Edição 129
A fala do mestre
Planejamento reverso: contribuições das metodologias ativas
Rosangela Nieto de Albuquerque
Planejar é preciso…
Os professores são planejadores, são mestres em elaborar ações para atingir objetivos gerais e específicos. Em sua práxis educativa, baseados no currículo, buscam promover ações/experiências para se chegar à aprendizagem, ao ato educativo. E também planejam as avaliações como processo de ensino-aprendizagem para diagnosticar as necessidades dos estudantes, orientar o ensino e atingir o objetivo proposto: a aprendizagem e o conhecimento.
Na Educação Básica, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) regulamenta quais são as aprendizagens fundamentais a serem trabalhadas nas escolas brasileiras para garantir o direito à aprendizagem e o desenvolvimento pleno de todos os estudantes.
A partir das habilidades e competências descritas na BNCC, fundamentada em desenvolver os estudantes para uma formação integral, o planejamento reverso tem grande importância, pois visa a organizar unidades curriculares, e não as aulas individualmente; assim, é importante pensar de forma macro para depois pensar nas experiências de aprendizagem.
No que tange ao segmento da Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental, professores/coordenadores trabalham de forma coletiva, aperfeiçoando os planos de ensino e modificando as ações educativas e os descritores avaliativos, buscando, assim, o melhor caminho a trilhar para promover o desenvolvimento dos estudantes.
O ato educativo se fundamenta no planejamento. Planejar é preciso…
Se até para funções simples, no dia a dia, precisamos de um certo grau de planejamento, então no processo educativo é imprescindível planejar.
Vasconcellos (2000, p. 159) enfatiza que há uma questão que precisa ser levada em consideração pelo planejador: não se pode tangenciar os extremos, “[…] o planejamento se tornar o tirano da ação ou se tornar um simples registro, um jogo de palavras, desligado da prática efetiva do professor”.
Há muito se discute sobre a relevância do desenvolvimento integral dos estudantes nos diferentes segmentos da educação; certamente, o professor tem o compromisso de auxiliar esse desenvolvimento através de um documento norteador das competências e habilidades; assim, observa-se que a ferramenta do planejamento reverso é a ponte entre as ações e os resultados que se deseja alcançar.
Cada vez mais entende-se que o estudante/ser humano é um sujeito complexo e completo, que chega à escola com curiosidades, movimento, conexões, corpo, alma, cérebro, emoções e sentimentos; dessa forma, a escola precisa pensar em aprimorar as ações acerca do desenvolvimento integral dele.
Pensar nesse estudante integral é promover uma reflexão sobre o que, como e para que planejar e onde o estudante utilizará esse conhecimento, alinhado a que sujeito se quer formar. Dessa forma, precisa-se dar autonomia e oportunidade para que o professor possa construir um planejamento reverso, que é uma das etapas mais importantes do processo educativo, e, para tanto, alinhar a produção de conhecimento aos resultados almejados. Optar pelo planejamento reverso é o primeiro passo para, posteriormente, definirem-se as metodologias.
Contribuições das metodologias ativas no planejamento reverso
Quando pensamos no planejamento reverso, adaptamos a prática educativa à teoria, ao documento orientador (BNCC). Trabalha-se com a experiência/vivência do estudante e se faz a adaptação à realidade histórica e social. Que sujeito aprendente temos hoje? É mister buscar entender o sujeito aprendente em sua complexidade, com suas emoções e seus sentimentos, num contexto cultural. Dessa forma, há que se pensar na estratégia a ser utilizada. A metodologia ativa é um conceito amplo que envolve estratégias variadas que têm em comum tornar o estudante o protagonista do processo de ensino-aprendizagem.
Na verdade, há muito tempo, utiliza-se a metodologia ativa, e existem várias metodologias ativas construídas ao longo da história da educação, pois elas são “[…] diretrizes que orientam os processos de ensino-aprendizagem, que se concretizam em estratégias, abordagens e técnicas concretas, específicas e diferenciadas” (MORAN, 2018, p. 4).
Na Antiguidade, os grandes mestres (Confúcio, Lao Tsé, os profetas bíblicos, Jesus, Aristóteles, Sócrates, Platão) desenvolveram práticas de ensino-aprendizagem que estariam classificadas como ativas e que eram, certamente, semelhantes às que hoje ainda predominam na educação formal tradicional. Algumas delas estão em ação até hoje, outras foram esquecidas com o tempo.
No período da Antiguidade, acreditava-se que a aprendizagem deveria ir além da recepção passiva de conteúdos pelos aprendentes; tinha-se a ideia de que aprender era um processo de investigação mental. Através desse pensamento, desenvolveu-se, nos estudantes, a prática da investigação; por exemplo, os antigos chineses e hebreus inventaram o que chamamos hoje de estudo de caso.
O professor contemporâneo trabalha com essa metodologia, atividade em que descreve uma situação e solicita que os estudantes estudem as possíveis soluções.
A História enfatiza que os gregos criaram o que nomeamos hoje de diálogo socrático, atividade em que o líder/professor ou membro do grupo propõe uma pergunta ou dilema e todos reúnem suas ideias e experiências; isso caracteriza a metodologia ativa.
Quando falamos em metodologias ativas, ao facilitador cabe uma proposta metodológica adequada levando em conta os saberes prévios dos estudantes; ao estudante, solicita-se o seu envolvimento nas atividades identificando as estratégias que melhor funcionam, uma proposta personalizada. Para tal, precisa-se conhecer o estudante para planejar posteriormente — planejamento reverso.
Conhecer o estudante, o meio social em que vive e suas potencialidades e oportunizar que ele seja autônomo irão desenvolver também a autodisciplina. Existem técnicas variadas objetivando tornar o estudante um protagonista do seu aprendizado com a mediação do professor. Há várias metodologias ativas que se diferenciam segundo suas estratégias e abordagens: sala de aula invertida; aprendizagem por pares; aprendizagem baseada em problemas, em projetos e em estudos de caso são alguns exemplos. São propostas que podem ser realizadas de forma individual e coletiva, de forma presencial, a distância ou de forma híbrida.
Não podemos deixar de afirmar que o mundo contemporâneo vivencia novos paradigmas, uma realidade de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC); portanto, um alinhamento entre informática e telecomunicações (GEWEHR, 2016) que faz parte da existência humana e nos remete à necessidade de inserção do planejamento. Desde as décadas de 1960 e 1970, as tecnologias digitais convivem em nosso processo de produção, entretenimento e relacionamento.
Atualmente, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) permitem, além de informar e comunicar, interagir e aprender.
Desse modo, urge a necessidade de se adaptarem a escola, as ações educativas, a práxis pedagógica a esse novo estar, a uma nova configuração de sujeito contemporâneo. Elaborar um planejamento reverso é entender o aprendizado como ações de sujeito-aprendente-personalizado. No ensino ativo, é o estudante que tem que desenvolver uma atitude de busca personalizada pelo aprendizado, é importante descartar a rotina de memorização e repetição dos conteúdos; assim, o aprendente acionará os processos cognitivos mais complexos, utilizando a interpretação, comparação, análise e síntese, e discutirá com os outros estudantes e docentes. O papel do professor passa a ser de facilitador e orientador, em vez de detentor e repassador de conhecimentos.
A construção reversa e as trilhas de aprendizagem pautadas nos “objetivos da ação” podem trazer resultados satisfatórios e surpreendentes com as metodologias ativas; por exemplo, na estratégia educacional sob a concepção pedagógica do interacionismo, em que se permite ao aluno analisar o contexto, tomar decisões, interagir com outro e compreender que há consequências para suas ações. Além de oportunizar também ao estudante trabalhar com o erro pedagógico, para que ele possa reconstruir, tomar novas decisões e corrigir a rota, fator fundamental para seu desenvolvimento. A estratégia das trilhas de aprendizagem — no planejamento reverso — demanda a construção de situações-problema com maior produção de material, que nem sempre será utilizado pelo estudante, mas torna o aprendizado contextual, aproximando o curso do mundo real.
Neste mundo contemporâneo, com um novo sujeito biopsicossocial, superar as aulas expositivas, pouco interativas, e oportunizar que o discente se torne responsável pela construção do próprio saber é desenvolver habilidades e competências.
Quando a escola oportuniza situações de aprendizagem planejadas pelo professor em parceria com os alunos, o papel do professor eclode como estimulador, provocador, e o papel do estudante permeia a participação ativa e postura crítica ao que é estudado. Para Masetto (2010), este método pressupõe maior e mais efetiva interação entre alunos e professores, permitindo a troca de ideias e experiências de ambos os lados, e, em alguns casos, o professor se coloca na posição do aluno, aprendendo com ele.
Para Moran (2018, p. 4), as metodologias ativas são estratégias de aprendizagem mediadas por professores que dão ênfase ao “[…] papel de protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo”.
Planejar é preciso… O docente é um planejador… O planejamento reverso se fundamenta na ideia de “começar pelo fim” e remete à proposta de que os alunos compreendam ao final da experiência de aprendizagem para, a partir daí, realizar todo o planejamento da ação pedagógica.
Rosangela Nieto de Albuquerque é ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação e da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia.
E-mail: rosangela.nieto@gmail.com
Referências
GEWEHR, D. Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) na escola e em ambientes não escolares. Dissertação (Mestrado em Educação). Metodologias ativas aplicadas a cursos de capacitação Interritórios | Revista de Educação Universidade Federal de Pernambuco, Caruaru, BRASIL. | v. 7, n. 15 [2021] Programa de Pós-graduação do Centro Universitário Univates. Lajeado, 2016. Disponível em: https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/1576/1/2016DiogenesGewehr.pdf. Acesso em: 27 dez. 2022.
MASETTO, M. T. O professor na hora da verdade: a prática docente no Ensino Superior. São Paulo: Avercamp, 2010.
MORAN, J. Metodologias ativas para uma aprendizagem profunda. In: MORAN, J.; BACICH, L. (Org.) Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
MORAN, J. Mudando a educação com metodologias ativas. In: SOUZA, C. A. de; MORALES, O. E. T. (Orgs.) Convergências midiáticas, educação e cidadania: aproximações jovens. v. II, p. 15-33, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/famil/Desktop/Metodologia%20ativa/mudando_moran.pdf. Acesso em: 27 dez. 2022.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. 7. ed. São Paulo: Libertad, 2000. (Cadernos Pedagógicos do Libertad.)
WIGGINS, Grant; MCTIGHE, Jay. Planejamento para a compreensão. Porto Alegre: Penso, 2019.