Edição 116
A fala do mestre
Os sábios, os tolos e os autoritários
Lécio Cordeiro
No artigo anterior, falamos sobre o poder que tem a voz dos professores. Em linhas gerais, defendemos que nosso papel diante dos alunos é, em boa medida, o de ir além da atribuição primordial do cargo, isto é, ajudar os alunos a desenvolver uma série de habilidades com vistas ao conhecimento e à faixa etária. Voltamos a este ponto para nos conectar com o tema central desta edição da nossa Construir Notícias, afinal a capacidade e a disponibilidade de ouvir os alunos são essenciais para todo professor que procura ir além.
Comumente, somos os adultos com quem os alunos mais conversam e os únicos em quem confiam. Em outras edições, falamos sobre os diferentes fatores que levam à construção desse arranjo socioafetivo. Em resumo, todos passam, necessariamente, pela dificuldade que muitos deles têm de dialogar com seus familiares mais próximos, sobretudo com aqueles que lhes tutelam. São órfãos de pais vivos. De fato, um dado que muitos de nós esquecemos é que, além de pressupor a existência de duas pessoas para a interlocução, o diálogo efetivamente saudável se constitui na disponibilidade de falar e de ouvir. O problema é que, em boa medida, todos querem falar, mas poucos se dispõem a ouvir. Pior: ouvem com postura autoritária.
O autoritarismo é um dos muros que os pais dos nossos alunos constroem com a ilusão de que, na verdade, estão apenas impondo limites. Segundo o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (1896–1971), o limite é o desejo de quem cuida. Para ele, é preciso ajudar a criança a fazer a distinção entre o que é ela e o que são os pais. A possibilidade de dizer “não”, nesse ponto, é o que os diferencia. Assim, é preciso que os pais evidenciem o que desejam: “Eu não quero que você coloque o dedo na tomada, eu não quero”. Isso é um desejo. E nunca dizer: “Não pode pôr o dedo na tomada, porque a formiguinha morde”. Se assim for, para a criança, pode. De acordo com o pensamento de Winnicott, esse é o limite. Aí os pais perguntam: “Mas não precisa explicar o desejo?”. A resposta deve ser firme como se fosse dada à própria criança: “Não!”. Evidentemente, eles insistem: “E se ela perguntar por que não pode colocar o dedo na tomada?”. Diga que não quer. Ponto. Ao contrário do que uma análise superficial sugere, isso não é autoritarismo. É limite.
Seria autoritarismo mandar a criança escovar os dentes e dizer que, se ela chorar por isso, apanhará. Quando Winnicott começou a falar de limites, as pessoas se assustaram, porque a ideia de limite sugere autoritarismo. Havia uma razão para isso: o século XX foi bastante marcado pela imposição irrefletida de ideias, pelas guerras, pelas ditaduras. E o efeito rebote foi, exatamente, um desejo grande de liberdade, permissividade. Deixaremos a conversa sobre a imposição de limites para outra ocasião. O que importa aqui é refletirmos sobre a necessidade de escutar os alunos sem autoritarismo. Ouvi-los simplesmente para ajudar no que nos compete, não para lhes criticar ou castigar. Meus amigos, essa postura é tão importante quanto qualquer outro objetivo pedagógico. Ela deve atravessar nossa prática cotidiana de ponta a ponta, orientando-nos o tempo inteiro, da preparação das aulas às conversas aleatórias. Isso ficou claro para mim na primeira aula de produção textual que ministrei em uma turma do primeiro ano do Ensino Médio.
Alguns anos atrás, fui contratado como substituto em uma escola agroindustrial em uma cidade do interior de Pernambuco. A maior parte dos professores eram concursados, viviam no Recife e iam para lá apenas nos dias de aula. Queixavam-se do “desinteresse” dos alunos, mas não percebiam que levavam, para uma escola rural, as mesmas aulas e a didática que desenvolviam nas escolas elitizadas da capital. Fiz isso também, mas, na primeira aula, vi que esse método não prosperaria. Levei uma aula pronta sobre consumismo, cheio de entusiasmo e argumentos pré-moldados para estruturar uma discussão. A turma me observava com desconfiança. Forcei uma conversa por dez minutos até perceber que o problema não era os alunos, mas o método. Então mudei a estratégia e vi que o abismo era bem mais profundo. Recomecei a discussão perguntando qual era o maior sonho de consumo da vida deles. A resposta foi quase unânime entre os meninos: “Comprar uma moto”. Surpreso, perguntei por quê. “Pra correr como mototáxi”, responderam. Preocupado com essa situação, mudei de método; desesperado, revi todos os temas que planejava abordar. Na esperança de ajudar mais os alunos, levei a experiência para a sala dos professores. No entanto, em vez de cumplicidade, encontrei mais preocupação. Como eu, os colegas também haviam se deparado com o mesmo problema, mas, em vez de ouvir os alunos e se adaptar, muitos deles preferiram seguir adiante sem “perder tempo”, como disseram. Foi assim que eu soube que a professora de Geografia dava aula somente para quem sentava na frente, o professor de Química passava o ano inteiro falando da tabela periódica, o professor de Língua Portuguesa fazia ditados intermináveis, a professora de Inglês trabalhava apenas o verbo to be. Como era um Instituto Federal, muitos deles eram doutores. Contraditoriamente, eram idolatrados nas escolas e nos cursinhos da capital, onde se ostentavam nos outdoors, mas lá no interior, para os alunos que tinham o sonho de ser mototaxistas, eles não eram nada.
Meus amigos, os alunos são a parte mais interessante da nossa profissão. Eles são o início e o fim de todo o processo que constitui a docência. É nossa obrigação levá-los a superar sua condição imediata. Para isso, é fundamental ouvi-los. Nestes tempos de extrema impessoalidade, a capacidade de ouvir é essencial. Não estou dizendo que devemos ser confidentes dos alunos. Estou dizendo que, nos limites do que nos compete profissionalmente, precisamos conhecê-los, com ponderação, humildade, atenção. Muitas vezes, eles só precisam disso. Lembrem-se: falar e escutar na medida certa são a base de todo diálogo saudável. Qualquer desequilíbrio nessa dualidade é extremo, para o bem ou para o mal. A sabedoria antiga ensina: os sábios ouvem mais e falam menos; os tolos falam mais e ouvem menos; os autoritários sempre falam, mas nunca ouvem.