Edição 118

Professor Construir

A Necessidade urgente de uma “reforma” do pensamento humano: Superação e equilíbrio emocional

Nildo Lage

equilibro-emocionalNa era das coisas integradas, o humano dilatou o olhar, maximizou a janela do existir para visualizar um planeta que se compactou sob o agir das ferramentas digitais… Extasiou-se ao contemplar o horizonte do progresso. Relutou, relutou, relutou… Não resistiu. Abocou e navega pelas rotas das evoluções tecnológicas, permitindo ser hibridizado para se amoldar ao novo planeta que permitiu ser cingido, submergido pelo hodierno. No ininterrupto processo de digitalização, a vida saltou aos olhos e é vivida na presteza da conexão que iça gradativamente a velocidade. Tão somente para escoltar o compasso de uma geração cuja mente usurpou o contemporâneo para esquadrinhar inovações e por nada permite interromper a cadência, com receio de perder o contato com um futuro tão próximo, que constitui agilidade para não arraigar o instante presente do próprio existir. Existir, que estabelece azáfama para chegar à frente e acatar à aspiração de ser. Ser para ter… Ser para destacar… Ser para tão somente ser… Ser mesmo… Notado… Mesmo que, para isso, seja preciso transpor direitos, a própria privacidade do outro. Num ritmo célere, as ferramentas desses avanços arremetem para atenderem ambições pessoais, suprirem deficiências profissionais e, assim, adaptarem-se aos novos moldes, à família que fragmentou valores, permitindo a diluição de princípios… Costumes… e, para tal, submetem as suas crias, desde o nascimento, ao processo de lipoaspiração da linhagem, que a cada geração vai abandonando pelo caminho fardos de amor, feixes de respeito, pacotes de estima, para não enfastiar na autoestrada que conduz ao universo do existir artificialmente com o mínimo de essência humana. De repente… o asteroide SARS-CoV-2, oriundo de um planeta ignorado, submerge na órbita da Terra! No impacto da queda, arremessa por terra o que muitos resguardavam com unhas e dentes: o orgulho. Sua proliferação provocou novos tremores, impactou o eu… De tão profundo, afetou a saúde mental, e, quando a mente é atingida, é inevitável, o emocional recebe a descarga… Sem alternativa, o planeta estaciona! O humano recua para se resguardar — o que partir desse instante passou a ser seu maior patrimônio: a vida. O que antes era difícil, com a chegada da Covid-19 ficou pior, pois acendeu o medo, chegou ao pânico… Mortes, mortes… Mortes… Mesmo num país onde a violência urbana, familiar e no trânsito suprime mais que muitas guerras. Todavia, a Covid abalou o psicológico, flechou o eu… Suplantou a própria vida… De tão fatal, acertou o ponto mais vulnerável do humano — o emocional. Ante tantas perdas humanas, tantos descaminhos que transportam ao fim, é possível conter o desequilíbrio, excepcionalmente, emocional? Por que poucos superam? Nunca respostas foram tão esquadrinhadas… Nunca o viver foi tão desejado… Nunca a ciência correu tanto para precipitar pesquisas, na estuação de encontrar a fórmula de uma vacina… A ciência atuou instantaneamente, colocou todos os seus mecanismos em ação… Buscou, testou, fracassou… Encontrou a fórmula da vacina, mas não a do sedativo para atenuar as oscilações do emocional; por quê? O fato é que, desde que adquiriu consciência para deliberar, o humano não pensa no amanhã… Conquistar, ser, sobressair são os alvos. Foca tanto em tais propósitos que não arquiteta o ponto de equilíbrio para que a trajetória do viver não se converta num percurso tão sofrido. No primeiro tremor, muitos tropeçam em barreiras que podem ser superadas com simples ações, mas como não conseguem conter os sismos do eu, estremecem a cada tempestade íntima, e, em meio ao vendaval, muitos ficam pelo caminho por não se proverem do essencial: estrutura emocional para suportar situações adversas. Todavia, promover o equilíbrio emocional para sobrepujar argileiras, muitas vezes arremessadas pelo próprio eu, estabelece, acima de um norte definido, maturidade, estrutura psicológica para enfrentar as intempéries da trajetória sem ter que abrir mão de conquistas e valores. O entrave é que temos medo de silenciar, inclinar o olhar para encarar e ouvir os brados do eu.

“O fato é que, desde que adquiriu consciência para deliberar, o humano não pensa no amanhã… Conquistar, ser, sobressair são os alvos.

Essa deficiência para ouvir o próprio silêncio nos impede de refletir sobre ações e situações. E, quando não refletimos sobre ações e situações, reações emocionais salientam que o desequilíbrio sobrevém como retorno. Pois, na trajetória do viver, erros e tropeços são ocorrências frequentes, e, se não tirarmos proveito para crescermos como humano e assim edificarmos o ponto de equilíbrio, é queda ao primeiro tremor. O surpreendente é que a maioria tem ciência de que, sem essa estrutura — que resguarda o emocional —, todo ser desmorona. Desaba, porque o humano, na ânsia de ser, permite que o existir deslize entre os dedos para não perder o afã do agora, e é precisamente entre o interromper o ritmo para entrar na onda que o clique que provoca o desequilíbrio advém, impedindo de alcançar o nível que é a plataforma que assenta o centro operacional do equilíbrio: sabedoria para discernir a diferença entre o ser e o existir. E por transitar entre o tangível — a razão que desfecha o alerta e o intangível —, a ambição, que acalenta o ego, e os pontos de desequilíbrio demarcam a vida em todos os pontos: social, pessoal, familiar, profissional… A partir daí, dá-se início à cadência de conflitos eu-comigo e, na sequência, eu-com o outro que navega pelas mesmas coordenadas — apesar de buscarem ideais diferentes. Todavia, tais conflitos bifurcam caminhos que impelem pelas divisórias da superação e do fracasso. A partir desse estágio, o elo entre o ser e o existir ameaça se romper, pois o pináculo que promove o desequilíbrio mental — os pensamentos contraditórios — alerta que o comportamento sofreu uma mutação inconsiderada para se aliar à emoção, e é nesse eco que sobrevém a desintegração entre o eu com a realidade.

Em meio aos sismos… A quem recorrer?

No processo de reconstrução do equilíbrio emocional, resiliência deve ser o ponto de referência para que o combustível que gera o reagir coerente — força interior — impeça que a estricção corroa a base até então edificada para assentar o alicerce de uma vida equilibrada. Do contrário, até os questionamentos sem respostas se abrigam no íntimo e agem como pontos excitadores que emitem ecos ininterruptos, impedindo que o agir coeso seja substituído por atos impulsivos, convertendo o ponto de partida sempre no ponto-final, pois o abismo do “nada vai dar certo” se dilata para abocanhar qualquer ação positiva. E quando pontos interrogativos são ativados e não encontram respostas, perseguem o eu que retrocede, acua, e os medos que intimidam a alma progridem como vilões de um enredo com final premeditado. Nesse percurso, o próprio tempo, que traz as repostas, emudece e se converte num divisor de águas para dilatar a distância entre sonhos, realidade e superação. Nesse tirocínio, muitos entram em pânico e até lutam, debatem, pedem socorro… Todavia, o auxílio que recebem não proporciona forças para prosseguir, pois o eu foi arremessado num abismo ainda mais intenso, o da depressão. Tanta dor, tantas perdas, porque o humano se detém ante o desafio para fazer escolhas. Nessa interrupção, muitos se perdem pelos labirintos do existir e não conseguem transitar entre as vias mais esquadrinhadas: a da felicidade, para acalentar o coração, e a da ambição, para saciar as vontades do ego; e nessa sequência de buscas, conquistas, tropeços e quedas, muitos se evadem e não reencontram a rota que reconduz a uma vida balanceada.

meditacao O marco zero do desequilíbrio

Quem ousar ir direto ao ponto que agencia o desequilíbrio emocional para proporcionar a estabilização entre corpo, mente e espírito desvendará que o início ou o não início está ligado à saúde mental. Na prática, o grande desafio é assumir um controle emocional numa proporção que permita debelar os sentidos. Pois estes — os sentidos —, sempre em alerta máximo, monitoram o centro operacional do humano — a mente —, e essa, quando desencadeia conflitos, desarmoniza todo ser, e o que era involuntário — pensamentos — passa a acossar, dominar o eu de tal maneira que, em casos críticos, impelem as vítimas pelas veias de escape como bebidas, drogas e até suicídio. Tantos fracassos porque o humano não consegue esquadrinhar dentro de si a força que o impulsiona a exteriorizar os monstros que o perseguem e, assim, libertar-se, por não romper a barreira que separa eu de nós — o amor próprio —, e como essa argileira é sustentada pela empáfia, abre mão da própria felicidade para não ferir aquele que resguarda o eu de afrontas — o orgulho —, e, ao resguardá-lo, expõe-se às intempéries, uma vez que o guardião racionalidade retrocede. Retrocede ante a superioridade do seu atrevimento, e tal recuo proporciona o espaço milimétrico para que a vítima vislumbre a expressão do medo numa dimensão que ascende ojeriza. Esse estágio é o ponto a que todos temem chegar, tampouco fazem a pergunta que incomoda: Por que tenho medo de olhar para dentro de mim e encarar os monstros que me perseguem? Monstros que criei para resguardar das investidas do mundo e hoje me encalçam?   Resistir aos impactos instigados pelos ecos das respostas é o sinal de que há horizonte para contornar, recomeçar, reconstruir… E o mais importante: retomar a vida fortalecido. E ser forte é buscar, em meio às tempestades, forças para superar fraquezas, tentar, a cada tremor, fortalecer a estrutura para superar as próprias limitações e, assim, ouvir o silêncio da razão que orienta, conduz a consciência de que buscar o equilíbrio é entender o eu, compreender suas oscilações e não permitir que, nessa transição, o desequilíbrio arraste para o abismo. Pois disciplinar a mente que super-hiperexcita na convivência com um eu que reage a qualquer contratempo e se precipita à caça de uma saída de emergência é transitar entre o labirinto de fugas e conflitos. Encontrar a saída. Não é preciso, necessariamente, ser um sábio para desviar da zona vermelha. Basta o mínimo de coerência para compreender que o alicerce de uma vida sem fugas e conflitos é o equilíbrio entre mente e corpo, para contrabalancear o relacionamento do emocional com o psicológico… Pois, quando vida e corpo se alinham, até as diferenças do eu e do outro se tornam pináculos para harmonizar corpo, alma, mente e nós com a vida. Essa consonância estabiliza o emocional de tal maneira que tratamos os pensamentos com o mesmo zelo que cuidamos do corpo, pois somos impelidos pela consciência, pois a harmonia entre corpo e mente é a sincronia para uma vida feliz. Feliz por atingir a exatidão de conectar equilíbrio físico com mental e ambos ao espiritual, que proporciona a tão esquadrinhada paz interior.equilibio Assim, reflita atos, atitudes, ações, reações… e jamais esqueça de ser prudente… Prudente nos acometimentos, excepcionalmente os do conviver… Pois o conviver é uma bússola que aponta para o viver bem, feliz, e esse viver estabelece parâmetros… Parâmetros que constituem harmonia entre corpo, mente e espírito. Essa junção configura, na plataforma eu, o que somos… Assim, incline o olhar para o interior desse eu — que somos — e reflita… Reflita se ações e reações resguardam esse “somos” para o eu desfrutar da paz que faz sonhar e delinear planos para o futuro. Assim, reflita… quando sonhos se fundem numa realização homogênea, a base do equilíbrio interior ganha consistência de uma forma tão surpreendente que, quando voltamos o olhar, desconhecemos o ser completo que habita em nós. Completo porque o equilíbrio emocional proporcionado pelo entendimento entre eu-comigo foi de uma grandeza tão significativa que perguntas que antes incomodavam retinem como respostas, e o que fazia recuar, interromper planos… converte-se em impulsos que arremetem, instigam a buscar novos horizontes. Ao atingirmos esse nível, encontramos a resposta das buscas, renúncias, conquistas… Pois, se ambicionarmos uma vida sem tantos conflitos — principalmente emocionais —, é primordial que façamos de cada vitória uma haste; de cada superação, uma aquisição… Pois equilíbrio é entendimento, e somente com entendimento compreendemos que superação é a ferramenta que harmoniza falhas do eu para suportar as intempéries de um mundo cada vez mais estremecido pelas guerras e surtos epidêmicos. E sabemos que, sem equilíbrio emocional, dificilmente teremos superação, e isso é tudo o que precisamos numa fase em que morrer é uma realidade tão drástica, que entes queridos simplesmente morrem, como personagens nos jogos eletrônicos… Morrem assim… Com um clique do destino… Sem nos dar a oportunidade de velarmos, fazermos uma despedida… Pois a instabilidade é de uma grandeza que a vacina ainda não assegura… Isolar pode ser o recuar para receber o vírus de uma pessoa próxima… Pois a Covid-19 restringe o horizonte da vida numa dimensão que abrevia sonhos, poda objetivos, consume propósitos… Ressignificando o existir no agora… Tudo que não fizemos na trajetória viver se resume, meramente, no agora! Agora que exige organização mental para não desabarmos no abismo dilatado pela dor das perdas, equilíbrio espiritual para compreendemos que viver é uma arte e morrer é uma consequência… e distanciamento corporal para equilibrar o próprio tempo e viver tão somente o agora… Agora que não permite voltar o olhar para o passado, tampouco elevar o olhar para encarar o futuro… É preciso focar no agora, para que o eu não desequilibre, nomeadamente, emocionalmente… O momento é, precisamente, agora! Agora que deve ser vivido como instante singular… Instante que estabelece estarmos bem conosco, e estarmos bem conosco é prova de que alcançamos o alvo de extrair do manancial do ser forças para ostentar superação e equilíbrio emocional.

cubos