mais sexy, mais interessante do que a que vivemos, como se estivéssemos sempre devendo ao nosso eu ideal.

Não está fácil viver, não é mesmo? Diante de um mundo cada vez mais complexo, se você se sente assim: angustiado, agoniado e perdido, isso é sinal de que você é normal.
Sim, vivemos em um mundo muito fragmentado, em um mundo “louco” mesmo. Você está normal se está incomodado com o estilo de vida que temos vivido, e é por isso que vou lhe oferecer agora algumas ferramentas que podem colocar um pouco de ordem em seu mundo emocional e fazê-lo viver uma vida melhor, em que o medo tenha o tamanho que precisa, ou seja, o tamanho do cuidado, da proteção e do zelo com a vida.

1 – Técnica de aproximação sucessiva

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Essa atividade pode ser feita junto a um psicólogo treinado ou mesmo em situações de sua vida nas quais aquele objeto que nos ameaça (uma barata, um elevador, dirigir um automóvel), que parece muito ameaçador, passa a ser enquadrado, passo a passo, dentro de uma lente mais empoderadora.

Explico: imagine que você tem paúra desse não simpático inseto — a barata. Você pode comprar um espécime desse de plástico e deixá-lo a 5 metros de si. Sabendo que ele é inofensivo, pode, a cada dia, aproximar-se meio metro para ir acostumando o seu cérebro com essa proximidade entre você e o pequeno ser, imóvel, de 4 x 2 centímetros. Pode parecer uma mera brincadeira, mas não é. Diversos estudos mostram que treinar a habilidade de observar aquilo que nos ameaça por alguns dias e, depois, fazer o mesmo com o inseto dentro de um vidro para que então, em uma terceira etapa, seja feita a experiência de enfretamento no mundo real, mostra-se bastante eficaz em muitos casos.

2 – Técnica EMDR (Eye Movement Dessensitization and Reprocessing)

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Essa técnica, desenvolvida pela psicóloga Francine Shapiro, mostra-se extremamente eficaz em casos de estresse pós-traumático. Observando soldados israelenses com essa síndrome, dormindo, ela percebeu que os olhos durante os sonhos se movem muito rapidamente de um lado para o outro, o que se convencionou chamar REM (Rapid Eyes Moviment). Ela, então, teve um insight: e se, ao lembrar de uma dor ou um trauma, estimulássemos esse mesmo movimento catártico?

A técnica significa que, enquanto falamos sobre algo que nos incomoda, podemos movimentar os nossos olhos para o lado direito e esquerdo, por diversas vezes, e, interessantemente, ao estimular o córtex pré-frontal com essa ação (área do cérebro em que é processado o momento presente, a tomada de decisões e a capacidade reflexiva), um alívio pode ser proporcionado.

Claro que nem sempre é tão simples, e há casos em que apenas um psicólogo treinado e capacitado consegue realizar o protocolo todo com eficácia, mas fica o convite para que você tente experimentar entrar em contato com algum sentimento no qual se sinta desconfortável e, quando falar com alguém, experimente fazer esse movimento com os seus olhos, para a direita e para a esquerda, para a direita e esquerda… por vinte vezes.

Uma variação pode ser feita estalando os dedos das mãos: fale para alguém, ou mesmo para um gravador, sobre uma emoção desconfortável enquanto estala o dedo intercalando a mão direita com a esquerda.

3 – Atenção plena

Na prática, significa perceber que, muitas vezes, a melhor forma de mudar um pensamento que nos atormenta é “apenas” lembrar de que ele é apenas isso, um pensamento. Se parece simplista demais para você, deixo aqui um convite: pense agora em algo que lhe traz uma certa sensação de medo. Visualize esse medo e, então, feche seus olhos e faça 30 respirações lentas, calmas, no seu tempo, e volte a pensar sobre isso. Em muitos casos, depois de duas ou três rodadas, você pode perceber uma diferença bastante agradável dentro de si. Uma variação dessa técnica é ainda mais simples: sentado confortavelmente, você apenas imagina aquilo que lhe traz medo e, enquanto respira lenta e pausadamente, simplesmente se concentra no ar que entra e sai, entra e sai. “Magicamente”, você tenderá a perceber que o medo diminui na medida em que seu foco se volta para sua respiração.

Longe de querer dizer que todo medo é fácil de ser vencido, meu intuito hoje foi lhe convidar a entender que tudo o que sentimos está associado com alguma forma de pensamento e de reação fisiológica, e, sim, você pode vencer a maioria dos seus medos irracionais ou desnecessários alterando o jeito como encara a vida, suas crenças a respeito de si, o significado que atribui às coisas ou mesmo mudando sua postura, sua respiração, fazendo movimentos com seu corpo. Existe todo um arsenal que a psicologia comportamental e cognitiva oferece hoje para que possamos enfrentar o medo excessivo, aquele que nos impede de desfrutar da vida, de amar ou de ir atrás de nossos sonhos. Não desista de você, há caminhos, e você merece sentir que tem voz, vez e valor em sua vida.


Leo-Fraiman Leo Fraiman é psicoterapeuta, palestrante internacional, escritor e autor de mais de vinte livros, dentre os quais se destaca a Metodologia OPEE (Projeto de Vida e Atitude Empreendedora), presente em mais de 1.500 escolas no Brasil. Foi conferencista na ONU no Simpósio Internacional – Formando Lideranças para o Desenvolvimento Futuro, em Genebra/Suíça. Com mais de 30 anos de carreira, foi membro do Comitê Mundial de Educação para a Autonomia, em Paris; ganhador do Prêmio Shift – Agentes Transformadores, com o case da Metodologia OPEE; e, atualmente, é autor aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) com a obra Pensar, sentir e agir. Instagram: @leofraimanoficial

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