Edição 121

Profissionalismo

Meritocracia na educação… Quando?

Nildo Lage

Se a inexistência de recursos digitais dificultava o trabalho docente, uma pedra de tropeço designada pela comunidade científica da Covid-19 foi arremessada para atrapalhar o avanço do procedimento de inserção de conteúdos com aprendizagem.

A ciência correu contra o tempo, encontrou a fórmula da vacina… Todavia, enxurradas de interrogações nos desnorteiam. Tudo o que temos é ciência de que os sobreviventes têm de prosseguir. Como começo, reinício, estabelecem-se estruturas para afrontar desafios; é preciso encontrar respostas aos questionamentos que constituem retornos imediatos, como a tradução dos símbolos que é o contragolpe à pergunta que define o tom das ambições pessoais, através de ações que exaltem os valores, valorizem o profissional, para que esse reconhecimento se converta no conforto para auxiliar no processo de superação.

Onde a meritocracia embarca nesse processo?

Não adianta darmos voltas para contrafazermos, justificarmos desacertos. Temos que enfrentar a realidade! Inserir os fundamentos meritocráticos na educação decreta estruturas ante sismos para arrostarmos os tremores incitados por mitos e contradições e compreendermos que meritocracia é um conjunto de julgamentos que desenvolvem os códigos que situam potencial à iniciativa individual e valorização como recompensa da competência desprendida para ressaltar o desempenho pessoal. Aplicá-lo, numa educação eivada, num processo de lipoaspiração para a remoção dos excessos, é essencial para moldar a escola como instituição meritocrática.menina-computador

Na sequência, irromper a resistência, retirar a viseira do sistema para visualizar que ensinar constitui troca de saberes, respeito ao eu, reconhecimento ao desempenho. Troca de saberes para construir e reconstruir conhecimentos; respeito à inteligência, à capacidade e ao reconhecimento de esforço e dedicação para que sistema, professor e gestor abarquem o verdadeiro sentido do “poder do mérito”.

O despertar dessa consciência é o marco zero de um processo de inserção da justiça na sala de aula para valorizar os bem-sucedidos sem prejudicar os retardatários e, assim, proporcionar ajustamento igualitário, avaliação justa, suporte aos que saem na frente para atingir os méritos dos que buscam o caminho da vitória: probidade, o que é uma contradição à realidade das nossas escolas! Porque o sistema não define competência discente e docente com base nos seus valores.

Nosso capitalismo educacional descarta o socialismo individual para fazer justiça na classificação de reconhecimento por rejeitar a democracia de talentos. Número é tudo. Assim, quem alcança números exorbitantes sem o mínimo de aprendizagem, desenvolvimento humano e profissional é exaltado como o melhor.

E o esforço dos que entregam, buscam, investigam, fazem a diferença? Conservar-se-ão suprimidos pelos que reproduzem, pescam de um, aliciam de outro… Usam a única ferramenta digital disponível à educação — Internet —, conectada a um computador programado para obedecer aos comandos ctrl+t, ctrl+c e ctrl+v?

É incrível! Ninguém ousa contestar! Expor incomoda! O veredicto é que esse silêncio que asfixia a verdade retine como retorno ao descaso, que conserva a educação num molde característico. De tão conservador, seu cardápio não demuda. Sejamos realistas: o que temos para servir aos nossos alunos? Conteúdos frívolos, ferramentas sobrepujadas e, o mais crucial, manejadas por professores desacorçoados e estressados!

De tal modo, não se trabalha a realidade, e o pior: permite-se que a desigualdade, excepcionalmente social, restrinja horizontes de indivíduos cujos esforços não são incluídos para promover o avanço na trajetória escolar, pois a calculadora do sistema é planificada para exibir resultados precisos. Quem decora mais leva mais. Quem aprende leva menos por exibir o que absorveu dos conteúdos aplicados.

Será que vai ser necessária mais uma pandemia para despertar? A educação está imersa num mar de lama movediça. Adotar um modelo meritocrático é um avanço extraordinário para um sistema que não reconhece esforço individual para ressaltar potenciais. Reconhecimento é valorizar o mérito, que impulsiona a elevação dos esforços individuais. Quando a justiça gerencia um sistema profissional, o pessoal salienta o potencial, que é ativado pelos esforços, arremessando para novos desafios.

Se sabe-se que caminho trilhar, por que tamanha resistência? Receio de sair do lugar-comum e oferecer um ensino que exalte os melhores? Meritocracia parte do princípio de agenciar indivíduos com potencial para serem projetados, e o que menos se vê no universo educação é a valorização por competências e até mesmo pelo trabalho executado, e, quando o assunto é excluir, o sistema passa a régua: não exalta aluno, tampouco valoriza educador.

Até quando a educação vai conservar na berlinda da sociedade? O que faremos quando as aulas presenciais regressarem? Excluiremos o ensino híbrido? Excluí-lo é desarmar o professor e cancelar o aluno. Se o alvo é a humanização, meritocracia é hierarquização.

O fato é que o peso do fardo de velharias desacelera o avanço, e o sistema tem ciência de que adotar o modelo meritocrático é uma carga a mais, por não conseguir deixar para trás as sucatas das tendências ultrapassadas que ostentam os ranços. Assim, é difícil acolher uma metodologia que é gerida pela responsabilidade, pois quem quer responsabilidade? Professor? Sistema? Governo? Família?

Por que meritocracia e educação não se ativam?

Ativar o senso de justiça do planeta educação para que o ideal meritocrático, que tem como ótica o encargo pessoal, estabeleça precaução para não cometer injustiças. A exaltação do individual, como reconhecimento da capacidade, impulsiona a busca de novos desafios, a ponto de tais ações se converterem em mecanismos agenciadores dos valores do indivíduo.

O entrave é que meritocracia estima o atributo, e educação se evade da qualidade, e qualidade estabelece evolução ininterrupta. Essa realidade aponta que estamos em último lugar em competitividade entre 64 nações. Quem dá veracidade é o World Competitiveness Center — que analisou a prosperidade e a competitividade —, e o mais intrigante, o País não investe mal, 5,6% do PIB: 1,2% acima dos 4,4% estabelecidos, apontam estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Se recursos arquitetam a plataforma para formar a estrutura desejada, por que não atende às demandas da educação do século XXI?

O retrocesso é efeito de uma resistência histórica aos avanços, sobretudo, tecnológicos, que não serão interrompidos para questionar ao obstinado MEC: por que contrastam as minhas ferramentas?

O interessante é que o sistema tem ciência de que a sociedade não aceita anacronismos e decreta uma educação com currículo adaptado a uma realidade que projeta para a concorrência, cujas ações desenvolvam habilidades e competências que proporcionem estruturas para competir num mercado que nomeia os melhores.

Mercado que bate na porta da escola e brada: POR QUE NÃO ESTIMULA A COMPETITIVIDADE, EXCEPCIONALMENTE NO ENSINO MÉDIO?

Para oferecer uma educação meritocrática, excepcionalmente no Ensino Médio, é preciso malabarismo. Competir está na essência do humano, e, na fase de transição entre adolescência e juventude, essa competição é irregular.alunos-em-aula

Para atender a uma faixa etária cujos hormônios estão em efervescência e ideias investem em todos os sentidos, é preciso direção, firmeza e honestidade, justiça para moldar sonhos sem postergar propósitos ou asfixiar potenciais.

A reforma do Ensino Médio foi competente, a rota delineada pelo Ministério da Educação imperou. Quem bateu o martelo? Secretários da Educação dos estados. Na verdade, não decidiram, acataram ordens. O MEC determinou que fosse assim, e essa prescrição prevaleceu.

Não pensaram no professor, não pensaram no aluno, tampouco na educação… Pensaram politicamente, e, quando se pensa politicamente, princípios meritocráticos são rejeitados para imperar a aspiração dos autocratas.

Para oferecer uma educação meritocrática, excepcionalmente no Ensino Médio, é preciso malabarismo. Competir está na essência do humano, e, na fase de transição entre adolescência e juventude, essa competição é irregular.

Tal reforma só sobreveio porque o Ideb preocupava, pois refletiu um Ensino Médio hipotético. Assim, o MEC deliberou substituir o precário por um precário maior. O surpreendente é que o sistema tem conhecimento de que essa precariedade é refletida fora da escola, como reflexo do fracasso de um processo educacional que não prepara nossos jovens para competirem no mercado de trabalho.

Nesse universo esboçado para ressaltar potenciais, a ideologia meritocrática se confronta com um dos maiores problemas do País: a desigualdade social. Seus preceitos trabalham essa realidade para nivelar competências com oportunidades, para que impere a justiça, e sabemos que o novo Ensino Médio é a outra face da farsa. O MEC trocou seis por meia dúzia. Retrocedemos, porque o esforço pessoal não promove a ascensão, pois as oportunidades são oferecidas ao bloco dominador, fazendo os fortes mais fortes e os fracos mais fracos.

É incrível! Rudemente incrível! Sistema, governo… Todos procrastinam. O governo só proporciona condições mínimas para conservar a escola aberta; o sistema não valoriza os profissionais que não atuam com atos que incitam a concorrência e, com tais ações, alargam a extensão entre as classes, e as desigualdades sociais são diligenciadas pela própria educação, que não dá retorno aos gritos que ecoam nos corredores da escola.

Se o sistema não se posicionar como mediador austero para conter injustiças que impedem a manifestação de potenciais, para que a competitividade nomeie os melhores, vitórias continuarão a ser pontos isolados. Pois imperará a tendência da exclusão através de um Ensino Médio que criminaliza o esforço individual para exaltar a mediocridade.

De quem é a responsabilidade?

O colapso abrolhou tamanha instabilidade que não podemos apontar professor nem assinalar a família como vilã. Todavia, o sistema tem conhecimento, o governo tem ciência de que algo tem que ser feito agora para reiniciar com um norte definido e, o mais terminante, sabe o que deve ser feito nesse agora.

Caro sistema, sabemos que o barco da educação, há tempos, está encalhado no mar das tendências fracassadas. Mesmo estando vivendo uma época em que máscaras é um bem necessário, experimente tirar a primeira máscara — a da hipocrisia — para ter a noção de que estamos remando contra a maré.

Observe o cenário: professor no Brasil nunca foi reconhecido, escolas nunca foram remodeladas para acompanhar a evolução, excepcionalmente, tecnológica. O que se tem feito? Remuneração! Realmente, e má remuneração para um profissional cuja missão é projetar um país para o desenvolvimento!

O Brasil é o país do futuro. Não negue a esse futuro o direito de ter um presente justo. Cancelar aquele jovem que grita no fundo da sala por uma oportunidade para existir é crime contra a vida. Não reconhecer o humano que se doa, investe os próprios recursos em formação, arrasta a família para a porta da sala de aula, movido pela esperança de um Brasil melhor, é crime contra os Direitos Humanos. Tantos esforços, e ser tratado da mesma forma que os do bloco “Tô nem aí!”.

Seja coerente, reconheça o empenho daqueles que não desistem da educação; daqueles cuja responsabilidade se converte em radar para direcionar o olhar para o aluno-alvo e focam para atingir metas; daqueles que adoecem física, psicológica e emocionalmente, renunciam a propósitos pessoais para que o compromisso de formar seja desempenhado.

É uma pena que tamanhos esforços escorram pelo ralo de um sistema sem programa estratégico, que não respeita objetivos individuais e, para camuflar, prega autonomia e independência. Por que falácias, se tais ações não fazem parte dos seus planos?

Professor tem que ser bem remunerado? É óbvio! Como qualquer profissional, professor precisa de subsídios para viver dignamente! Além de salário, carece de reconhecimento, valorização profissional; porque a profissão, de tão nobre, é digna de reverência; e, como profissional que molda vidas, o professor deve ser munido de ferramentas inovadoras, condições de trabalho incorruptíveis, respeito, estímulos e aporte para fortalecer as suas bases, pois só os fortalecidos superam desafios.

Assim, desobstrua portões, corredores e portas para que a meritocracia possa adentrar na sala de aula como ferramenta de justiça e, dessa forma, instigar alunos a desafiarem o processo de aprender como impulso de aperfeiçoamento do desempenho; para contemplar, no mundo das conquistas, o resultado de uma educação desafiadora.

Não é favor nem esmola, é reconhecimento, obrigação de quem deve atender aos direitos daqueles que ambicionam vencer através dos próprios esforços. Não é necessariamente ser um deus, basta ser justo, porque Deus é justiça. Faça justiça, dando, ao aluno, o que é do aluno e, ao professor, o que é do professor, como reconhecimento às ações bem-sucedidas.

Superar é atingir o alvo almejado, e, muitas vezes, não é preciso ser um gênio, tampouco um deus. Sobrepujar desafios, estabelecer disciplina, esforço e ação ininterrupta, pois esse valor tem que ser exaltado para estimular os que decidem pagar um preço em nome de uma conquista pessoal.

É equitativo premiar os destaques? É! Prêmio é valorização, reconhecimento pelos esforços desprendidos! Somente assim mentes brilhantes cintilarão para servir de faróis para sinalizar os que ambicionam se destacar pelos próprios esforços, pois meritocracia na educação principia com o agir humanitário.

Isso é meritocracia, ferramenta que interliga, rompe a distância entre as classes para promover oportunidades iguais, por desfechar o sinal para a corrida em que vencer é para os melhores, para que a linha de chegada aponte para esses melhores, que devem, por justiça, ocupar postos sem manobras, apadrinhamentos, condicionamentos e recomendações.

Esse diferencial salienta que recompensa não decorre do querer do outro. É agir individual. Fazer que põe, na balança, organização profissional, competência e até aristocracia.

É uma pena que tamanhos esforços escorram pelo ralo de um sistema sem programa estratégico.

Deveria ser assim, mas infelizmente não é. Nossa educação acompanha a convergência de uma sociedade selada por um sistema fechado. Não rompe a barreira para acoplar competência com oportunidades. Para ser destaque, conquistar um espaço nesse universo autossustentável, é preciso superar os que pagam porabraco uma educação que o prepara para ser não apenas destaque, mas líder.

Liderar as próprias conquistas para não encontrar, na trajetória de ascendência, concorrências. De tal modo, os maiores reconhecimentos vão para os que têm recursos financeiros para pagar o dote de uma educação inexplicável, porque recompensa salarial é para os que desenvolveram competências na educação que seus pais, graças ao poder financeiro, pagaram.

Sistema de cotas é justiça? Se for verdadeiro, encerro o questionamento: qual é a importância da meritocracia na educação se os que não estão incluídos nas cotas não têm oportunidades? É surpreendente, o vestibular para acesso às universidades públicas é essencialmente meritocrático. Ingressar é para titãs. E quem finaliza esses titãs? O ensino privado! Como ficam os gênios da escola pública? Cancelados!

Crescer por mérito no país do jeitinho tem que suplantar os que são distribuídos estrategicamente para impedirem a concorrência. Sobrepujá-los estabelece propósitos definidos e força para romper barreiras arremessadas pela injustiça que opera na surdina. Os que superam não são reconhecidos como melhores, todavia sortudos.

Sendo assim, meritocracia no Brasil é utopia. Se as oportunidades não são universalizadas, é mito pregarmos o poder do mérito. Verdade é para os que têm condições financeiras, e tudo que resta aos cancelados é sonhar. Imaginar para cumprir a alegoria de que a grandeza do ser humano tem a dimensão dos seus sonhos.

Sonhar e contemplar as marcas que refletem hipocrisia: “Pátria Amada Brasil”, que não respeita o brasileiro que brada por justiça na sala de aula para conquistar “independência”. Pois a sua ferramenta de transformação social — a educação — está além do alcance dos que rastejam à caça do reconhecimento.

Dentre marcas e prestidigitações para contrafazer, o que temos de autêntico é que, realmente, “Deus é acima de todos”. Na verdade, acima de tudo. Só não devemos nos esquecer de que esse Deus não precisa ser meritocrático, porque, além de ser o Todo-poderoso, é o eu sou! o Deus de Justiça alerta aos transgressores: a Sua justiça jamais fracassará!

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