Edição 121

Gestão Escolar

Meritocracia ou não meritocracia?

Grasiela Dourado

Pensar em um sistema de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo em uma sociedade capitalista, competitiva e excludente é o nosso desafio reflexivo. O termo meritocracia é um neologismo que tem origem no latim mereo e no grego krátos, significando diretamente a relação entre mérito e poder. Resumidamente, quem produz mais resultados recebe maior valorização e reconhecimento, o que, nas organizações, significa bônus e oportunidade de ser promovido. Esse sistema garante que um funcionário cresça conforme atinja maiores e melhores resultados.

Quando estamos falando de oportunidades, cabe a pergunta: a meritocracia faria mais sentido se a sociedade fosse igualitária e com justiça social? Compreendendo que esse sistema favorece quem possui melhores condições e quem se encontra nessa situação — com os melhores acessos a educação, moradia, segurança, saneamento, dentre outros —, possivelmente, tem acesso ao emprego de forma diferente de quem garante essa conquista tendo como barreira a ausência de políticas que o amparem.

Quando celebramos o esforço, o empenho focado na superação de si e do outro, alimentamos uma competitividade desigual que só favorece aos que detêm melhores condições. Em uma sociedade desigual, seria um sonho pensar na meritocracia associada à equidade? Vejamos, pois, como pensar em condições iguais e transformar a competição em coopetição (competir em condições iguais com solidariedade).

É preciso reconhecer que ninguém prospera somente com suas capacidades, sem precisar da ajuda da sociedade, do Estado ou da família e com a ausência de uma base que possibilite o amadurecimento emocional, social e cognitivo. São muitos elementos constituintes para a formação do indivíduo, e todos se refletem na qualidade e no resultado da entrega para as organizações e para a sociedade.

Em uma sociedade desigual, seria um sonho pensar na meritocracia associada a equidade?

Igualdade ou equidade

Pensar que um sistema que privilegia as qualidades do indivíduo relacionadas à capacidade de trabalho, e não sua origem familiar ou suas relações pessoais, à primeira vista parece resolver problemas de admissão, permanência e progressão do indivíduo no mercado de trabalho, mas um olhar mais sistêmico expõe por que a meritocracia é tão defendida pelos brancos, de elite, bem-sucedidos.

A meritocracia se tornou um mito que serve à reprodução de desigualdades sociais e raciais arraigadas na nossa sociedade. E os mitos são para serem discutidos e desconstruídos. As políticas sociais e de reparação e promoção de justiça social podem atuar de forma macro, e basta que analisemos os argumentos dos críticos das cotas, por exemplo, para nos certificar de como é complexo acabar com o mito da meritocracia. Nada justifica uma meritocracia darwinista, como a lei do mais forte, promovendo a exclusão.

Atuando no micro, podemos pensar na sala de aula de uma escola que estimula a competitividade, da Educação Infantil ao Ensino Médio, levando os alunos a pensarem que podem chegar ao sucesso sozinhos. Qual resultado socioemocional esperar de estudantes que vivenciam sucessivas competições, são classificados por notas e cometem bullying? Como são analisados os vencedores e perdedores no ambiente escolar em que um pode tudo e o outro é fracassado? Como são desenvolvidos valores como cooperação, humildade, solidariedade, altruísmo? Este conjunto de reflexões deve estar presente em cada equipe que pensa o currículo e na resultante de práticas meritocráticas no processo de ensino-aprendizagem. Sim, meritocracia é para ser pensada se cabe ou não cabe no currículo, na gestão de pessoas e em todo o sistema educacional.

A ilusão do mérito

Imagine agora uma prova de atletismo e o que podemos analisar a partir desta metáfora: “Os atletas, preparados para competir em uma prova de obstáculos, de forma diferente, com suporte diferente e treinamentos diversos, estão na linha de largada em uma corrida que inicia agora. O que pensamos ao assistir: ao final da corrida, o vencedor terá alcançado êxito pelo esforço e pela capacidade”. É isso que comumente vemos nas competições, não é? Trazendo essa metáfora para o cotidiano, a prova de atletismo pode corresponder ao nosso desenvolvimento social e profissional, e o final da competição pode corresponder ao indivíduo que foi declarado pela estrutura financeira estável, boa formação. O campeão foi o melhor! Indaguemos, pois: é justa uma corrida quando não partimos com as mesmas condições? A corrida, neste caso, é ou não a reprodução da desigualdade presente na sociedade? Um descalço e outro com tênis importado.

Para uma meritocracia ser justa, deveria passar pelo investimento público e social, com educação de qualidade para todos, programas assistenciais para promoção de equidade e tudo o mais que se fizer necessário para que os indivíduos entrem na corrida sob as mesmas condições.

Para uma meritocracia ser justa, deveria passar pelo investimento público e social, com educação de qualidade para todos, programas assistenciais para promoção de equidade e tudo o mais que se fizer necessário.

Metáfora à parte, a meritocracia enquanto luta contra privilégios agrada as pessoas pela promessa de limite a abusos, para evitar que o rico ocupe o cargo por indicação, e seria um erro, ao fazermos uma reflexão crítica, não reconhecer a importância dessa promessa. Mas esta reflexão nos convida a pensar no que é privilégio, mérito e demérito, compreendendo que este sistema gera um autoengano, que é tão difundido entre as pessoas, fazendo-as, às vezes, imaginar ser meritoso quem tem sucesso e criar deméritos para quem é fracassado, pobre ou não vencedor. Este sistema reforça que o desmerecedor é culpado, que o pobre é culpado, e, neste ínterim, a meritocracia se tornou a legitimação ética da desigualdade.

Referências

SANDEL, Michel J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

Grasiela Dourado é pedagoga, com habilitação em Supervisão Escolar, pós-graduada em Metodologia e Didática, palestrante e consultora educacional; tem MBA em Gestão Estratégica de Pessoas e MBA em Bussiness Transformation.

E-mail: grasieladourado@gmail.com.

cubos