Edição 129

Como mãe, como educadora, como cidadã

Servindo a um desconhecido

Zeneide Silva

As relações humanas, desde muito tempo, têm sido baseadas em permuta. Os laços afetivos, geralmente, são construídos sobre o alicerce da reciprocidade. O respeito, o amor, o perdão, dentre outros, tornaram-se moeda de troca.

Servir a um desconhecido é um tema que nasceu de uma de minhas muitas experiências de buscar um propósito maior para a minha existência. É um exemplo de transcender o natural, ou seja, fazer mais do que o que se espera.

O Mestre por excelência, Jesus Cristo, é o paradigma perfeito para nos ensinar lições como esta que exponho nas linhas a seguir. Ele mesmo disse que não veio ao mundo para ser servido, mas para servir.

O desconhecido sobre quem vou falar é um senhor, já de certa idade, com quem me deparei, em uma noite linda de Natal, na igreja católica que frequento. Eu estava sentada atrás dele, que estava com a sua esposa e seu filho.

Os laços afetivos, geralmente,
são construídos sobre o alicerce da reciprocidade.
O respeito, o amor, o perdão, dentre outros, tornaram-se moeda de troca.”

Na Igreja Católica, existe uma celebração chamada Advento, que é a preparação para uma das festas mais importantes do cristianismo: o Natal. Ela acontece durante quatro semanas, com quatro domingos de celebração antes do Natal. Nesse período, não damos “glórias”. Mas, no dia 25 de dezembro, o nascimento de Jesus é comemorado com “glórias”. Foi nesse dia de imensa alegria que, com muito êxtase, eu aplaudia Jesus cantando “glórias”, sem perceber que estava incomodando.

Esse senhor, que até então eu não conhecia, virou-se para mim e disse que eu o estava incomodando. Eu, prontamente, falei: “Ah, meu amigo, desculpe-me, eu posso bater com os dedinhos?”, ele me disse que sim. No final da missa, ele me perguntou meu nome e eu perguntei a ele se havia ficado feliz de eu ter cantado “glórias” batendo com os dedinhos, e a sua resposta foi: “Quer ser minha amiga?”. Fiquei muito feliz, e selamos nossa amizade ali.

Servir a um desconhecido é um tema que nasceu de uma de
minhas muitas experiências de buscar um propósito maior para a minha existência.”

Na semana seguinte, eu fui à missa e sentei ao lado da esposa dele, mas não me lembrei dela. Quando abri minha bolsa, vi uma medalha de Nossa Senhora da Conceição, então entreguei a ela. Ela me perguntou por que estava lhe dando a medalha. Eu lhe disse que não sabia, que apenas senti vontade de dar. Logo ela começou a desabafar, a falar de sua tristeza e preocupação com uma cirurgia delicada que o marido precisava fazer, devido a vários problemas de saúde. Eu perguntei quando seria a cirurgia e disse que estaria com eles nesse momento. Ela ficou surpresa, porque, afinal, não nos conhecíamos.

Eu cumpri o prometido e estive com eles durante esse momento. Graças a Deus, a cirurgia foi um sucesso. Um tempo depois, quando o senhor foi para o quarto, fui visitá-lo e bati os dois dedinhos. Ele me deu um sorriso leve e discreto, porque ainda não podia fazer esforço. Quase cantei para ele “Vamos fazer o juramento do dedinho, juntar o meu mindinho com o seu mindinho”, trecho da canção interpretada por Mano Walter, só para quebrar o gelo, mas fiquei quieta.
Esse casal desconhecido a quem servi me fez refletir em como as pessoas, muitas vezes, precisam de pequenos gestos de tolerância, de acolhimento, e em como esses gestos podem fazer bem ao outro, trazer conforto e segurança.

Fico feliz em servir e poder arrancar um sorriso de alguém, por mais discreto que seja.

cubos