Edição 135

Profissionalismo

Transtorno opositivo desafiador

Nildo Lage

Para acatar os ultimatos de um mercado sequioso de novo, as ferramentas digitais evoluem ininterruptamente, estreitando o relacionamento com o humano numa homogeneidade em que pensamentos se liquefazem e novos conhecimentos batem à porta da família, prenunciando que o processo de mutação de valores não será obstruído.

A eficácia das suas ferramentas compressa uma sociedade que tateia à busca de um ponto de equilíbrio para resistir aos sismos instigados por tais ferramentas gerenciadas por uma inteligência artificial desenvolvida para converter pessoas em humanoides e que, assim, tornam não apenas alusões, mas roteiro na vida de um humano que imerge nesse universo para não se desconectar do novo.

De repente, os frutos não programados da cópula entram em cena redirecionando um enredo que não permite ser reescrito para resgatar personagens que se perderam nas entrelinhas da trama viver, porque o meio em que subsistem corrompe direitos e obrigações, dissolvendo a ferramenta que atenua conflitos: o respeito.

Assim, são criados aos gritos ou entregues a avós, creches ou cuidadores, como filiais independentes no seio da família, cujos responsáveis desfiam responsabilidades e se relacionam em meio a discussões, agressões, conflitos e abusos na atmosfera doméstica.

Sem amparo e limites, erguem a própria trincheira de defesa e, por terem como referência a agressividade dos genitores, blindam-se para se opor à autoridade, desafiando quem ousar impor, principalmente, regras. Devido à deficiência de afeto, pais, cuidadores e até professores não conseguem estabelecer parâmetros nem normas, porque provocam e afrontam quaisquer ações de comando.

A degeneração é tamanha que arremessa o desafio: “Qual o caminho a trilhar?”.

Nenhum!

Estão perdidos no próprio universo. Os que arriscam um passo à frente se veem no meio de um fogo cruzado, em que questionamentos sem respostas partem de todas as direções: “O que edifica?”, “O que é adequado?”, “O que é censurável?”, “Certo ou errado?”. Sem retorno, a dialética do existir contrapõe: “Tanto faz!”. Porque a geração opositora desafiadora foi digitalizada para não transitar na contramão de uma sociedade que foi esfacelada pelas ferramentas digitais, desfragmentando a família para se adaptar ao contemporâneo.

Assim, tudo é consentido, excepcionalmente quando o desígnio é a vontade de um ser imaturo, que não pode ser contrariado para anteparar novos conflitos. E a ideologia infantil, quando não é direcionada para harmonizar o crescimento humano, cumpre os desígnios da pretensão: “Quero e faço!”. Numa determinação tão sintética que se converte em algoritmo para desbloquear mentes analógicas e forçar a autoridade a emudecer.

É tanta autoridade que não permitem ser aborrecidos. Quem se atreve a discordar? Pais? Professores? Ninguém! Parecem advogados de defesa, que têm a réplica precisa — como se previssem os questionamentos — e, se necessário, tréplica. A maturidade tem que se curvar, admitir ser sobrepujada; do contrário, rebate com o argumento que emudece qualquer acusação: a agressividade.

Se não funcionar, o plano B é implacável: parte para o ataque, salientando que, para chegar à intempestividade, com a perda do controle emocional, não é preciso nada, pois o próprio comportamento difícil, que ostenta a irritabilidade, encarrega-se disso.

Porque a geração opositora desafiadora foi digitalizada para não transitar na contramão de uma sociedade que foi esfacelada pelas ferramentas
digitais, desfragmentando a família para se adaptar ao contemporâneo.”

Pais, perdidos em meio aos desafios, questionam: que ser é esse que parece radar, cuja sensibilidade capta gestos imperceptíveis, pois suas destrezas argumentativas desenvolvem habilidades que esboçam uma tese de defesa com apenas uma palavra de repreensão? Um não é o bastante para perder a paciência por se sentir aborrecido, como se o ressentimento não parasse de alimentar uma raiva insaturável.

O que é isso?

Pode ser TOD! TOD? É!

Por quê? É simples! As vítimas do transtorno opositor desafiador (TOD) têm esse comportamento; são capazes de assinalar pai, mãe, irmãos e até avós como culpados pelos próprios atos. Se o TOD não for trabalhado a tempo, pode acarretar implicações impresumíveis para a criança.

O TOD pode não ter origem genética nem ser uma questão de natureza, gênio ou personalidade. Especialistas não afiançam a sua origem e se arriscam nas turbulências do dia a dia. Os abusos, o acesso a conteúdo que incita a violência e a permanência em ambientes virtuais ou com pessoas hostis e negligentes podem desencadear um conjunto de desordens disruptivas, que provocam adulterações de comportamento.

O que fazer?

Diagnosticar para identificar o grau do TOD — suave, moderado e forte — facilita o atuar com coerência. Por especialistas crerem que o transtorno não tem cura, o tratamento é para atenuar as crises e impedir que a vítima sofra consequências oriundas das atitudes impelidas pela dificuldade de lidar na coletividade.

A terapia cognitivo-comportamental é uma das veias de escape para suavizar e até atenuar o clima do ambiente familiar e para auxiliar a vítima na superação das crises emocionais e sentimentais.

Se o tratamento não advir para abrandar, agrava-se, pois conviver com uma pessoa que dificulta a aproximação e que replica tudo requer autocontrole para proporcionar um ambiente de paz. O transtorno é confundido com o de conduta, que não salienta consciência das ações na fase infantil. Quanto às ações do opositor desafiador, elas são taxativas no que se refere ao querer.

Graças à evolução da ciência, especialistas podem identificar a origem como familiar, com adultos que brigam, agridem e gritam com frequência, devido às turbulências dos relacionamentos conflituosos.

Nesse caso, é preciso reduzir o ritmo da vida para acolher a vítima, porque o TOD é alerta a pais e responsáveis que se entregam ao trabalho e se agridem física e verbalmente diante das crianças ou descarregam os fardos de trabalhos nos filhos, tratando-os com agressividade.

A terapia cognitivo-comportamental é uma das veias de escape para suavizar e até atenuar o clima do ambiente familiar e para auxiliar a vítima na superação das crises emocionais e sentimentais.”

A imaturidade requer amparo, e o clima tenso desmorona a estrutura psicológica e emocional, desencadeando o transtorno, que principia pela desvirtualização do comportamento para sobrepujar situações opressoras do cotidiano. Acuar se torna rota de evasão; opor e desafiar, armas de defesa; pois tudo o que sente — medo, dor, angústia, insegurança — condensa o sentimento que o inferioriza ante a autoridade.

Ao serem repreendidos e agredidos, reagem; e o que acreditávamos que eram planos perfeitos para os nossos pequenos se converte em uma realidade tão cruel que pais não reencontram o ponto de partida para recomeçar e, por acreditarem que é rebeldia, não recorrem a subsídios clínicos. O transtorno opositor desafiador é uma desordem infantil pouco conhecida; porque especialistas fazem a combinação genético-ambiental, social e familiar; e por os pais não levarem o problema a sério, pois os sintomas se iniciam entre os seis e os oito anos, e as características primárias são alterações de humor, comuns na transição entre a infância e a pré-adolescência.

Mas o transtorno, de tão cruel, ata nós que travam mentes e desafiam especialistas, porque um diagnóstico errado pode confundi-lo com o transtorno do espectro autista (TEA), com o transtorno de conduta (TC) e com o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Porque sintomas de TOD e TDAH estão presentes nas crianças com TC.

Quem tem o TOD pode não ter o TC ou o TDAH nem ser autista! Quem se atreve a contradizer? Mas é preciso correlacionar o TC com o TDAH, mesmo embaraçando especialistas, porque as condutas agressivas e a firmeza em se opor às regras impostas podem também ser indicativos de autismo ou transtorno opositor desafiador no seu grau mais elevado, uma vez que o TC e o TDAH são diagnosticados em grande escala nas crianças com TOD. Sem contar que o transtorno de humor, por sua vez, emana os mesmos sintomas, mesmo que a rotina não sofra mudança; ou o TOC, cujas obsessões compulsivas nutrem angústia e ansiedade e, por que não?, birra.

É confusão demais? É! Mas é exatamente assim que funciona a mente e o íntimo dessas crianças que desafiam a ciência! E nem mesmo a ciência exibe um fator específico da genealogia do transtorno, apenas combinações, como disfunções provocadas no ambiente familiar e social, fatores psicológicos; e, numa provável hipótese, neurobiológica e genética, muito pouco é feito para amparar as vítimas.

O fato é que, se não for identificado para ser tratado a tempo, pode avançar, provocando graves transtornos de comportamento e, por ser estimulado pela personalidade antissocial, afetando não apenas o relacionamento com familiares, mas o rendimento escolar, por provocar bloqueios que intensificam as dificuldades de aprendizagem.

E, como na concepção das vítimas, estão corretas, defendem sua verdade com tamanha ferocidade que não abdicam nem retrocedem ante ameaças. Empacam, afrontam e, em casos extremos, partem para a ofensiva, com violência e agressividade.

A importância da estrutura e do envolvimento da família

Sabemos que o primeiro impacto ao receber o laudo é de impotência, que absorve toda a família; é impossível não fraquejar, e pais se perdem na busca de conhecedores. Porque, além do sofrimento de presenciar a angústia do filho, eles têm que ser guardiões de um ser que não permite ser assistido.

É desordem genérica. Porque envolver uma criatura que não obedece a comandos nem aceita um não e reage agressivamente a uma simples contenção desnorteia. E, até acertar no diagnóstico, é um vai e vem ininterrupto a especialistas: neuro, psiquiatra, psicopedagogo, psicólogo, terapeuta comportamental… São tantos contratempos que os problemas se estendem a todos do convívio da criança.

E, na escola, intensifica-se a tortura, porque o grande desafio da família é encontrar uma entidade que acolha. O TOD leva a criança a resistir às normas, além de se negar a desempenhar as tarefas em sala de aula e ter crises, devido à personalidade antissocial e aos conflitos com colegas. Nesse universo de turbulência, sofrem pais, irmãos e, principalmente, a própria criança, que, na fase de desenvolvimento cognitivo, choca-se contra barreiras invisíveis que não consegue transpor, obstruindo o processo de aprendizagem.

Nessa transição, a família precisa se capacitar para compreender o desenvolvimento infantil e para conviver com o problema e se envolver no processo de um transtorno que desintegra a pessoa nos meios familiar e social.

O TOD abraça o psicológico e o emocional, incitando a criança a adotar a aspereza como escudo. Ser contrariada? Nem pensar! Para impedir discussões que afetam sentimentos e emoções e, assim, conter explosões de agressividade que podem atingir todas as pessoas do seu convívio.

Nessa transição, a família precisa se capacitar para compreender o desenvolvimento infantil e para conviver com o problema e se envolver no processo de um transtorno que desintegra a pessoa nos meios familiar e social.”

A próxima medida é arquitetar a estrutura para recriar um ambiente terapêutico que facilite mudanças de comportamento. Do contrário, a família será dividida em dois blocos: os que se juntam para combater resistência, pirraça, desobediência, teimosia e, até, violação de direitos; e ela — a criança contra todos.

Nessa etapa, a família precisa compreender que birra é um sentimento de aversão e, se não for trabalhada, pode abordar a obstinação para impor o querer. Todavia, o transtorno opositor desafiador estimula provocar a pessoa de autoridade à base da desobediência e agressividade.

Uma das características do transtorno é um altivo grau de agressividade, pois a vítima pode chegar à violência, principalmente física, para com as figuras de autoridade por uma simples interpretação de gestos ou atitudes e por se frustrar com facilidade. O comportamento é sempre oposto ao convencional, devido à intolerância, a ponto de se vingar de quem tentar obstruir a sua vontade.

Como a maioria dos diagnósticos são tardios e partem das referências oriundas dos ambientes familiar e social da vítima, pais e responsáveis precisam trabalhar o psicoemocional para se conscientizarem do problema e superarem a angústia instigada pelo impacto da revelação, sem contar que o sentimento de culpa é o primeiro que grita para desequilibrar, principalmente, os pais.

Nesse grau do transtorno, pais partem à procura de ajuda, e especialistas em Saúde comportamental não arriscam um diagnóstico imediato por deficiência de informações do cotidiano da criança, desenvolvendo preceitos que estabelecem baterias de exames. Até mesmo especialistas que incidem o alvo no primeiro disparo, identificando o transtorno, reúnem informações precisas da base de convivência do indivíduo para principiar a bateria de exames e os acompanhamentos específicos. Somente então partem para o tratamento.

Os casos graves estabelecem foco para trabalhar a ansiedade no intuito de atenuar o nível de irritabilidade e depressão, devido ao retraimento social, que pode induzir ao isolamento e até a perturbações do sono, que alteram o humor e estimulam o agir com rebeldia, uma vez que nos transtornos de ansiedade e na depressão decorrem os mesmos sinais.

Nessa trajetória, toda a família tem que ser envolvida no tratamento para que a disfunção familiar que acarretou o transtorno seja trabalhada numa abordagem que disciplina, não castiga e, se possível, envolve professores no mesmo processo, para banir ações tóxicas à vida da sala de aula, porque uma atmosfera escolar tensa, principalmente em creches e nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, pode despertar o transtorno.

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