Edição 93

Professor Construir

O papel do professor na negociação de sentidos em sala de aula

Júlio Furtado

A aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação cognitiva entre conhecimentos novos e conhecimentos prévios (denominados subsunçores, por David Ausubel). Para que aprendamos um novo conceito ou uma nova ideia, precisamos fazer uma correlação entre o novo e o que já sabemos. É um processo interativo, ambos os conhecimentos se modificam: os novos adquirem significados, os prévios tornam-se mais elaborados, mais ricos em sentido, mais estáveis cognitivamente e mais capazes de facilitar a aprendizagem significativa de outros conhecimentos.

Ao desenvolver, por exemplo, o conceito de campo magnético, o aluno irá relacioná-lo ao conceito de campo que ele já possui (campo de futebol ou campo como zona rural, por exemplo), e essa relação irá facilitar a construção do novo conceito. Nesse caso, os educandos adquirem um novo conceito, e o conceito prévio é ampliado.

O conceito prévio pode facilitar a construção de um novo conceito, mas pode, também, dificultar esse processo. Em Geografia, por exemplo, o conceito prévio de altura (distância vertical entre o ponto mais baixo e o ponto mais alto de uma mesma pessoa, objeto ou relevo) que o aluno geralmente traz dificulta a construção do conceito de altitude (distância vertical medida entre um determinado ponto e o nível do mar). A confusão se faz quando ele percebe que uma montanha de maior altura pode ter menor altitude do que outra de menor altura. O mesmo acontece em Física, com o conceito de força e trabalho, ou em Contabilidade, com o conceito de débito e crédito.

Esses exemplos ilustram a existência de significados cotidianos (que geralmente são trazidos pelos alunos) e significados científicos (que são apresentados pelo professor). É nesse contexto que o professor precisa se apropriar da importância de ser um bom negociador de significados, de forma a facilitar a construção de novos conceitos, aceitos cientificamente.

É preciso que façamos uma diferenciação entre significado e sentido. O sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavra evoca na consciência. É um todo fluido e dinâmico, com zonas de estabilidade variável. O significado é a zona mais estável e precisa, que é uma construção social, de origem convencional (ou sócio-histórica) e de natureza relativamente estável.

O sentido é formado de maneira rápida, a partir de correlações diretas que o aluno faz entre o novo e o prévio. É, porém, revestido de subjetividade e deve ser depurado para que se converta em um significado socialmente aceito. Pode ser que o educando forme um sentido de altitude que somente se aplique a situações em que identifique o ponto mais baixo e o ponto mais alto (influência do conceito prévio de altura que ele já traz). Nesse caso, ele terá dificuldade em entender quando falamos da altitude de um planalto ou de uma cidade.

Em geral, a negociação de que trata o título deste artigo começa, na verdade, como uma negociação de sentidos para que se construa um significado cientificamente aceito. Negociar sentido exige que nos coloquemos em uma atitude de abertura para identificar os elementos que compõem o sentido que o aluno construiu. Ao perceber, por exemplo, que ele tem dificuldade de compreender a altitude de um planalto ou de uma cidade, o professor deve questioná-lo para descobrir as particularidades do sentido de altitude que ele estabeleceu que estão dificultando a construção do significado. Esse questionamento deve ser feito de maneira cuidadosamente específica por meio de frases como: “O que faz com que você não entenda a altitude de um planalto?”; “Dê exemplo de algo em que você consegue entender a altitude.”; “Qual a diferença entre os dois?”.

Por intermédio das respostas, o professor entenderá que a dificuldade reside no fato de os planaltos e as cidades não possuírem, destacadamente, um ponto mais alto. No sentido que o aluno construiu (muito análogo ao conceito de altura), é impossível calcular a altitude de cidades e planaltos. É nesse momento que o professor entenderá a necessidade de apresentar o conceito de altitude média.

A proporção de objetividade contida no processo de aprendizagem de um conceito ou ideia é muito menor do que geralmente nós, professores, imaginamos. Isso ocorre tanto em função da subjetividade do processo de comunicação como da contextualidade dos conceitos subsunçores já aprendidos. Essa negociação exige extrema atenção por parte do professor, que é o agente desencadeador de relações facilitadoras.

Alguns comportamentos docentes marcam essa postura e colaboram para garantir uma aprendizagem significativa. Vamos analisá-los.

O principal papel do professor no processo de negociação de significados é desafiar os conceitos já aprendidos para que eles se reconstruam mais ampliados e consistentes, tornando-se mais inclusivos em relação a novos conceitos. Quanto mais elaborado e enriquecido é um conceito, maior possibilidade ele tem de servir de parâmetro para a construção de novos conceitos.

Isso significa dizer que, quanto mais sabemos, mais temos condições de aprender. O papel docente de desafiar deve ser insistentemente aperfeiçoado. Precisamos construir nossa forma própria de “desequilibrar” as redes neurais dos alunos. Essa função nos coloca diante de um novo desafio com relação ao planejamento de nossas aulas: buscar diferentes formas de provocar instabilidade cognitiva. Logo, planejar uma aula significativa representa, em primeira análise, buscar formas criativas e estimuladoras de desafiar as estruturas conceituais dos alunos.

Essa necessidade nos poupa da tradicional busca de maneiras diferentes de “apresentar a matéria”. Na escola, informações são passadas sem que os alunos tenham necessidade delas; logo, nossa função principal como professores é gerar questionamentos, dúvidas, criar necessidade, e não apresentar respostas prontas.

Quando problematizamos, abrimos as possibilidades de aprendizagem, uma vez que os conteúdos não são tidos como fins em si mesmos, mas como meios essenciais na busca de respostas.

Os problemas têm a função de gerar conflitos cognitivos nos alunos (desequilíbrios), que provoquem a necessidade de empreender uma busca pessoal. Esse desafio a que nos referimos não precisa ser algo extraordinário, o essencial é cumprir o papel de “causar sede”. Podemos promover um desafio com uma simples pergunta: “Por que quanto mais alto mais frio fica se, quanto mais alto, mais perto do Sol estamos?”. Outras vezes, uma situação se presta muito bem para promover tal desequilíbrio, como o aparecimento de pintinhas coloridas na pétala de uma rosa em cuja jarra tenha sido colocada água colorida. Outras atividades, como apresentação de um recorte de jornal, de uma fotografia, de uma cena de um filme ou de uma pequena história, são igualmente excelentes desafios.
Procure novas maneiras de desafiar os alunos
O principal papel do professor no processo de negociação de significados é desafiar os conceitos já aprendidos
Segundo Ausubel, é indispensável, para que haja uma negociação de sentidos, que os alunos se predisponham a aprender significativamente. Vem daí a necessidade de “despertarmos a sede”.

Uma pesquisa feita na década de 1980 com um universo de 800 alunos do Ensino Médio chegou à conclusão de que havia dois tipos de predisposição entre eles: a aprendizagem superficial e a aprendizagem profunda (nomeadas pelos próprios alunos).

A aprendizagem superficial ocorre quando a intenção limita-se a preencher os requisitos da tarefa; assim, mais importante do que a compreensão do conteúdo é prever o tipo de pergunta que pode ser formulada sobre ele, aquilo que o professor julgará importante. O foco é transferido da importância real do conteúdo para as exigências que serão feitas sobre ele. A aprendizagem superficial ocorre, então, quando há a intenção principal de cumprir os requisitos da tarefa. Como consequência, ocorre a memorização de informações necessárias para testes e provas. A tarefa é encarada como imposição externa.

Na aprendizagem superficial, não há reflexão sobre propósitos ou estratégias, e o foco é colocado em elementos soltos, sem integração. O aluno sabe que tem que saber como ocorre o processo de respiração humana, tem que saber descrevê-lo, tem que saber o nome dos principais órgãos envolvidos, mas “não faz contato” com a importância de uma respiração plena para sua qualidade de vida.

É preciso levar em consideração que esses enfoques se aplicam à forma de abordar a tarefa, e não ao estudante; ou seja, um aluno pode modificar seu enfoque de uma tarefa para outra ou de um professor para outro, embora sejam observadas tendências para o uso de enfoques profundos e superficiais. O que determina seu empenho é a disponibilidade interna para a aprendizagem.

A aprendizagem profunda ocorre quando a intenção dos alunos é entender o significado do que estudam, o que os leva a relacionar o conteúdo com aprendizagens anteriores, com suas experiências pessoais, o que, por sua vez, os leva a avaliar o que vai sendo realizado e a perseverar até conseguirem um grau aceitável de compreensão sobre o assunto. A aprendizagem profunda se torna real quando há a intenção de compreender o conteúdo e, por isso, há forte interação com ele, por meio do constante exame da lógica dos argumentos apresentados.

O que faz com que um aluno mostre maior ou menor disposição para negociar sentidos? Digamos que é um misto de condições que pertencem ao universo do aluno e questões que pertencem à própria situação de ensino ? ao “contexto físico” da aprendizagem ?, que é resultante da predisposição do professor em promover uma aprendizagem superficial ou profunda. Perseguir, pois, uma aprendizagem profunda significa organizar os elementos que compõem a situação de ensino de modo motivador e desafiador, cuidando da relação pessoal com os alunos para dar suporte ao despertar do universo do aluno e criando um panorama favorável ao “mergulho necessário” a uma efetiva negociação de sentidos que possa fundamentar a construção de significados cientificamente aceitos.
Persiga a aprendizagem profunda
PROFESSOR CONSTRUIR
PROFESSOR CONSTRUIR
A troca de percepções entre os alunos estimula a ampliação de ideias, a testagem de hipóteses pessoais e, consequentemente, a negociação de sentidos. O indivíduo não nasce pronto nem é cópia do ambiente externo. Em sua evolução intelectual, há uma interação constante e ininterrupta entre processos internos e influências do mundo social. A partir dessa afirmação, Vygotsky justifica a necessidade de interação social no processo de aprendizagem. Atento à “natureza social” do ser humano, que desde o berço vive rodeado por seus pares em um ambiente impregnado pela cultura, Vygotsky defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto dessa convivência. Para ele, “na ausência do outro, o homem não se constrói homem”. Enfim, é por meio da aprendizagem nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental.

Essa interação deve se concretizar em sala de aula por intermédio do estímulo da troca de ideias e de opiniões entre os alunos. Essas trocas devem ser breves e em pequenos grupos (três alunos é o ideal) para evitar a dispersão e perda de foco. No momento em que um aluno ouve a opinião do colega e reflete sobre o que ele diz, ele tem a oportunidade de ratificar ou retificar sua opinião, por meio de uma síntese dialética, necessária a todo conhecimento consistente.
Promover a interação entre os alunos
Cuidados necessários no dia a dia da sala de aula
O primeiro desses cuidados consiste em parar de “dar aulas”. Por mais estranho que possa parecer, essa é a principal atitude a ser desenvolvida pelo professor. Paulo Afonso Caruso Ronca faz o questionamento perfeito sobre essa situação: “Se o papel do professor é dar aulas, enquanto ele dá a sua aula o aluno faz o quê?” A expressão “dar aula” é fruto da “Era do mundo pronto”.

Em um contexto de mundo inacabado e em constante mudança, nós não temos nenhuma aula a “dar”, mas a construir junto com o aluno. O aluno precisa ser o personagem principal dessa novela denominada aprendizagem. Já não tem mais sentido continuarmos a escrever, dirigir e atuar nessa novela unilateral, na qual o personagem principal fica sentado no sofá, estático e passivo, assistindo, na maioria das vezes, a cenas que ele não entende. As novelas “de verdade” já estão incluindo o telespectador em seus enredos, basta observarmos a frequência de pesquisas populares que norteiam o autor na composição de personagens e na definição dos rumos da história.

Dar aula cansa, frustra e até adoece. Cansa porque precisamos manter os alunos quietos e prestando atenção em algo sobre o que eles geralmente não sentem a mínima necessidade de aprender. Para que supostamente aprendam (leia-se: fiquem quietos, olhando para o professor), muitas vezes desprendemos uma energia sobre-humana, que vem geralmente acompanhada de frustração e desespero. A doença é consequência direta do processo de frustração em função dessa postura.

Outro cuidado fundamental é parar de dar respostas. Aprender é fruto de esforço. Esse esforço precisa ser a busca de uma solução, de uma resposta que nos satisfaça e nos reequilibre. À medida que nos preocupamos mais em dar respostas do que fazer perguntas, estamos evitando que o aluno faça o necessário esforço para aprender. Eis o passaporte para a acomodação cognitiva. Dar a resposta é contar o final do filme. Poupa o sofrimento de vivenciar a angústia de imaginar diferentes e possíveis situações, de exercitar o modelo de ensaio e erro, enfim, poupa o aluno do exercício da construção de significados.

Em um contexto de “mundo pronto”, a resposta fazia sentido. Em um contexto de “mundo em construção”, a resposta impede a aprendizagem. Além do que, a perspectiva do vir a ser exige uma busca constante. Se, em um mundo dinâmico, paramos de buscar, saímos da sintonia desse mundo e nos desconectamos do processo global de desenvolvimento. Diante dessa realidade, o desejo, a vontade, a curiosidade e a disponibilidade interna para aprender ganham especial importância.

Segundo Célestin Freinet (1896–1966), todo método que tentar fazer beber água o cavalo que não tem sede está fadado ao fracasso. Essa máxima nos remete à profunda reflexão sobre a importância do papel do sujeito que aprende. Remete-nos à reflexão sobre o papel do professor como “provocador da sede”.

Parar de dar muitas instruções é outro cuidado fundamental. Quanto mais instruções, mais seguidores de instruções formaremos. Não que as instruções tenham sido banidas do mundo atual, o uso da tecnologia deixa-nos “atados” aos manuais, por exemplo. Refiro-me à pouca presença da autonomia na sala de aula. Quando um professor detalha minuciosamente as orientações que acompanham uma tarefa e faz um acompanhamento passo a passo de cada etapa para que todos possam caminhar juntos, ele está favorecendo a dependência dos alunos, e não sua autonomia. Nesses casos, os alunos não se preocupam muito em compreender o que fazem, mas, sim, em seguir as instruções do professor, o que lhes vai garantir êxito.

Desenvolvimento de autonomia na sala de aula está ligado à possibilidade de os alunos tomarem decisões racionais sobre o planejamento de seu trabalho. Responsabilizando-se por suas tarefas e conhecendo os critérios em que serão avaliados, os alunos poderão regular suas decisões e se apropriar da atividade.

Cuidado, porém, com os excessos! Não dar muitas instruções não corresponde a adotar a teoria do “te vira”. Precisamos fornecer as instruções necessárias, incentivar as decisões coerentes e questionar as decisões descabidas. Aprendizagem significativa não necessita de proteção, mas, sim, de cuidado.

Júlio Furtado é Mestre em Educação pela UFRJ. Exerceu o cargo de Reitor da UNIABEU (RJ). Graduado em Pedagogia. Diplomado em Psicopedagogia e Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana, Cuba. Pós-graduado em Orientação Educacional. Endereço eletrônico: www.juliofurtado.com.br.

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