Edição 129

Profissionalismo

O brincar como eixo para o desenvolvimento da aprendizagem

Anita S. M. Pinheiro

“É assim que se brinca…
Cada jogo tem suas regras.
Mas cada grupo de criança as interpreta,
cria e recria a seu modo.
Vou explicar as regras do jogo.
Cabe a você traduzi-las…”

Adriana Friedmann

A utilização do lúdico no processo de desenvolvimento e aprendizagem, representado pelo brincar, leva-nos a considerar a afirmativa de Rau (2007): “[…] o jogo oportuniza a aprendizagem do sujeito e o seu desenvolvimento […]”. Isso nos faz avançar nos estudos sobre a ludicidade na prática pedagógica como eixo no processo de ensino-aprendizagem. Mas, antes disso, precisamos conhecer os significados do jogo, do brinquedo e das brincadeiras que compõem a ação lúdica como recurso pedagógico.

Iniciaremos por conhecer as diferenças e características de cada um, segundo Kishimoto (2016). Por defender a importância do jogo na Educação Infantil, ela apresenta definições do fenômeno jogo ligado ao brinquedo e às brincadeiras. Em suas pesquisas e seus estudos, a autora chama a atenção para o significado impreciso deles, devido à diversidade de situações em que são empregados, acabando por receber a mesma denominação. Por outro lado, Kishimoto define bem as características do jogo, o que esclarece a distinção entre ele, os brinquedos e as brincadeiras.

Logo, para a autora, o jogo se distingue pelos critérios de: não literalidade (as situações de jogo se caracterizam por um quadro no qual a realidade interna predomina sobre a externa); efeito positivo (o jogo é normalmente caracterizado pelos signos do prazer ou da alegria, com efeitos positivos na dominância corporal, moral e social da criança); flexibilidade (as crianças estão mais dispostas a ensaiar novas combinações de ideias e comportamentos em situação de jogo que em outras atividades não recreativas); prioridade no processo de brincar (enquanto a criança brinca, sua atenção está concentrada em si, e não em seus resultados ou efeitos); livre escolha (o jogo só pode ser jogo quando selecionado, livre e espontaneamente, pela criança); e, por último, a característica mais distintiva: o controle interno (no jogo, são os próprios jogadores que determinam o desenvolvimento dos acontecimentos) (KISHIMOTO, 2021, p. 5 e 6).

A autora se apoia em vários teóricos e pesquisadores e cita Fromberg (1987, p. 36) quando se refere ao jogo infantil, que o define com estas características: simbolismo (ao representar a realidade e as atitudes); significação (uma vez que permite relacionar ou expressar experiências); atividade (ao permitir que a criança faça coisas); voluntário ou intrinsecamente motivado (ao incorporar seus motivos e interesses); regrado (de modo implícito ou explícito); e, por último, episódico (caracterizado por metas desenvolvidas espontaneamente).

Considerando todas essas características do jogo apontadas por Kishimoto e complementadas por Fromberg, passamos a compreender que o jogo é um fenômeno cujo efeito, quando aplicado ao processo de desenvolvimento e aprendizado, no contexto educacional, depende de vários fatores diretamente ligados à criança, de suas relações com o objeto (o brinquedo) e de suas motivações e/ou situações produzidas (a brincadeira).

Logo, a definição mais aproximada para o termo jogo, segundo a autora, seria “[…] uma descrição de uma ação lúdica que envolve situações estruturadas”. Além disso, Kishimoto define brinquedo como o objeto “suporte da brincadeira, […] quer seja concreto ou ideológico, concebido ou simplesmente utilizado como tal ou mesmo puramente fortuito”, na concepção de Champagne (1989). Brincadeira, por sua vez, seria “[…] a descrição de uma conduta estruturada, com regras”.
Para um melhor entendimento sobre essas diferenças, Rau apresenta, num quadro ilustrativo, os elementos existentes no jogo, no brinquedo e na brincadeira:

Com esse embasamento teórico, passamos a entender a importância dada, pelos estudiosos e pesquisadores, ao jogo infantil como recurso para educar e desenvolver a criança. Chateau (1979), Vial (1981) e Alain (1986) “[…] assinalam a importância do jogo infantil como recurso para educar e desenvolver a criança, desde que respeitadas as características da atividade lúdica”. E Trifu (1986) complementa: “O jogo é uma realidade móvel que se metamorfoseia conforme a realidade e a perspectiva do observador e do jogador. Por tais razões, é necessário considerar o contexto no qual o fenômeno está presente, a atividade daquele que joga e o significado atribuído ao jogo pelo observador”. Essa perspectiva nos leva a considerar, em nossa prática, as teorias que tratam os processos internos, defendidas por Piaget, Vygotsky, Freud, Caillois, Huizinga, que afirmam: “[…] os processos internos relacionados ao comportamento lúdico focalizam o jogo como representações de um objeto. […] Tais estudos, ao considerarem a realidade interna (representação) e o ambiente externo (papéis, objetos, valores, pressões, movimentos, etc.), permitem uma determinação teórica mais completa” (KISHIMOTO, 2021, p. 7 e 11).

Nesse sentido, Rau (2007) afirma: “[…] com base no pressuposto de que toda prática pedagógica deve proporcionar alegria aos alunos no processo de aprendizagem, o lúdico deve ser levado a sério na escola, proporcionando-se o aprender pelo jogo e, logo, o aprender brincando”. Isso nos garante uma prática pedagógica lúdica integrando brincar a aprender, pautada em fundamentos teóricos que nos respaldam em uma prática pedagógica comprometida.

Embora a utilização do jogo como recurso pedagógico ainda esteja em discussão entre pesquisadores e estudiosos, refletindo em dúvidas entre os professores, o foco da questão é, segundo Kishimoto: “[…] se há diferença entre o jogo e o material pedagógico, se o jogo educativo empregado em sala de aula é realmente jogo e se o jogo tem um fim em si mesmo ou é um meio para alcançar objetivos […]”. Em resposta a essas questões, para a nossa prática educativa, a autora elucida: “[…] Se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização deveria criar momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os mesmos objetos [brinquedos de suporte às brincadeiras, aos jogos/lúdico] servem para auxiliar a ação docente, buscam-se resultados em relação à aprendizagem de conceitos e noções ou mesmo ao desenvolvimento de algumas habilidades […]”. Nessa proposição, fica entendido que o objeto (brinquedo) pode ser usado em seus dois sentidos, como brinquedo em sala de aula, em sua função lúdica, ou como objeto usado como material pedagógico, o que nos faz compreender que sua utilização pelo professor vai depender do contexto estabelecido em sala de aula ou nos diversos espaços de sua aplicação.

Logo, a possibilidade de aplicação do lúdico (jogos, brinquedos e brincadeiras) na sala de aula ou no espaço escolar, como recurso pedagógico, traduz-se no uso de jogos educativos, que, segundo Kishimoto, “[…] estariam relacionados concomitantemente a duas funções. […] A primeira seria a função lúdica do jogo, expressa na ideia de que sua vivência propicia a diversão, o prazer, quando escolhido voluntariamente pela criança. A segunda seria a função educativa, quando a prática do jogo leva o sujeito a desenvolver seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão de mundo. O equilíbrio entre as duas funções seria então o objetivo do jogo educativo”. Para o alcance dessa aplicação, a autora chama a atenção para, “[…] em se tratando da utilização do jogo como recurso pedagógico, refletir sobre quais dificuldades podem ser enfrentadas quando se desenvolve algum tipo de jogo com o aluno em sala de aula […] a organização do espaço, a seleção dos brinquedos e a interação das crianças refletem a ação voluntária da criança e a ação pedagógica do professor […]”.

Nesse sentido, para o uso de jogos educativos no ambiente escolar e em espaços educativos, com a intencionalidade pedagógica de incorporar a função lúdica e a educativa, a autora indica a necessidade de aplicação dos critérios apresentados por Champagne (1989, p. 113) de modo que garanta a essência do jogo; são eles:

1. O valor experimental – permitir a exploração e a manipulação.

2. O valor de estruturação – dar suporte à construção da personalidade infantil.

3. O valor de relação – colocar a criança em contato com seus pares e adultos, com objetivos e com o ambiente em geral para propiciar o estabelecimento de relações.

4. O valor lúdico – avaliar se os objetivos possuem as qualidades que estimulam o aparecimento da ação lúdica.

Além desses critérios norteadores quanto ao uso do jogo educativo, a autora ressalta os cuidados relativos a: idade, preferências, capacidades, projetos de cada criança e uma constante verificação da presença do prazer e dos efeitos positivos do jogo. Para isso, chama a atenção do educador para, primeiramente, auxiliar a criança, ensiná-la a utilizar o brinquedo e, posteriormente, considerá-la apta a uma exploração livre (KISHIMOTO, 2021, p. 19 e 20).

Considerando essas informações sobre a possibilidade de utilização do lúdico (jogos, brinquedos e brincadeiras), a que os estudiosos se referem como “jogos educativos”, entendemos que o brincar como eixo para o desenvolvimento da aprendizagem ocupa espaço no ambiente escolar, principalmente na Educação Infantil e em todo o Ensino Fundamental, respondendo a interesses tanto da criança como do educador.

Mas, segundo Rau, para o professor se apropriar do jogo como prática pedagógica, faz-se necessária, em sua formação docente, uma preparação fundamentada no lúdico como práxis educativa, o que implica em: conhecimento teórico sobre o lúdico; observação do aluno em situação lúdica; escolha de brinquedos e brincadeiras culturais adequadas; definição de objetivos; organização do ambiente lúdico de modo que favoreça as interações criança-criança, criança-adulto e criança-objeto.

Se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização deveria criar
momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece a incerteza do ato e não se buscam resultados. ”

A autora nos leva à compreensão do papel do educador usando o lúdico (brincar), em sua prática pedagógica, como recurso que propicia o conhecimento da realidade do seu grupo de crianças, seus interesses e suas necessidades, seus comportamentos, seus conflitos e suas dificuldades e, ao mesmo tempo, promove espaço para estimular os desenvolvimentos cognitivo, social, linguístico e cultural, resultando em aprendizagens específicas (RAU, 2007, p. 49).


Anita S. M. Pinheiro é psicóloga, psicopedagoga e especialista em neuropedagogia.

Nota: Professores e professoras, na próxima edição encerraremos a temática ludicidade e educação com a apresentação de uma proposta de brinquedoteca no ambiente escolar!

Referências

KISHIMOTO, Tizuko Mozchida. O jogo e a Educação Infantil. São Paulo: Cengage Learning, 2021.

RAU, Maria Cristina T. D. A ludicidade na educação: uma atitude pedagógica. Curitiba: Ibpex, 2007.

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