Edição 125

Professor Construir

Tenho medo… tem um monstro embaixo da minha cama

“Tenho medo…
Tem um monstro
embaixo da minha cama”

Rosangela Nieto de Albuquerque

o medo, a gente enfrenta

O medo como fenômeno social é historicamente consolidado como necessidade da sobrevivência humana. Sob a ótica biológica do ser humano, o medo se apresenta no campo funcional neurológico, que também é constituído como proteção e sobrevivência humana.

O medo transita por um espectro classificado como de vários tipos: medo de monstro, de avião, de cachorro, de insetos, da escuridão, etc. A criança cria e imagina situações de medo: de monstros, de fantasmas, de animais, até de sons e barulhos imaginários, que se manifestam como característica proprioceptiva num mundo de fantasias tão peculiares da vida infantil.

Os medos também se manifestam de forma abstrata, que, entre outros, podem ser o medo do abandono, da morte, da dependência de outros e, até, o medo de si mesmo.

Há uma pluralidade de sentidos nas relações com os medos. A proposição do medo como uma afetação perpassa pela ideia de que sua vivência está intimamente ligada aos efeitos. No dia a dia, as crianças apresentam medos que são diferentes dos dos adultos. Elas temem fatores da realidade e da fantasia; os adultos temem situações reais — que podem não ter a probabilidade de acontecer.

Até certo ponto, o medo é útil para a criança, pois permite que ela decida se vai fugir de uma ameaça ou se deve enfrentar uma situação… o monstro embaixo da minha cama… Assim, a criança vai exercitando sua capacidade de tomar decisões, vai ganhando confiança e aprendendo a diferenciar quais medos são reais.
As crianças têm imaginação extraordinária: os monstros embaixo da cama, o barulho e os sons que os monstros emitem; assim, as brincadeiras de imaginar, de fantasiar animais pré-históricos e situações de perigo permitem o enfrentamento. Nesse contexto, exercitar o ato de enfrentar o monstro embaixo da cama… o monstrinho dentro do armário… proporciona desenvolver a tomada de decisão, a solução de problemas e a coragem na vivência do mundo real.medo-mao

Certamente, as crianças, para tomar uma decisão, precisam da segurança dos pais: “Estamos com você… estamos aqui… conte conosco…”, e, nessa dinâmica, as crianças se fortalecem. Elas sentem muitos temores, e, apesar de o medo infantil fazer parte do desenvolvimento, quando ele é excessivo desenvolve fobias e transtornos de ansiedade, que podem se apresentar como medo de situações que não representam ameaças reais.

Para Winnicott (1944–1945 [1982]), o conceito de medo no ser humano não perpassa por algo instintivo, como é atribuído ao animal, mas como origem da sobrevivência. O indivíduo nasce, e suas experiências no e com o mundo formam seu repertório experiencial, que é construído através do conjunto de ideias e associações vivenciadas. Certamente, as experiências relacionais e instintuais, as emoções e as fantasias são normais à medida que os cuidados e o ambiente realizam a sustentação e o manejo.

Para Winnicott (1975), o medo é uma condição existencial à medida que estabelece uma possibilidade de o indivíduo continuar existindo, amenizando as ansiedades intoleráveis.

Como as crianças administram o medo?

As crianças pequenas, em geral, não sabem expressar o que sentem e, às vezes, não falam que estão com medo. Elas representam o medo que estão sentindo com comportamentos diversos (fazendo birra, chorando, distanciando-se dos colegas na escola, fazendo xixi na cama, etc.).

É importante que os pais e educadores evitem desvalorizar o medo da criança com verbalizações que, muitas vezes, promovem insegurança, usando falas do tipo “Isso é bobagem”, “Medo de quê? Isso é coisa de menino pequeno, você já é grandinho”. Certamente, é uma postura que desestabiliza a confiança e a segurança que a criança tem nos pais e educadores. O ideal é incentivá-la a enfrentar os seus medos.

As crianças que apresentam um medo excessivo podem também ter adquirido esse medo patológico através de um histórico familiar de ansiedade, de uma educação superprotetora ou de vivências estressantes. Dar atenção, carinho, compreender e respeitar seus medos são fatores importantes para as crianças reduzirem a ansiedade e superar o medo infantil.

É importante enfatizar que o medo infantil se modifica conforme a idade ou a fase que a criança está vivenciando. Os bebês constroem um vínculo com seus pais e/ou cuidadores; assim, ao se distanciar deles, sentem medo. Na fase do estranhamento (por volta dos 7 meses), momento em que “estranham” as pessoas que não conhecem, choram quando não reconhecem os pais e/ou cuidadores; o estranhamento é a representação do medo nessa fase. Para lhes dar segurança, os pais podem, além de conversar com o bebê, pegá-lo no colo e, com calma, interagir com a outra pessoa, mostrando que ela não é uma ameaça.

administrar-medoAté os 3 anos, as crianças vão aprendendo a lidar com as suas emoções, período em que barulhos, luzes, pessoas estranhas e o escuro são fortes estímulos para ter medo. Nesse período, a fantasia começa a fazer parte da vida delas, e o medo de pessoas fantasiadas (palhaços, papai noel, etc.) é comum. É importante observar a reação através de uma conversa segura e afetuosa, respeitando o desenvolvimento dela, mostrar que é uma roupa, uma fantasia, que não é uma ameaça, mas sem forçar a aceitação da criança.

À medida que a criança cresce, em torno de 4 e 5 anos, ela aumenta seu repertório de conhecimento de mundo, e os medos se acentuam, os reais e os imaginários. Os medos dos pais também são identificados pela criança, que passa a incorporar esses medos também. Nessa fase, o medo de fantasmas, dragões e criaturas sobrenaturais é significativo, pois ela já acessa os desenhos animados na TV. Esses medos são saudáveis, pois ensinam a criança a se proteger e a evitar situações perigosas.

Em torno dos 6 anos, a criança apresenta medos de ferimentos, da morte, da separação dos pais e também o medo de crescer, pois já percebe que crescer requer mais responsabilidades. Para os pais, o desafio maior é explicar a questão da morte, das perdas, o luto em si, mas é fundamental enfatizar, sempre, que os pais estarão ao lado dela, juntos, promovendo a segurança.

Posteriormente, em torno dos 7 e 10 anos, as características dos medos se modificam. As crianças apresentam medo do castigo, de não serem aceitas pelos colegas, de situações novas e de estarem sozinhas (sem os pais). É importante manter o diálogo, muita conversa e respeitar situações individuais, pois cada criança apresentará uma reação pessoal.

Os medos associados ao início do amadurecimento emocional são defesas relacionadas às agonias impensáveis da condição de extrema vulnerabilidade do bebê que, nessas rupturas, vivencia o aniquilamento (WINNICOTT [1960c/1983], p. 47).

À medida que a criança cresce, em torno de 4 e 5 anos, ela aumenta seu repertório de conhecimento de mundo, e os medos se acentuam, os reais e os imaginários.”

Como trabalhar o medo infantil?

Pais e educadores podem identificar sinais de medo natural na criança, estes são passageiros, e há recursos lúdicos para se vencer essa fase, por exemplo, a contação de histórias, os jogos e as brincadeiras de esconder, enfim, manter um comportamento que deixe claro que é algo natural. Entretanto, se a criança apresentar um medo excessivo, pais e educadores devem encaminhar a criança e a família a um psicólogo.

É importante observar a diferença entre medo e fobia, e a maneira de identificar é observando o comportamento da criança. Choro intenso, mudanças bruscas na rotina, isolamento, negação de situações novas e silêncio são condutas atípicas, que podem sinalizar a necessidade de acompanhamento terapêutico.

Considerações finais

O medo faz parte da natureza humana, o importante é saber lidar com ele. Assim, desde o início da vida, os seres humanos experimentam a sensação de medo.superar-medo

Esse sentimento é parte da nossa vida e é importante para a própria proteção, pois inibe a exposição excessiva ao perigo. O medo, desde os primórdios, apresenta-se como proteção, por exemplo, o homem das cavernas regulava o medo e se protegia dos ataques de predadores. Hoje, na contemporaneidade, utilizamos como recurso a fuga quando nos sentimos ameaçados.

Em cada fase de vivência, temos algumas classificações pontuais acerca do medo, já a criança tem medos específicos: de ser abandonada, de barulho excessivo, de escuro, de monstros e até medo de mudar de escola. Assim, ela aumenta o repertório em razão da descoberta do mundo simbólico.

Na escola, é importante uma recepção calorosa e afetiva dos educadores para promover segurança e boa adaptação escolar. Os medos e temores prejudicam o aprendizado, assim, tranquilizar e acolher é fundamental para oportunizar um ambiente prazeroso e saudável.

Família e escola precisam compreender que o medo natural faz parte do desenvolvimento da criança, mas precisam ficar atentos aos medos excessivos, pois podem sinalizar fobias e/ou transtornos de ansiedade. O importante é saber lidar com os monstrinhos embaixo da cama, e, assim, proporcionar segurança para a criança saber enfrentá-los, tomar decisões e resolver problemas para se desenvolver e ter uma vida saudável.


Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia.

Referências

APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtorno mentais DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed, 2002.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
WINNICOTT, D. W. Por que choram os bebês. In: WINNICOTT, D. A criança e seu mundo. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 64-75.

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